Foto: BSCA
“Acredito que uma linguagem mais simples pode trazer cada vez mais público para o café especial e desenvolver toda a nossa cadeia”. Esse é o propósito de Rubens Vuolo, da cafeteria Amado Grão, em Cuiabá (MT), brasileiro a disputar o Campeonato Mundial de Brewers, que acontece durante a Specialty Coffee Expo, em Chicago (EUA), de 12 a 14 de abril.
Ao lado de campeões de outros 38 países que concorrem ao título de melhor café filtrado do mundo, Vuolo, hoje com 31 anos e que há três anos largou uma promissora carreira de advogado para tornar-se barista, já está se preparando na maior cidade de Illinois para representar o Brasil. Na entrevista para a Espresso, o campeão nacional conta sua trajetória no café, reflete sobre os impactos da vitória no Campeonato Brasileiro em sua vida profissional e comenta suas expectativas para o Mundial.
Espresso: Há quanto tempo você trabalha com café? Conte um pouco sobre a sua jornada até aqui.
Rubens: Minha jornada no café é bem recente, tudo aconteceu bem rápido. Eu era servidor público, fui advogado, e fiz essa troca pois me encantei com o universo do café. Eu nem tomava café, porque a referência que eu tinha dele era péssima, de algo desagradável. E, à medida que minha mãe veio com o projeto de montar uma cafeteria, ela começou a estudar e descobriu o café especial. Ela compartilhou isso comigo e eu me encantei.
Então, desde o início, não era só uma bebida que dava energia, mas, sim, para saborear e entender sua complexidade. No começo foi um hobby, uma paixão compartilhada com a minha mãe. Ela iniciou o projeto da Amado Grão [em 2018] e, no começo, eu a ajudava nos finais de semana, meus dias de folga. Mas dois anos depois, pedi exoneração do meu trabalho, que era ser assessor de desembargador no Tribunal de Justiça, para virar barista, que era minha grande paixão e o que eu queria fazer na vida.
Como estava saindo de um emprego estável, eu queria fazer algo que realmente fosse diferente, que tivesse um propósito e me motivasse. Por isso, fui estudar e fazer cursos, pegar referências e tentar aprender, e acredito que isso fez com que a caminhada fosse acelerada.
Em 2021, ganhei o prêmio Torrefação do Ano, da Atilla, representando a torrefação Amado Grão. No ano seguinte, meu professor, amigo e coach Garam Um, quando veio ao Mato Grosso, me incentivou a competir no Brewers. No primeiro ano fui o terceiro colocado e, agora, o campeão.
Foto: Arquivo pessoal
E: Como você se sentiu ao ganhar o título de Campeão Brasileiro de Brewers?
R: Foi uma alegria sem tamanho. Em primeiro lugar, porque entendo a dimensão disso tudo, principalmente para alguém que vive fora dos grandes centros. É muito representativo ter alguém do centro-oeste, do Mato Grosso, de Cuiabá – que são lugares desconhecidos para o público – para mostrar que nosso país é gigantesco e que podemos desenvolver bons trabalhos em todos os cantos do Brasil. Pessoalmente, também foi incrível legitimar todo o esforço, trabalho e dedicação, e significativo, porque mudei de profissão pela paixão que tenho e porque, realmente, queria ter um trabalho com propósito, voltado a tudo que acredito.
Queria fazer algo significativo na minha vida. Quando ganhei, passou um filme na minha cabeça e o feedback dos juízes era justamente validando tudo aquilo que sempre acreditei, que é atender bem as pessoas, ser gentil, respeitoso, me comunicar, passar mensagens. E os juízes me relataram que eu tinha passado exatamente isso. Foi como uma mensagem de apoio, de “você está no caminho certo”. Isso faz nossa vida ter muito mais propósito.
E: Quais responsabilidades você acha que o campeão brasileiro de café filtrado tem?
R: Acho que a responsabilidade é muito grande, porque até tempos atrás me explicaram sobre a competição e me falaram que o campeão não era simplesmente o vencedor, era alguém que seria escolhido para ser o embaixador do café e que, principalmente, mostraria o que nós queremos ver na nossa profissão.
Por isso, minha apresentação voltou-se para dar uma mensagem que eu realmente gostaria que meus colegas baristas observassem, que é a comunicação, a forma como atendemos nosso cliente e o quanto isso pode agregar para o cenário de maneira geral. Acredito, realmente, que uma linguagem mais simples pode trazer cada vez mais público para o café especial e desenvolver toda a nossa cadeia.
E: Como ganhar o título de campeão brasileiro impactou sua vida profissional?
R: Ele vem para legitimar todo o trabalho que já estamos executando. Muitas vezes, as pessoas falavam que fazemos um trabalho legal na Amado Grão e ponto. No momento em que a gente se coloca à prova no cenário nacional, com os melhores baristas da atualidade, e consegue ter destaque, isso mostra que nosso esforço é, sim, muito grande e que estamos fazendo um trabalho legal, mesmo em uma região diferente.
Pódio do Campeonato Brasileiro de Brewers realizado em outubro de 2023, na cidade de Curitiba (PR). Da esquerda para a direita: Tiago de Mello (terceiro lugar), Rubens Vuolo (campeão) e Daniel Vaz (segundo lugar). Foto: Gabriela Kaneto
E: Como você está se preparando, já em Chicago?
R: O primeiro obstáculo foi a língua, ainda mais querendo falar de comunicação. Meu inglês era realmente muito fraco. Então, antes da competição, vendo a possibilidade de ganhar, fiz aulas particulares cinco vezes por semana, um treinamento bem intenso para me comunicar melhor na língua inglesa.
Além disso, comecei a me preparar em Cuiabá, treinando bastante para as etapas e dividindo minha rotina de trabalho com o treinamento. Chegava mais cedo, treinava antes de começar o expediente ou no fim do dia, sempre conciliando.
Depois, fiquei dez dias em São Paulo junto dos meus treinadores, Danilo Lodi e Garam Um, treinando intensivamente todos os dias, de manhã até de noite. Já estou em Chicago para mais dias de treinamento. Dedicação completa.
E: Quais são as suas expectativas para o Campeonato Mundial?
R: Minha maior expectativa é representar bem o meu país. Quero que os baristas brasileiros se sintam representados. Essa é minha missão principal. Que eles possam assistir à apresentação e sentir que têm um pouco deles ali. Quero fazer tudo que treinei, entregar tudo que foi preparado. A colocação, depois, é só uma consequência. Pretendo fazer uma belíssima apresentação. Mas, lógico, a intenção maior é colocar o Brasil de novo entre os finalistas.
E: Quais são seus planos para o futuro? Pretende competir novamente?
R: Tento dar um passo de cada vez, visualizar as oportunidades que vão surgindo, mas acho que ainda tenho lenha para queimar. Sou um cara muito competitivo, comecei há pouco tempo no café. Acho que dá para competir por alguns anos, talvez em outras categorias, talvez me mantendo no Brewers. É algo que estou tentando não pensar. Vou deixar para as cenas dos próximos capítulos.
TEXTO Gabriela Kaneto