Cafezal

“A comida está se tornando mais uma questão cultural do que meramente de subsistência”

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Alain Coumont, fundador da rede de padarias belga Le Pain Quotidien, esteve no Brasil e visitou a Fazenda Santa Margarida, da Martins Café, em São Manuel (SP), fornecedora dos grãos comercializados em suas lojas. Acompanhamos a passagem do padeiro-empresário pelo campo e conversamos sobre a filosofia da marca de trabalhar com produtos orgânicos e locais sempre que possível e os desafios de manter qualidade e sustentabilidade em suas mais de 200 lojas, distribuídas em dezenove países mundo afora.

No Brasil desde 2012, a Le Pain Quotidien tem hoje quatro lojas no País e planeja expansão, com a abertura de mais dois estabelecimentos até o início de 2016. Segundo Alain, oferecer os melhores ingredientes se estende não só à comida servida em seus restaurantes, mas também ao café. Para ele, a razão é simples. “Eu sirvo no meu restaurante a comida que eu como ou que eu quero comer. Nós temos muito cuidado em fornecer um produto de qualidade para o ritual diário das pessoas.”

Você começou a sua carreira como chef e, como não conseguia encontrar um bom fornecedor de pão para o seu restaurante, resolveu abrir a própria padaria. Para você, como deve ser um bom pão?
Para mim, um bom pão é feito com os mais simples ingredientes: farinha orgânica, sal, água e bastante tempo. É sincero e saudável, com uma fatia firme e uma boa casca.

Quando vocês iniciaram a expansão da Le Pain e onde foi aberta a primeira loja fora da Bélgica?
Eu abri a primeira Le Pain Quotidien em outubro de 1990, na rua Antonie Dansaert, em Bruxelas, na Bélgica. De lá, nós partimos para abrir o nosso primeiro restaurante, em Nova York, em 1997.

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Como você se sente fazendo parte da cultura do pão, contribuindo para a qualidade desse alimento tão essencial no dia a dia e inspirando as pessoas por meio da comida?
Eu me orgulho em saber que a simplicidade do nosso pão faz com que as pessoas se lembrem de desacelerar, permite que elas façam melhores escolhas e que se sintam bem com aquilo que estão comendo. Sentar à mesa para compartilhar o pão com quem você gosta é uma grande honra à tradição. Então, um pão como o nosso é mais do que um produto para nós, é um estilo de vida.

Hoje, a Le Pain Quotidien possui várias padarias em algumas das principais cidades do mundo. Como foi a transição de uma pequena padaria na Bélgica para a expansão, com tantas lojas e a grande proporção que o negócio tomou hoje?
Nós sempre buscamos ser bons, não grandes, então, sempre tomamos cuidado para crescer orgânica e responsavelmente. Cada um de nossos restaurantes é construído com cuidado e atenção para os detalhes. Não sentimos uma transição drástica em nenhum momento ao longo de nossa jornada. Na medida em que expandimos, é muito importante para nós manter em mente as nossas raízes. Tem sido, certamente, uma jornada e tanto, com novos desafios todos os anos. De certa forma, eu sinto que nós sempre nos mantivemos verdadeiros, fiéis às nossas raízes. Há muitas similaridades, apenas em uma escala maior.

O que mudou e como vocês mantiveram a qualidade dos pães mesmo em diferentes lugares do mundo?
Nosso comprometimento com a autenticidade e a qualidade dos ingredientes é o que tem sustentado o nosso sucesso através dos anos. Nós treinamos o time local de nossas padarias e nos mantemos próximos dele pelo mundo para assegurar o respeito ao mesmo processo artesanal que empregamos desde o começo.

Você veio ao Brasil e visitou a Fazenda Santa Margarida, da marca Martins Café, para conhecer melhor o seu fornecedor. Como o café está relacionado a sua vida e como foi essa visita? Foi a sua primeira vez em uma fazenda de café?
Foi minha terceira vez visitando uma fazenda de café. Eu também estive em nossas fazendas fornecedoras no México e no Vale de Villa Rica, no Peru, que abastece a maior parte dos restaurantes da Le Pain Quotidien.

