Arriba, arepas e ceviches!

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As cozinhas latino-americanas invadiram a capital paulista. Tacos e quesadillas mexicanas, empanadas chilenas e argentinas, ceviches de todos os cantos banhados pelo Pacífico. Um dos bons chefs representantes dessa tendência – mundial, como comprova o Latin America’s 50 Best Restaurant, versão do lado de cá do Atlântico do prêmio que elege os cinquenta melhores restaurantes do mundo, já na terceira edição – é o colombiano Dagoberto Torres.

Sócio e comandante da cozinha do Suri Ceviche Bar e do vizinho Maíz, o jovem é um entusiasta da cozinha de seu país e da de seus hermanos. “O conceito do Suri sempre foi quebrar a barreira das cozinhas latino-americanas”, explica Dagoberto, que abriu o restaurante com sócios brasileiros há cinco anos. Estranhamente, diz ele, foi preciso sair de sua terra natal para olhar para a própria cozinha. Nascido em Chaparral, no interior da Colômbia, Dagoberto cozinha desde pequeno – com a família, nas festas, e depois sozinho, por não gostar da comida que faziam para ele quando os pais viajavam. Vendeu laranja no mercado, picolé na farmácia do pai, teve barraca de cachorro-quente, pizzaria e, aos 18 anos, seu primeiro restaurante, no hotel de uma das avós. “No começo, foi um meio de ganhar minha independência financeira”, conta.

A atividade como profissão veio mais tarde, quando então cursou Gastronomia e estagiou em hotéis e restaurantes em Bogotá, como o famoso Harry Sasson, que atualmente ocupa o 24º lugar na lista dos 50 Best da América Latina. “O chef Harry Sasson foi o primeiro a se tornar uma figura pública no país, uma espécie de Alex Atala colombiano”, explica Dagoberto. Mas foi o celebrado chef brasileiro, com quem trabalhou ao chegar ao Brasil, em 2007, que imprimiu nele o valor de sua própria cozinha. “Eu via o Alex falando com amor dos produtos brasileiros”, diz Dagoberto, lembrando do tempo em que trabalhou no restaurante D.O.M. Pensei, então, em olhar para os produtos da minha terra”, diz.

Numa época em que ceviche não fazia parte da cartilha dos comensais paulistanos, Dagoberto idealizou o projeto de uma cevicheria, local simples, com balcão, em que se toma cerveja e se come o prato – basicamente, peixe cozido no limão e temperado com pimenta do tipo Capsicum. “Percebi a falta de acesso das pessoas à cozinha dos países da América do Sul”, lembra ele, que voltou a morar por alguns meses na Colômbia antes de se associar a brasileiros para tocar seu projeto culinário em São Paulo. “O ceviche pertence a vários países do continente, e todos têm amor por esse prato”, explica o chef. Ceviches os mais diversos são a estrela do despretensioso e acolhedor Suri, que conta com balcão, grandes vidraças e móveis simples. O prato fronteiriço também acabou virando tema do livro Ceviche, do Pacífico para o Mundo, lançado com a jornalista Patricia Moll em 2013. “Para mim, é importante que nossas preparações sejam reproduzidas com facilidade, para que as pessoas se sintam perto da nossa comida”, pontifica.

Em meio à atual crise econômica que atinge em cheio, também, os restaurantes, pareceu quase profético o segundo negócio do chef colombiano, o Maíz, aberto em 2014 ao lado do Suri. Na casa, ainda mais informal, o chef acentua seu comprometimento com as cozinhas da América Latina ao focar comida de rua. As tradicionais arepas – uma espécie de pãozinho redondo e achatado de massa de milho com diferentes recheios, comum na Colômbia e na Venezuela – dividem espaço com empanadas e tacos. Clientes comem os petiscos no balcão, nas mesinhas da lanchonete ou nos bancos ao ar livre.

