Cafezal

Geisha: o mundo se curvou

e46_fazenda_01

Um café com sabor de limão, aroma de flores e que não tinha valor nenhum hoje é um dos mais cobiçados. Fomos ao Panamá conhecer essa lenda descoberta somente há dez anos

O Geisha nasceu em berço africano, batizado com o nome da região da Etiópia em que foi descoberto: o povoado de Gesha, em 1931. Sem qualquer relação com a personagem japonesa, essa variedade de café, da espécie arábica, não imaginaria que sua história seria traçada com tanto destaque anos depois. Geisha é um dos cafés mais premiados no mundo e coleciona preços altíssimos de venda. Tudo isso só faz uma década. E no Panamá. Mas antes de chegar ao país da América Central, a variedade foi plantada na Costa Rica e não recebeu muita atenção. Somente em 1963, o cafeicultor Don Pachi, um panamenho que trabalhava no instituto de agronomia do país, recebeu a informação de que havia uma variedade pouco produtiva e com sabor estranho que estava na Costa Rica. Dispôs-se a plantar aquele cafeeiro e, não sabendo qual seria a produtividade da planta naquelas terras, também distribuiu algumas sementes a produtores conhecidos da região de Boquete, onde fica sua fazenda. Numa altitude de até 1.500 metros, clima úmido e terra fértil, o geisha foi produzido com muito cuidado. Da dedicação de Pachi nascia uma variedade de grão. Nas mãos de outros produtores, o geisha chegou à família Peterson, na mesma localidade, na fazenda La Esmeralda. Foi só em 2004 que, durante uma feira da Specialty Coffee Association of America (SCAA), o café foi provado em uma mesa com diversos outros. A reação dos provadores foi de desconfiança, depois de muita surpresa e admiração por aquela variedade que em nada se assemelhava a cafés provados anteriormente. Meses depois o café da La Esmeralda, de Price Peterson, era vendido a preços altíssimos, em torno de 21 dólares por somente 450 gramas. Esse café chegou a pontuar 94,6 na escala de 100 da SCAA. Até hoje a La Esmeralda é conhecida pelos cafés que mais recordes de preço alcançaram. Chegou a vender menos de 500 gramas de um microlote especial de geisha por 130 dólares.

e46_fazenda_02_v02

À esquerda, Peterson, da fazenda La Esmeralda recebe a comitiva de visitantes. Á direita e acima, Don Pachi e seu filho Francisco José Serracín, o Frank, mostram a plantação e o beneficiamento de cafés da fazenda Don Pachi

Qualidade e família Ao chegar à região de Boquete, veem-se muitas referências ao geisha. São cafeterias que vendem o produto e destacam a região pelo diferencial desse café. A variedade é uma planta de porte alto, de manejo complicado, e com baixo rendimento. Os grãos são de peneira alta e o sabor, muito diferente. Hoje o geisha é uma preciosidade na região. Durante a visita à fazenda Don Pachi, o solo negro, com muita matéria orgânica, chama atenção. Francisco José Serracín, filho de Don Pachi, é quem nos recebe junto ao pai. A administração da fazenda é feita por ele. Mais conhecido como Frank, ele nos mostra o trabalho de gerações no café, desde as podas até os estudos com um híbrido da variedade geisha, que eles vêm observando e já batizaram com o nome de “sapaton” ou “cucaracha”, pois tem grãos muito grandes. Don Pachi, aos 76 anos, com cinco filhos e nove netos, fala o tempo todo em qualidade e na sequência da família no café: “Nunca falei para os meus filhos continuarem na fazenda, mas meu filho hoje fala para os filhos dele sobre o futuro no café”. Essa virada aconteceu em 2005, quando Frank começou a mudar o negócio e passou a investir em microlotes: “Hoje, 85% dos nossos cafés são finos, vendemos para 27 países e para as grandes torrefações do mundo, como Intelligentsia, Seven Seeds, Klatch Coffee, e países como Japão, Taiwan, Dinamarca, Noruega…”. O processo lavado deu espaço para outros processamentos, como o natural e o cereja descascado com porcentagens diversas de mucilagem. A família investiu em despolpador e desmucilador e em camas africanas (terreiros suspensos) para secar o café a 1.650 metros de altitude. São 2 mil sacas por safra, que passam pelos cuidadosos processos do produtor, em nove variedades plantadas com sombreamento e em uma região muito íngreme. Don Pachi ainda sobe tranquilamente as montanhas em meio aos cafezais: “Mantemos uma fauna e flora equilibradas. Esperamos até cinco anos para começar a colher um café plantado; se isso é não ter fé, não ter esperança, não sei o que é. O produtor de café faz isso de maneira particular. Produzimos um grão que, acima de tudo, é saudável”.
e46_fazenda_04

O Geisha é um dos cafés mais premiados no mundo e coleciona altíssimos preços de venda

Degustação Provar esses cafés foi um evento na redação da Espresso. Toda a equipe estava ansiosa por experimentar o famoso grão. Voltei com dois geishas na mala: Don Pachi Estate e Café Kotowa, ambos do Panamá. Convidamos a jornalista e colunista Cristiana Couto para participar também. No final, estávamos inebriados com os aromas e sabores diferentes que surgiram dessa inédita experiência. Preparamos nos métodos Chemex, aeropress e Hario V60. Um mergulho em novas sensações. Don Pachi Estate Geisha Natural: aroma de capim-santo, frutas amarelas, como carambola, e muito doce. Sabor delicado de cana-de-açúcar, mel e pitanga. Acidez média e aftertaste limpo, doce e agradável. A fazenda é a primeira produtora de geisha no país. Kotowa Coffee – Geisha Gourmet: aroma doce, erva-cidreira, alecrim e mel. Sabor de limão, acidez média-alta, finalização doce e leve. A marca tem cafeteria em Boquete, região cafeicultora. Palavra do especialista Kim Ossenblok, barista na Espanha: “Bom barista, bom geisha! Ganhamos um pacote de café no final da visita. Sorte a minha que tinha trazido aeropress e moinho manual e pude provar quando chegamos ao hotel. Uma experiência incrível. Don Pachi descreveu os sabores de abacaxi, pêssegos, uvas-passas, frutas cítricas e toques de jasmim. Adorei!”. O barista viajou a convite da Dalla Corte.

Ficha técnica

Região: Boquete, Chiriquí, a oeste do Panamá População: 22.435 habitantes Altitude das fazendas: de 1.200 a 1.600 metros Origem: povos indígenas de Ngöbe e Buglé. Os dois grupos foram a maior população indígena do Panamá e vivem em uma reserva conhecida como Comarca, em Chiriquí, região montanhosa de Talamanca. Ponto mais alto: Vulcão Barú (altitude 3.474 metros) Capital: Cidade do Panamá Produção anual de café (país): 100 mil sacas Mais informações: www.scap-panama.com (Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • FOTO Preparo: Roberto Seba/Café Editora -- Demais: Lucía Hernández e Mike Russell

Deixe seu comentário