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O que mais despertou a sua atenção durante a visita à Santa Margarida?
O conhecimento da família Martins sobre tudo o que diz respeito ao campo, com um cuidado especial com o meio ambiente e a biodiversidade. E ainda o fato de que eles habilmente torram o café na fazenda para vender diretamente para consumidor, restaurante ou cafeteria. Mais local e genuíno é impossível!

O que fez você escolher a Martins Café como fornecedora?
A Martins tem uma longa história na produção de cafés e os valores deles estão alinhados com os nossos. Com um ótimo produto disponível localmente, só fazia sentido compartilhar isso com os nossos clientes brasileiros. O perfil desse café, em particular, é ideal para os nossos visitantes em São Paulo.

O que você acha dos cafés brasileiros?
Para mim, em geral, eles possuem acidez bem baixa e são achocolatados… Eu gosto.

De onde vem o café comercializado em outras lojas Le Pain Quotidien pelo mundo?
A maior parte dos cafés fornecidos às nossas lojas vem da fazenda no Peru. No entanto, sempre que possível, nós gostamos de apoiar produtores locais em mercados onde o café da região está disponível.

Qual a importância de investir em um café de qualidade em uma padaria ou restaurante?
Nossa filosofia de servir a melhor qualidade de ingredientes se estende não só à nossa comida, mas também ao nosso café. Temos muito cuidado em fornecer um produto de qualidade para o ritual diário das pessoas.

Como você gosta de tomar o seu café? Qual é o seu ritual da manhã?
Pela manhã, é um shot duplo no latte com leite de soja orgânico e um traço de cúrcuma. E, claro, uma boa fatia de sourdough (pão de fermentação natural), com manteiga fresca e geleia orgânica.

Para você, qual é o maior desafio em produzir uma comida saborosa de maneira sustentável nos dias de hoje, de forma respeitosa com a sua filosofia, os produtores, a terra e os seus consumidores?
O negócio de restaurante não é uma ciência inacessível. Pessoalmente, eu sirvo no meu restaurante a comida que eu como ou que eu quero comer. É por isso que nós compramos e fornecemos principalmente ingredientes orgânicos e proibimos todo tipo de químicos em nossa rede de alimentos, desde conservantes até sabores artificiais e corantes. Nós vivemos em um mundo acelerado, mas, felizmente, com o aumento do padrão de vida no mundo todo, a comida está se tornando mais uma questão cultural do que meramente de subsistência. As pessoas saem mais e é aí que nós entramos. Nós cozinhamos, você relaxa e nós lavamos os pratos.

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(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Hanny Guimarães • FOTO Guilherme Gomes

Mercado

De olhos nos especiais, Coca-Cola lança Café Leão em grãos e dois tipos de torra

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A Coca-Cola Brasil lança no mercado brasileiro, em 6 de agosto, o Café Leão, produto com grãos 100% arábica, cultivados, torrados e embalados no País, com o objetivo de ampliar o acesso do consumidor à categoria de cafés especiais. O Café Leão marca a entrada da Coca-Cola Brasil no segmento de cafés, por meio da Leão, uma marca de origem brasileira com 115 anos de no segmento de chás e bem aceita pelo consumidor nacional, segundo a empresa. O slogan será “Exportado do Brasil para os Brasileiros” com o objetivo de fazer uma menção aos melhores cafés que ficarão no Brasil e não serão mais só exportados.

Com blend de grãos do Cerrado Mineiro e das Montanhas do Espírito Santo, a produção do Café Leão envolverá uma rede de pequenos e médios cafeicultores das duas regiões. O produto estará disponível em duas torras e, de acordo com a marca, a versão escura apresenta bebida encorpada e equilibrada com aroma e sabor intensos; e a torra média tem aroma e sabor balanceados com dulçor marcante. O Café Leão será o primeiro da companhia no mundo para o consumo em casa, que busca valorizar o ritual do preparo do café. Os cafés serão torrados pela Real Café, um braço do grupo capixaba Tristão.

“O café brasileiro é reconhecido como um dos melhores do mundo. No entanto, combinações de grãos tipo arábica, nossa melhor e mais valorizada espécie de café, dificilmente chegam às casas dos brasileiros porque são em grande parte direcionados ao mercado externo. Leão quer levar para o brasileiro o melhor do café que é produzido aqui”, diz o vice-presidente de Novos Negócios da Coca-Cola Brasil, Sandor Hagen.