Informalidade, sabores latinos, preços que driblam a crise. Aliados à boa técnica e adaptados aos produtos locais (outra bandeira do chef, que trabalha com produtores paulistas), esses elementos garantem o sucesso da cozinha de Dagoberto Torres. Não, não o sucesso que vem dos reality shows gourmetizados ou das listas que promovem os melhores da gastronomia. A prova de que sua cozinha vai bem pode ser medida de maneira mais simples e certeira. Um dos termômetros, por exemplo, é o Domingo Cevicheiro, quando, uma vez por mês, o trecho da tranquila Rua Mateus Grou, onde ficam as duas casas, literalmente ferve de gente atrás de música, ceviche, bebidas e papo. Tipo bom e barato mesmo.

*Cristiana Couto é jornalista especializada em gastronomia e autora de Alimentação no Brasil Imperial, EDUC, São Paulo, 2015. Fale com a colunista pelo e-mail nacozinha@cafeeditora.com.br. 

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Café & Preparos

No pique de Palmirinha

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“Se eu não tomar meu cafezinho pela manhã, eu não acordo.”

Como toda boa cozinheira, ela gosta de inovar. Todos os dias, pela manhã, ela prepara um cafezinho cremoso com um toque especial. “Se ele não fica muito cremoso, eu bato chantili e coloco por cima. Às vezes coloco um pouco de leite condensado. Minha filha fala que eu gosto é de inventar moda”, diverte-se. Outro momento do dia em que o café se faz presente é no lanche da tarde, dessa vez misturado ao leite e acompanhado de quitutes que só ela sabe fazer. “Em casa a gente sempre tem um bolinho de chuva, um bolo de fubá ou de laranja para acompanhar.”

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Leonardo Valle • FOTO Guilherme Gomes

Cafezal

Geisha: o mundo se curvou

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Um café com sabor de limão, aroma de flores e que não tinha valor nenhum hoje é um dos mais cobiçados. Fomos ao Panamá conhecer essa lenda descoberta somente há dez anos

O Geisha nasceu em berço africano, batizado com o nome da região da Etiópia em que foi descoberto: o povoado de Gesha, em 1931. Sem qualquer relação com a personagem japonesa, essa variedade de café, da espécie arábica, não imaginaria que sua história seria traçada com tanto destaque anos depois. Geisha é um dos cafés mais premiados no mundo e coleciona preços altíssimos de venda. Tudo isso só faz uma década. E no Panamá. Mas antes de chegar ao país da América Central, a variedade foi plantada na Costa Rica e não recebeu muita atenção. Somente em 1963, o cafeicultor Don Pachi, um panamenho que trabalhava no instituto de agronomia do país, recebeu a informação de que havia uma variedade pouco produtiva e com sabor estranho que estava na Costa Rica. Dispôs-se a plantar aquele cafeeiro e, não sabendo qual seria a produtividade da planta naquelas terras, também distribuiu algumas sementes a produtores conhecidos da região de Boquete, onde fica sua fazenda. Numa altitude de até 1.500 metros, clima úmido e terra fértil, o geisha foi produzido com muito cuidado. Da dedicação de Pachi nascia uma variedade de grão. Nas mãos de outros produtores, o geisha chegou à família Peterson, na mesma localidade, na fazenda La Esmeralda. Foi só em 2004 que, durante uma feira da Specialty Coffee Association of America (SCAA), o café foi provado em uma mesa com diversos outros. A reação dos provadores foi de desconfiança, depois de muita surpresa e admiração por aquela variedade que em nada se assemelhava a cafés provados anteriormente. Meses depois o café da La Esmeralda, de Price Peterson, era vendido a preços altíssimos, em torno de 21 dólares por somente 450 gramas. Esse café chegou a pontuar 94,6 na escala de 100 da SCAA. Até hoje a La Esmeralda é conhecida pelos cafés que mais recordes de preço alcançaram. Chegou a vender menos de 500 gramas de um microlote especial de geisha por 130 dólares.