Inicialmente, o Café Leão será encontrado no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, com a previsão de chegar aos principais pontos de venda de todo o País a partir de janeiro de 2017. Em setembro, os consumidores brasileiros também poderão adquirir o Café Leão em canais de e-commerce.

“Ao entrarmos nesse mercado, estimulamos o debate sobre o café tipo exportação. A Leão quer expandir a disponibilidade de café de alta qualidade no mercado, aumentando o acesso do consumidor brasileiro a esse tipo de produto, para que esse segmento possa se desenvolver e ajudar no crescimento da categoria no Brasil”, afirma Sandor Hagen.

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O produto está disponível em quatro embalagens: 500g em grãos de torra média, 500g em grãos de torra escura (preço sugerido de R$ 25 cada), 250g moído de torra média e 250g moído de torra escura (preço sugerido de R$ 9,50 cada).

De acordo com Renato Fukuhara, diretor de Marketing de Novas Categorias da Coca-Cola Brasil: “O Grupo Tristão através da Real Café, uma empresa brasileira tradicional no ramo de café com 85 anos de experiência, é nosso parceiro e quem realiza a compra do café diretamente desses produtores, além de ser responsável pela torrefação e envase do Café Leão. Contudo, o blend foi 100% desenvolvido pelo time da Coca-Cola Brasil.”

A divulgação do novo Café Leão está baseada em promover a experimentação do produto. Por isso, em agosto, serão realizadas ações itinerantes em pontos de venda e nas Olimpíadas do Rio serão instaladas máquinas no Parque Olímpico e outras áreas que irão moer café na hora para os frequentadores. A campanha de comunicação – que inclui design das embalagens, experiências de degustação, plataforma on-line, mídia digital e materiais de pontos de venda – foi desenvolvida pela agência Pharus.

“Vamos investir em uma plataforma online para mostrar ao brasileiro como consumir o café especial e a valorizar a experiência do preparo do café, de moer os grãos etc. Além disso, estão previstas ações de distribuição de amostras dos produtos para que os consumidores tenham a possibilidade de experimentar um café de alta qualidade”, antecipa o diretor Renato Fukuhara.

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Com o novo lançamento, a Coca-Cola Brasil soma o café à sua linha de cerca de 140 produtos. A companhia já atua nos segmentos de águas, chás, refrigerantes, néctares, sucos, energéticos e bebidas esportivas, entre sabores regulares e versões de baixa ou zero caloria.

Dentro do processo de diversificação, o Sistema Coca-Cola Brasil está concluindo a compra da Laticínios Verde Campo, de Lavras (MG) – e com isso fará sua estreia no segmento de lácteos no país.

TEXTO Da Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Leiteira tatuada

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Baristas cansados de suas leiteiras sem graça e sem muita identidade agora podem comemorar. A marca Milk Ink, baseada na Bélgica, criou pitchers tatuadas, que podem também levar desenhos customizados, especiais para os profissionais do café. De acordo com a empresa, a tatuagem é aplicada
na leiteira, feita de aço inoxidável, de maneira permanente e segura para a manipulação de alimentos.

Mais informações www.milkink.net

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO da Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Eventos e cursos de café movimentam São Paulo, Juiz de Fora, Lorena e até Barra Bonita neste sábado

café da manhã O café de qualidade está se espalhando pelo interior do Brasil com mais rapidez. Aquela ideia de que só era possível tomar café bem extraído nas grandes cidades, nas cafeterias especializadas dos centros urbanos, já vem mudando de figura. É também nas cidades do interior que profissionais e apaixonados por café vêm movimentando a cena do interior.

Prepare-se e agende-se para participar dos eventos ou cursos:

Juiz de Fora (MG) Workshop de Métodos de Preparo com Marcelo Giotti A preparação do café em métodos diversificados e as características específicas que apresentam. Aprenda e deguste um café especial nos seguintes métodos: V60 (Hario), Clever, Kalita Wave, AeroPress, French Press, Minipresso, Sifão (Globinho), Moka (Italiana), Ibrik e Mini Coador de Pano. Conteúdo do workshop traz a importância de moer o café na hora, a moagem ideal para cada método e a diferença entre os moedores de cerâmica x lâmina; a qualidade da água e os diferentes resultados e tendências de consumo. Data: 16 de julho (sábado), das 14h às 17h Investimento: R$ 100,00 Local: Maricota – Mister Shopping 2º piso, loja 252 – Juiz de Fora (MG) Inscrições: (32) 3031-6777, na Maricota ou com Marcelo no (32) 98887-5948 ou marcelogiotti@gmail.com café da manhã Barra Bonita (SP) Café dos Brothers Animal 2 Segunda edição do evento com café colonial onde servem bolos, pães, quitutes, sucos, chás e cinco tipos de cafés especiais. O evento é uma iniciativa de Roberto Pimentel com amigos que tem como objetivo arrecadar fundos que serão 100% destinados a Associação Amigos dos Animais de Barra Bonita. Data: 16 de julho (sábado), a partir das 15h Investimento: R$ 10,00 Local: Salão de Festas da Igreja Santo Antônio – Barra Bonita (SP) Inscrições: (14) 99795-1197, com Beto Mais informações Lorena (SP) Curso de Café Caseiro do Malerba Café A cafeteria completa dez anos no Vale do Paraíba. O curso prático aborda as espécies e variedades de café, dicas pra comprar e armazenar os grãos e a importância da água neste processo. Conhecimento sobre moinhos de uso doméstico e a moagem ideal para cada método. E aprendizado sobre café nos métodos de preparo: Hario V60, Clever, Chemex, French Press, Aeropress, Cafeór e Kalita. Data: 16 de julho (sábado), das 8h às 12h e das 14h às 18h Investimento: R$ 250,00 (3x no cartão de crédito) Inscrições: (12) 3153-2002 Local: Salão de eventos do Malerba Café – Lorena (SP) Mais informações chemex São Paulo (SP) Curso de Métodos da True Coffee Brasil Curso de métodos para preparo caseiro de café, com o Barista Ton Rodrigues da True Coffee Brasil. Destinado a qualquer pessoa que tenha interesse em aprender como preparar café em casa. Conteúdo: História do Café, Regiões Produtoras, Moagens e Moedores, Água, Qualidade do Café, Análise Sensorial e Leite Cremoso. Métodos: Hario V60, French Press, Aeropress, Chemex, Clever, Ibrik, Siphon, Moka (Cafeteira Italiana) Data: 16 de julho (sábado), das 9h às 14h Investimento: R$ 160,00 Local: Brooklin – São Paulo (SP) Inscrições São Paulo (SP) 5 anos de Sofá Café e Café Surpresa A cafeteria Sofá Café celebra cinco anos de vida e realiza ação para o público conhecer e degustar as variadas opções do cardápio. Quem optar pelo ‘café surpresa’, por apenas R$5,00 – pode receber desde uma bebida gelada, até uma mistura alcoólica criada pela casa. A promoção é válida até sábado, apenas na unidade de Pinheiros. Data: Até 16 de julho (sábado), de segunda a sexta, das 9h às 18h30 e sábado das 10h às 18h Investimento: R$ 5,00 Local: Rua Bianchi Bertoldi, 130 – Pinheiros – São Paulo (SP) Mais informações São Paulo (SP) Drinques de Café com Cachaça no Urbe Café Bar Kombi da Cachaça Leblon fará uma pausa da Road Trip até o Rio de Janeiro e estacionará em frente à cafeteria Urbe Café para servir drinques preparados pelo mixologista e embaixador da marca Marco De la Roche. Data: 16 de julho (sábado), das 17h às 21h Local: Urbe Café Bar – Rua Antonio Carlos, 404 – São Paulo (SP) São Paulo (SP) Workshop de Latte Art no Octavio Café Aprende a arte de fazer desenhos com leite vaporizado em bebidas à base de café espresso. Para participar é necessário ter conhecimento em extração de espresso e vaporização de leite. Data: 16 de julho (sábado), das 15h às 18h Investimento: R$ 300,00 (5x no cartão de crédito) Local: Octavio Café – Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.996 – São Paulo (SP) Inscrições: cursos@octaviocafe.com ou (11) 3074-0110 octavio

TEXTO Mariana Proença • FOTO Daniel Ozana/Café Editora e Divulgação [fotos meramente ilustrativas]

Café & Preparos

Tudo em um

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Um só aparelho para vários métodos de preparo. É o que promete a Trinity One, equipamento desenvolvido na Austrália para a elaboração de cafés filtrados, seja por pressão, como na aeropress, seja coado no filtro de papel, seja um cold brew. Com design minimalista, a ferramenta, feita em aço inoxidável e madeira, propõe uma redução no número de dispositivos de café na bancada e uma nova experiência com o grão.