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À esquerda, Peterson, da fazenda La Esmeralda recebe a comitiva de visitantes. Á direita e acima, Don Pachi e seu filho Francisco José Serracín, o Frank, mostram a plantação e o beneficiamento de cafés da fazenda Don Pachi

Qualidade e família Ao chegar à região de Boquete, veem-se muitas referências ao geisha. São cafeterias que vendem o produto e destacam a região pelo diferencial desse café. A variedade é uma planta de porte alto, de manejo complicado, e com baixo rendimento. Os grãos são de peneira alta e o sabor, muito diferente. Hoje o geisha é uma preciosidade na região. Durante a visita à fazenda Don Pachi, o solo negro, com muita matéria orgânica, chama atenção. Francisco José Serracín, filho de Don Pachi, é quem nos recebe junto ao pai. A administração da fazenda é feita por ele. Mais conhecido como Frank, ele nos mostra o trabalho de gerações no café, desde as podas até os estudos com um híbrido da variedade geisha, que eles vêm observando e já batizaram com o nome de “sapaton” ou “cucaracha”, pois tem grãos muito grandes. Don Pachi, aos 76 anos, com cinco filhos e nove netos, fala o tempo todo em qualidade e na sequência da família no café: “Nunca falei para os meus filhos continuarem na fazenda, mas meu filho hoje fala para os filhos dele sobre o futuro no café”. Essa virada aconteceu em 2005, quando Frank começou a mudar o negócio e passou a investir em microlotes: “Hoje, 85% dos nossos cafés são finos, vendemos para 27 países e para as grandes torrefações do mundo, como Intelligentsia, Seven Seeds, Klatch Coffee, e países como Japão, Taiwan, Dinamarca, Noruega…”. O processo lavado deu espaço para outros processamentos, como o natural e o cereja descascado com porcentagens diversas de mucilagem. A família investiu em despolpador e desmucilador e em camas africanas (terreiros suspensos) para secar o café a 1.650 metros de altitude. São 2 mil sacas por safra, que passam pelos cuidadosos processos do produtor, em nove variedades plantadas com sombreamento e em uma região muito íngreme. Don Pachi ainda sobe tranquilamente as montanhas em meio aos cafezais: “Mantemos uma fauna e flora equilibradas. Esperamos até cinco anos para começar a colher um café plantado; se isso é não ter fé, não ter esperança, não sei o que é. O produtor de café faz isso de maneira particular. Produzimos um grão que, acima de tudo, é saudável”.
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O Geisha é um dos cafés mais premiados no mundo e coleciona altíssimos preços de venda

Degustação Provar esses cafés foi um evento na redação da Espresso. Toda a equipe estava ansiosa por experimentar o famoso grão. Voltei com dois geishas na mala: Don Pachi Estate e Café Kotowa, ambos do Panamá. Convidamos a jornalista e colunista Cristiana Couto para participar também. No final, estávamos inebriados com os aromas e sabores diferentes que surgiram dessa inédita experiência. Preparamos nos métodos Chemex, aeropress e Hario V60. Um mergulho em novas sensações. Don Pachi Estate Geisha Natural: aroma de capim-santo, frutas amarelas, como carambola, e muito doce. Sabor delicado de cana-de-açúcar, mel e pitanga. Acidez média e aftertaste limpo, doce e agradável. A fazenda é a primeira produtora de geisha no país. Kotowa Coffee – Geisha Gourmet: aroma doce, erva-cidreira, alecrim e mel. Sabor de limão, acidez média-alta, finalização doce e leve. A marca tem cafeteria em Boquete, região cafeicultora. Palavra do especialista Kim Ossenblok, barista na Espanha: “Bom barista, bom geisha! Ganhamos um pacote de café no final da visita. Sorte a minha que tinha trazido aeropress e moinho manual e pude provar quando chegamos ao hotel. Uma experiência incrível. Don Pachi descreveu os sabores de abacaxi, pêssegos, uvas-passas, frutas cítricas e toques de jasmim. Adorei!”. O barista viajou a convite da Dalla Corte.

Ficha técnica

Região: Boquete, Chiriquí, a oeste do Panamá População: 22.435 habitantes Altitude das fazendas: de 1.200 a 1.600 metros Origem: povos indígenas de Ngöbe e Buglé. Os dois grupos foram a maior população indígena do Panamá e vivem em uma reserva conhecida como Comarca, em Chiriquí, região montanhosa de Talamanca. Ponto mais alto: Vulcão Barú (altitude 3.474 metros) Capital: Cidade do Panamá Produção anual de café (país): 100 mil sacas Mais informações: www.scap-panama.com (Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • FOTO Preparo: Roberto Seba/Café Editora -- Demais: Lucía Hernández e Mike Russell

Mercado

Torra em casa, é possível?

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Para o novo torrador Ikawa, sim.

Chamou atenção ao andar pelos estandes da SCAA o aroma de café recém-torrado que vinha dessa inovação. Em vias de ser produzido em larga escala, após uma campanha de sucesso no Kickstarter, o projeto tinha como meta arrecadar US$ 80 mil e já bateu mais de US$ 120 mil.

O equipamento é compacto e torra 60 gramas de café verde pelo tempo de três a dez minutos. Por um aplicativo é possível controlar os perfis de torra. O conceito foi criado pelo inglês Andrew Stordy, quando estudava na Royal College of Art de Londres, e recebeu suporte de James Dyson e depois de Rombout Frieling. O minitorrador é bem simpático e dá vontade de tê-lo em casa para fazer alguns testes. www.ikawacoffee.com

 No equipamento, a torra é controlada por um app disponibilizado pela marca e sai fresquinha, pronta para o café da manhã

No equipamento, a torra é controlada por um app disponibilizado pela marca e sai fresquinha, pronta para o café da manhã

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença, de Seattle, Estados Unidos • FOTO Divulgação

Café & Preparos

O que é aeropress?

Aeropress

Técnica de infusão de café prática e rápida, a aeropress parece uma grande seringa.

É composta de sete peças (base, porta-filtro, êmbolo, funil, armazenador de filtro extra, dosador e mexedor) que, juntas, trabalham para produzir um café de aspecto intermediário entre espresso e filtrado. Extrai-se a bebida por meio de uma pressão do ar, feita manualmente. O café passa por um filtro fino de papel ou metal (able) e é servido no próprio recipiente.

Foi criada em 2005 pelo engenheiro Alan Adler – da Aerobie, inventor do famoso frisbee, aquele disco de brinquedo. Alan vive na Califórnia, Estados Unidos, e tem mais de 40 patentes de invenções, além de ser apaixonado por aerodinâmica e ter estudado intensamente sobre veleiros, equipamentos para travessias etc.

Site oficial

Compre aqui

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Da Redação • ILUSTRAÇÃO Stefan Pastorek

Café & Preparos

Tulipa Ruiz e o café

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“Para mim, café combina com encontro.”

Se eu quero fazer um tricô com alguém, o café é com certeza o ponto de partida”, brinca a cantora Tulipa Ruiz sobre a sua relação com a bebida. Por não ser fã de leite, Tulipa toma, desde pequena, café coado todos os dias pela manhã. “Eu ganhei de uma amiga um minicoador com suporte para xícara pequena. É a coisa mais linda tomar café desse jeito, pois parece que estou brincando de casinha”, diverte-se.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Leonardo Valle • FOTO Lucas Albin / Agência Ophelia

Cafezal

Aquarela mineira

Fazenda Mantissa

A Fazenda Mantissa, no Sul de Minas, mostra que produção de qualidade se faz com bons profissionais e natureza em equilíbrio.

Um lindo céu azul de anil. Foi ele que recebeu a nossa equipe na visita que fizemos à Fazenda Mantissa, na cidade de Campestre, Sul de Minas Gerais. Cercada por montanhas e verdes matas, a propriedade investe no cultivo de café desde 1998 e há cinco anos trabalha a marca própria para agregar valor ao grão, melhorar a qualidade e ser uma vitrine da produção. A fazenda faz parte dos negócios do Grupo Agro Fonte Alta, que em 1994 contratou o técnico agropecuário Evandro Vilas Boas de Carvalho, hoje responsável pela recepção dos cafés no pós-colheita, o benefício por via úmida, a secagem, o rebenefício e a classificação. Foi ele quem encontrou a área e disse para os sócios do grupo que ali seria um bom lugar para desenvolver a produção do grão. “Então, nós começamos a plantar os cafeeiros. Foram 200 mil pés e em 1998 começamos a operação e fomos expandindo até chegarmos às 580 mil plantas. Mudou muito”, conta ele.