Mais informações www.trinitycoffee.co

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO da Redação • FOTO Divulgação

Como deve ser difícil ser muito chato

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Sei lá. Acho que todo mundo é chato de vez em quando. (Eu, inclusive, óbvio). E, quando eu digo de vez em quando, não me refiro a uma vez a cada quatro anos, tipo Copa do Mundo. Digo no decorrer do dia mesmo. Às vezes escapa. Ninguém consegue ser legal em 100% do tempo. Nem mesmo o mocinho de Hollywood – pode reparar, ele sempre dá uma mancada uns vinte minutos antes de acabar o filme, só para se reabilitar logo depois.

Acho difícil aceitar que não somos legais o tempo todo, mas, levando-se em conta que somos humanos, até que dá para compreender. O que me espanta é: já reparou que tem gente que quer ser chata o tempo inteiro? Como se fosse um hobby, um esporte, uma missão? Ou mesmo uma profissão regiamente remunerada?

Pode reparar. Uma coisa é você não sorrir ao cumprimentar o vizinho (parto do ponto que todo mundo se cumprimenta). Mas outra, diferente, é você sair da sua vida, cruzar uma linha imaginária, só para encher o saco de outra pessoa. É frequente, não é?

Aí vão cinco exemplos aleatórios da vida real:

1 – Uma vez vi um colega recriminar outro: “Seu problema é que você ri demais!”. Oi? O problema dele é ser feliz? O sorriso incomoda? Sorrir é agredir?

2 – Na fila do banco: gente que puxa assunto para reclamar dizendo que os idosos têm prioridade. Poderia estar feliz por viver em uma sociedade em que se dá algum valor (para mim, não o suficiente) aos mais velhos, mas não. A pessoa só quer sair de onde está para espalhar o mau humor, difundir a rabugice. Uma espécie de missionário da chatice.

3 – Na internet: críticas a voluntários que defendem direitos de mulheres, índios, animais, etc. Ou seja, em vez de ajudar quem quer que seja, o sujeito critica quem está ajudando. É muito esforço para ser insuportavelmente chato!

4 – Religião/orientação sexual: quantas pessoas usam as redes sociais ou conversas coloquiais para criticar a fé ou a orientação sexual de outrem? “Você é X? Mas como, se Y é o correto?”. Ou, o que é a mesma coisa, para criticar a falta de religião de alguém: “Você é ateu? Não tem medo de arder no inferno? Vou te converter, nem que seja a última coisa que eu faça!”. Uma vez mais, é alguém rompendo a linha do respeito, de deixar a pessoa com a sua fé ou orientação sexual.

5 – Política: “Você é petista/tucano (ou petralha/coxinha)? Pois saiba que…” E aí começa uma série de platitudes, como se não vivêssemos em uma democracia. O “politizado” vai tentar converter o outro – normalmente, atacando-o, como se agressividade fosse sinônimo de argumentação civilizada.

Até poderia caber aqui gente que utiliza assentos reservados para grávidas ou idosos, o que vejo diariamente. Mas não acho que isso seja chatice, mas falta de educação, de civilidade e de altruísmo.

Eu sei, eu sei. Não há nada que possamos fazer contra eles. Mas me espanta o esforço que os chatos fazem para invadir a vida alheia. É que é muita dedicação, gente, muito esforço para sair julgando todo mundo. Estou arrependido de ter abordado esse tema. Acho que acordei meio chatinho hoje.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Pedro Cirne • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Receitas

Café Porto Lisboa

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Ingredientes
Redução de Vinho do Porto
100 ml de vinho do Porto
500 g de açúcar
500 ml de água

Drinque
40 ml de café Ristretto, da Nespresso
(ou um espresso de sabor intenso)
10 ml de leite
10 ml de crema de leite (leite vaporizado)
5 ml de redução de vinho do Porto
10 ml de crema de Porto

Para decorar
Folhas de hortelã

Preparo
Redução de vinho do Porto

Para fazer a redução, coloque o vinho do Porto, a água e o açúcar em uma panela. Cozinhe em fogo baixo até chegar a uma consistência de calda. 