Nascer do dia no Sul de Minas

Nascer do dia no Sul de Minas

Três anos depois, as colheitas começaram e Evandro, atento, percebeu que os cafés apresentavam notas de destaque. Correu para o grupo e disse que ali tinha coisa boa e que valia a pena investir. Com isso, toda a infraestrutura, desde o terreiro até os maquinários para processamento, secagem e benefício, foi renovada e com a chegada dos novos equipamentos o foco na qualidade se intensificou. A princípio, os grãos da Mantissa foram para uma cooperativa e, classificados, despertaram ainda mais interesse. “A partir daí a evolução foi natural e começamos a vender para a illy, ficando sempre entre os finalistas na premiação que eles fazem anualmente com os produtores, fornecedores da marca. Nós sabíamos que tínhamos um produto diferente”, diz Evandro.

José Roberto checa o termômetro instalado na lavoura. Ele conta com a ajuda da tecnologia para monitorar clima, incidência de chuva e altitude

José Roberto checa o termômetro instalado na lavoura. Ele conta com a ajuda da tecnologia para monitorar clima, incidência de chuva e altitude

Em harmonia O profissional é um dos elos que unem a forte cadeia de produção na fazenda. Ele está sempre conectado com o administrador José Roberto Silva – que hoje faz o trabalho que Evandro fazia na lavoura quando começou, entre controle de produção, gerenciamento de mão de obra, tratos culturais e fitossanitários – e com o supervisor de qualidade Leonardo Custódio dos Santos. A conversa entre esses três é um dos fatores que dão liga aos cafés Mantissa. “O que a gente tenta fazer é equilibrar a natureza. Ela tem seu curso próprio e é ela que dita o rumo que vamos dar ao café”, explica José Roberto. Para o plantio, Evandro optou por variedades mais resistentes a doenças e José Roberto dá continuidade ao trabalho. “A gente faz o mínimo possível de intervenção, fazendo o controle integrado, mapeando a lavoura para avaliar a incidência de praga e a necessidade de controle químico. Neste ano, por exemplo, não precisou”, afirma José Roberto,que está investindo cada vez mais na fertilização para diminuir a aplicação de agrotóxico na plantação. “Só tem uma aplicação de herbicida e em proporção menor. Existem os inimigos naturais da broca e temos as barreiras da natureza – mata, reserva – ao redor da fazenda que contribuem para esse trabalho”, diz Zé, como é conhecido entre os colegas. A propriedade não tem sistema de irrigação, mas, segundo o administrador, esse não é o problema. “No ano passado é que foi mais difícil por conta do déficit hídrico. Neste ano estamos mais tranquilos.”

Guiga e Nassime provam e aprovam o café da marca na cafeteria. Leonardo entre as sacas de café prontas para a torra

Guiga e Nassime provam e aprovam o café da marca na cafeteria. Leonardo entre as sacas de café prontas para a torra

Já Leonardo Custódio é, como ele mesmo diz, “o chato da empresa”. É ele quem conecta todo o trabalho realizado no campo à torrefação e às cafeterias e trabalha junto com o consultor em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais, Ensei Neto, para melhorar ainda mais os grãos Mantissa. “A qualidade veio bastante com a chegada do Ensei. Ele nos ajuda a selecionar os cafés pré-classificados, a produzir um café melhor, a definir os perfis de torra e a identificar os microlotes”, diz Léo, mostrando o laboratório onde faz as análises dos grãos e onde chega a provar quinze ou vinte vezes por dia um mesmo café até se sentir satisfeito. Metódico e criterioso, ele prefere degustar os cafés em silêncio para conseguir se concentrar nas amostras. “Nós vendemos nosso café para cafeterias e eu guardo a amostra do que eu mandei para manter um controle do que comercializamos”, conta. Há cinco anos na Mantissa, Léo criou um projeto para trazer os donos de cafeterias até a fazenda a fim de que eles possam entender todo o processo de produção que envolve o café. “Isso é feito com cafeterias de todo o Brasil que usam o nosso café. Dessa maneira, as pessoas conseguem compreender o resultado final na xícara. De nada adianta um trabalho bem realizado na fazenda se for parado na ponta final que é a cafeteria. O café tem que ser bem extraído para você conseguir todo o potencial dele”, comenta Léo, que também prova os grãos da marca em diferentes métodos, como Hario V60 e espresso, para saber como eles estão se comportando em cada equipamento. “A proposta do café Mantissa é ser equilibrado. Ele é doce, com bom corpo, uma bebida limpa. Hoje o blend é composto das variedades catuaí vermelho, catuaí amarelo e bourbon amarelo, mas as proporções podem variar dependendo da safra.” Para breve, ele planeja um novo laboratório, maior, para oferecer cursos de degustação e classificação. Microlotes A safra, a propósito, chega a uma média de 4 mil sacas, na colheita que é feita de maio a setembro, manual e mecanizada. José Roberto explica que, por causa do valor e da escassez de mão de obra, a mecanização vem se tornando cada vez mais real na propriedade, mas que a colheita manual será mantida por haver áreas de difícil acesso ao maquinário e plantas mais jovens. Após colhidos, os grãos seguem para a Estância Fonte Alta, propriedade vizinha de apoio à fazenda, onde estão instalados o laborário de provas, as estruturas de secagem e benefício e a torrefação. Quem conhece Evandro Vilas Boas vai dizer que é por lá que a mágica acontece, literalmente, já que, entre uma olhada no café e outra, ele exibe os seus talentos de mago brincando um pouco com cartas e fazendo a alegria dos colegas de trabalho – e a dos repórteres. A mágica é um hobby de Evandro, mas com café não tem fantasia. “É o café que me diz o que eu vou fazer com ele”, nos conta o técnico agropecuário que também é degustador Q-Grader e participa como juiz de concursos da Brazil Specialty Coffee Association (BSCA). “O que eu tenho percebido é que existe uma procura por cafés um pouco mais exóticos e, por esse motivo e para agregar valor ao produto, estamos com foco nos microlotes em alguns lotes que têm características diferentes. O futuro é aperfeiçoar a qualidade e manter o padrão. Quem não tiver produtividade e qualidade está fora do mercado”, completa. O mais recente microlote da Mantissa se chama Origem e traz a variedade bourbon amarelo, rastreada desde a lavoura. Além da área de beneficiamento, que guarda história com uma máquina de benefício de 1917 e que em breve deve ser restaurada, a secagem também chama atenção não só pelo conhecido terreiro pavimentado, mas também pelo terreiro suspenso de sistema basculante desenvolvido por Evandro, com uma inclinação que facilita a retirada dos grãos. A linha de secagem conta ainda com dois secadores mecânicos que utilizam a palha de sobra do café, que serve de matéria orgânica e fonte de energia calorífica na fornalha, substituindo a lenha em até 50%.

Evandro é um dos responsáveis pelo sucesso da Mantissa. Atento, ele identificou os bons cafés da propriedade e implementou sistemas de secagem e seleção dos grãos para aumentar a qualidade

Evandro é um dos responsáveis pelo sucesso da Mantissa. Atento, ele identificou os bons cafés da propriedade e implementou sistemas de secagem e seleção dos grãos para aumentar a qualidade