Crema de Porto
Vaporize 10 ml do leite com um pouco da redução de vinho do Porto.

Drinque
Extraia o café. Aqueça a taça de Porto em vapor. Coloque os 5 ml da redução do Porto e acrescente o café preparado. Regue com os 10 ml da crema de leite e depois com a crema de Porto. Para finalizar, decore com folhas de hortelã.

Rende 1 porção

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

FOTO Daniel Ozana / Studio Oz • RECEITA Bruno Bernardo e Mateus Rosa, do Bar The Wall do Hotel Unique

Café & Preparos

Luis Fernando Veríssimo

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“Comecei a tomar café com leite na infância. Mas uma relação mais adulta com o café é relativamente recente.”

“Às vezes passa dias sem um café, mas, quando toma, prefere o espresso italiano. “Normalmente para completar a refeição num restaurante”, diz o escritor e cartunista. Agora está atrás de uma boa máquina de espresso para a casa onde mora desde 1942. “Aqui foi onde me criei e criei meus filhos, e onde hoje reina minha neta. É também meu local de trabalho, na parte de baixo da casa. A minha toca.” Quando não está escrevendo ou desenhando, Veríssimo aprecia a boa música e ensaia sax, que toca em um conjunto de jazz, em Porto Alegre (RS). (Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Patrícia Malta de Alencar • FOTO Tamires Kopp

Cafezal

A caminho da maturidade

A Fazenda Santa Izabel, em Ouro Fino (MG), segue em nova fase, em que investimentos em pesquisa e tecnologia se somam ao olhar experiente de profissionais e ao desenvolvimento da cafeicultura.

Região montanhosa do Sul de Minas.

Região montanhosa do Sul de Minas.

“A fazenda é centenária. Já se criou gado, cavalo, mas a vocação mesmo sempre foi o plantio de café.” É com orgulho que o administrador e técnico agropecuário José Benedito Angelo apresenta a Fazenda Santa Izabel à nossa equipe. Localizada em Ouro Fino (MG), no Sul de Minas Gerais, a propriedade de 312 hectares passou por três fases distintas, segundo José Angelo, que há 25 anos trabalha nessa terra.

Primeiro, a produção do café aconteceu paralela à criação de gado de leite e corte. Em seguida, o empresário Marco Suplicy, dono da rede de cafeterias Suplicy Cafés Especiais, de São Paulo (SP), assumiu a propriedade e começou a estruturar o cafezal em busca de qualidade, quando produtores da região desacreditavam da estratégia. “As pessoas diziam que estávamos loucos, que iríamos perder dinheiro, mas nós sempre acreditamos que estávamos revolucionando a agricultura da região”, conta José Angelo, lembrando-se dos tempos em que ele e Marco adaptavam as ideias de melhoria na fazenda.

A tradicional produção de café na região vê avanços que chegam com conhecimento e desenvolvimento de tecnologia de produtores como o americano Byron Holcomb.

A tradicional produção de café na região vê avanços que chegam com conhecimento e desenvolvimento de tecnologia de produtores como o americano Byron Holcomb.

 A roçagem na área de produção orgânica da Fazenda Santa Izabel acontece ao menos uma vez por mês. O manejo é indispensável para a manutenção saudável da cultura

A roçagem na área de produção orgânica da Fazenda Santa Izabel acontece ao menos uma vez por mês. O manejo é indispensável para a manutenção saudável da cultura.

Cultura de base
Em 2012, a Fal Coffee, empresa baseada nos Estados Unidos, parte do gigantesco grupo saudita de investimentos Fal Holdings, adquiriu a propriedade de Marco, como estratégia de melhoria nos processos de qualidade, com controle do campo à xícara. Por meio da Nobletree, torrefação baseada no bairro de Red Hook, no Brooklyn, controlada pela Fal Coffee, os cafés produzidos nas fazendas brasileiras adquiridas – a companhia comprou também, em 2014, a Fazenda Monte Verde, de Carmo de Minas (MG) – e os grãos negociados em outras regiões produtoras mundo afora ganharam o mercado americano.