Após o benefício (retirada do pergaminho) e o rebenefício (separação por peneira, classificação por densidade e cor), os grãos vão para a sala de classificação física e sensorial ainda com Evandro. O trabalho continua com Léo e Ensei, que, depois de análises e definição de torra, enviam o café para a torrefação, área vizinha ao laboratório. Por lá, quem manda é José Antonio dos Santos, o Seu Zé. Ele toca o trabalho em um torrador Lilla de 45 quilos. Na Mantissa há muitos anos, ele começou na lavoura e foi conquistando reconhecimento até chegar a fazer cursos, aprimorar-se e ser o responsável pela torra. “Eu nunca pensei que iria conseguir fazer isso. É muito detalhe, muita atenção, muito cuidado. Eu torrava na classificação para prova, mas aqui, com esse maquinário e o volume, é muito diferente. Se você erra, você perde dinheiro. Tem que ter muita atenção”, conta ele. O futuro da região Os dois últimos elos dessa cadeia são Nassime Raydan e Regiane Source. Nassime é gerente comercial e Regiane, mais conhecida como Guiga, é responsável pela parte estratégica e pelo marketing, além de cuidar da exportação do café verde e do preparo para certificação. A dupla leva os cafés da marca para o mundo e sabe dos benefícios de uma cadeia de produção forte. “Você tem que atentar para o detalhe. Se uma peça cair, todos caem. É um efeito dominó. Todos os processos devem estar interligados”, diz Nassime. “Pelo trabalho que fazemos, podemos ver que o café está cada vez mais consolidado. Nós gostamos daquilo que fazemos e o grupo confia em nós, então, fica fácil”, completa Guiga.

José Roberto confere os cafés na lavoura

José Roberto confere os cafés na lavoura

A conexão vai além e, para este ano, o Grupo Fonte Alta está fazendo um investimento em um novo armazém. O espaço será totalmente automatizado e deve receber cafés de produtores da região que desejarem fazer o processamento, a secagem, o benefício e o rebenefício no local. A nova estrutura vai contar ainda com centro de degustação e pretende identificar microlotes, servindo de ponte entre cafeicultores e torrefações. “Nós queremos valorizar a região como um todo, porque aí o comprador vai olhar para essa área como boa produtora de cafés especiais”, finaliza Evandro.

Isaias José da Silva acerta os últimos detalhes nos secadores mecânicos e o responsável pela torra, José Antonio dos Santos

Isaias José da Silva acerta os últimos detalhes nos secadores mecânicos e o responsável pela torra, José Antonio dos Santos

Ficha técnica

Fazenda Mantissa Localização Campestre (MG) Região Sul de Minas Altitude média 1.200 metros Produção anual 4 mil sacas (média) Área total 170 hectares Área plantada 116 hectares Número de cafeeiros 580 mil Colheita manual (40%) e mecânica (60%) Período da colheita de maio a setembro Processamento via úmida (cereja descascado sem remoção de mucilagem) Secagem terreiro pavimentado, terreiro suspenso, secadores mecânicos Variedades catuaí vermelho, catucaí amarelo, icatu amarelo, mundo novo, acaiá, tupi, bourbon amarelo Selos Certifica Minas, Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), 4C (Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Hanny Guimarães • FOTO Lucas Albin / Agência Ophelia

Mercado

French press ultramoderna

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O objetivo aqui é diminuir as variáveis que possam alterar o sabor e o aroma que se deseja extrair do café. Após diversas provas e testes pós-torra, o barista deve saber qual é o potencial que alcança aquela bebida. Muitas vezes sem um controle preciso de temperatura da água, pré-infusão, extração, etc., as características sensoriais do café mudam consideravelmente. A Steampunk é um lançamento da Alpha Dominche, empresa de Salt Lake City, em Utah (EUA), que vem com a proposta de oferecer design moderno, limpo e atrativo para o cliente. A temperatura da água e a quantidade são controladas por um aplicativo conectado à máquina, assim como a quantidade de café, o tempo de pré-infusão e também de “agitação” a que o café será submetido por alguns minutos. A pressão é dada por um acessório bem parecido com um filtro de french press. O preparo lembra bastante a Trifecta, da norte-americana Bunn. O resultado é um café limpo. Também é possível mudar o perfil do café com filtros de papel e com mais ou menos perfurações nos filtros opcionais. O equipamento também aceita folhas de chá. A modernidade no design atraía quem andava pelos corredores da feira. www.alphadominche.com

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(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • FOTO Divulgação

Mercado

Pesquisa revela novas tendências de consumo de café até 2019

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Consumo brasileiro deve crescer a média de 2,9% ao ano.

A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) apresentou estudo recente realizado pela Euromonitor International que fez a análise das tendências de consumo para a bebida no período de 2014 até 2019. Os dados são motivadores para o mercado de food service, mas, principalmente, para o de cápsulas. A pesquisa aponta que o Brasil possui grande participação de vendas de café no varejo se comparado a outros países. O nosso alto consumo dentro do lar está vinculado à compra de café no varejo, que corresponde a 3,5%. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa mesma participação corresponde a 0,8%. O volume consumido de café no Brasil concentra-se 68% no varejo e 32% no food service. A projeção da Euromonitor para 2019 é de aumento do food service para 36% e de redução do varejo para 64%, o que mostra que o consumidor buscará mais o consumo do café fora do lar. Segundo Ricardo de Sousa Silveira, presidente da Abic, mesmo com as dificuldades neste ano: “o consumidor não deixa de comprar café, pois existe café de todos os preços”. Dados de 2014 mostram que o grão torrado no varejo tem participação nas vendas de 8%, contra 92% no food service. O café em pó no varejo corresponde a 81% das vendas, contra 19% no consumo fora do lar e as cápsulas têm participação de 94% no varejo e de somente 6% no food service. A pesquisa indica que: A desaceleração econômica impactou o consumo fora do lar, o qual deve se recuperar a partir de 2017 e a expectativa é que o consumo de café fora do lar volte a ganhar mais espaço entre os brasileiros. Apesar da diminuição no número de transações no consumo fora do lar, houve forte crescimento no consumo de café espresso, especialmente entre cafeterias e cafés preparados por baristas.
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Cápsulas serão responsáveis por movimento de R$ 2,2 bilhões

Mercado de cápsulas dobrará de tamanho O relatório trouxe dados positivos para o mercado de cápsulas que hoje corresponde a 0,6% do volume consumido no Brasil no total de 980 mil de toneladas e que, até 2019, chegará a 1,1% do volume, crescendo entre 2015 e 2019, 15,3% ao ano. Espera-se que o mercado de cápsulas movimente 2,2 bilhões de reais e 12 mil toneladas de café até 2019. A pesquisa aponta este crescimento à maior disponibilidade e aos preços acessíveis do produto, que serão grandes impulsionadores. Consumo entre jovens Outro ponto importante abordado pela pesquisa é o aumento do interesse dos jovens de 16 a 25 anos por cafés, principalmente nas grandes metrópoles, por conta dos conceitos das cafeterias e inovações na categoria. Segundo dados de 2014 dessa mesma pesquisa, 49% dos jovens tomam café diariamente. O maior consumo fica para a faixa etária de 60 acima, onde mais de 89% declaram tomar café todos os dias.
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Novas cafeterias devem surgir com conceito moderno, como a King of The Fork (foto), localizada em Pinheiros, São Paulo (SP).

Crescimento de consumo Espera-se, segundo a Euromonitor, que cafeterias especializadas cresçam a taxas de 3,2% em números de lojas ao ano, aproveitando a tendência de “premiunização e gourmetização”. O consumo brasileiro também deve crescer de 2016 a 2017 a taxa de 2,9%. “Esperamos chegar a 21,3 milhões de sacas consumidas no Brasil”, prevê Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Abic. Para ele a indústria de café, que foi foco de outra pesquisa realizada pela Associação, “acredita em aumento de vendas em 2016”.

TEXTO Mariana Proença • FOTO Foto 1 e 3: Felipe Gombossy/Café Editora - Foto 2: Beatriz Cardoso/Café Editora

Café & Preparos

Marina Person e o café

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“Para mim, o café é fundamental. Tomo todos os dias pela manhã.”

A cineasta e apresentadora é fã de carteirinha do café coado, mas não gosta de levá-lo na garrafa térmica. Por esse motivo, foi presenteada pelos sogros – os pais do diretor Gustavo Rosa de Moura – com um Phin Filter, pequeno utensílio muito usado no Vietnã para o preparo do famoso vietnamese coffee. “Nem sempre a logística na minha produtora permite ter café fresquinho. Então, levo meu coador para aqueles momentos em que quero um café fora de hora no trabalho”, revela Marina, enquanto faz um pouco da bebida em uma de suas canecas preferidas, em que se lê “Menina Veneno”, em referência ao programa que ela apresentou na MTV, em 2004.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Leonardo Valle • FOTO Guilherme Gomes