Toda a operação necessitava de um braço-direito para ajeitar a casa, estabelecer processos para melhorar pontos fundamentais na produção e implementar novos projetos que pudessem elevar a qualidade dos grãos cultivados. Foi aí que o então diretor executivo da Fal Coffee e cofundador da Nobletree, John Moore, convidou o diretor de agronegócios Byron Holcomb para tocar as propriedades no Brasil.

Biólogo, Byron tem extensa experiência com o café. A paixão pelo grão começou durante o trabalho voluntário no Corpo de Paz, em 2003, em uma comunidade produtora no distrito de Los Frios, na República Dominicana. Quando Byron deixou o Corpo de Paz, em 2005, ele se deu conta de que o café já havia transformado sua vida e, em 2007, conseguiu comprar um pedaço de terra (15 acres) na região, onde poderia praticar a atividade e ajudar a desenvolver a cafeicultura local. Ainda assim, ele sentia que faltava mais conhecimento na área e foi atrás de informação, trabalhando em grandes empresas do setor no mercado norte-americano. Ele passou pela Batdorf & Bronson Coffee Roasters, pela Counter Culture Coffee, pela Dallis Brothers Coffee, até chegar à Fal. Em maio de 2013, mudou-se para o Brasil com a esposa, Laura Holcomb, com a mesma vontade de fazer a diferença por meio do café de quando começou.

o novo prédio administrativo da fazenda, com sala de degustação, classificação e laboratório de testes de torra

O novo prédio administrativo da fazenda, com sala de degustação, classificação e laboratório de testes de torra.

Nova fase
Com boas ideias, conhecimento e recurso alto para investimentos, a Fazenda Santa Izabel ganhou um novo capítulo em sua história. As mudanças começaram pela raiz, ou melhor, pela lavoura. Byron e José Angelo introduziram jardins de variedades para desenvolver testes de genética nos cafeeiros. “A qualidade na xícara é resultado de três pilares: genética, terroir e processamento”, explica Byron. Ao todo, a dupla instalou três jardins (um orgânico e dois convencionais) com sessenta plantas e dezesseis variedades, e estuda o resultado na bebida final.

A expansão do cafezal, hoje com 550 mil plantas, seguiu por áreas de pasto e abrigou duas áreas de plantação orgânica, exigência do grupo Fal. São 15 hectares plantados com as variedades icatu e catiguá MG2, mas planeja-se a entrada da catucaí 2SL que, segundo José Angelo, tem se mostrado uma opção interessante. “O orgânico é um jeito de pensar diferente”, comenta Byron, enquanto observa os trabalhadores durante a roçagem, fazendo o controle de braquiária na área. O manejo acontece pelo menos uma vez por mês, tamanha a intensidade de crescimento da erva. “É um outro ethos, um olhar mais holístico, temos que ter outra cabeça para cuidar do orgânico”, acrescenta.

Com 25 anos dedicados à cafeicultura e com conhecimento de sobra para compartilhar, o administrador José Angelo (acima) diz que todo dia aprende algo novo e que isso muda a maneira como ele vê o café. Abaixo, abóbora colhida por ele na horta orgânica

Com 25 anos dedicados à cafeicultura e com conhecimento de sobra para compartilhar, o administrador José Angelo diz que todo dia aprende algo novo e que isso muda a maneira como ele vê o café. Também abóbora colhida por ele na horta orgânica.

Em uma fazenda de montanha, cenário comum das produções do Sul de Minas, é quase impossível a mecanização total dos processos. Entretanto, os chamados terraços instalados na lavoura, nove no total, estão mudando a cara da paisagem, ao menos na Santa Izabel. Byron explica que os terraços são patamares feitos na montanha onde o café está plantado para que um trator passe com mais facilidade, fazendo os manejos culturais. “Se você tiver seis tratos e conseguir mecanizar cinco já é um grande avanço. Você ganha melhor rendimento na safra, barateia custos e aumenta a segurança do trabalhador”, pontua. Os funcionários da fazenda, a propósito, na filosofia de Byron, são protagonistas. Para ele, a construção de uma estrutura horizontal, onde há espaço para diálogo entre os profissionais de todas as pontas, abre possibilidades para a produção de um café melhor. O prédio administrativo da fazenda, recém-inaugurado, por exemplo, dispõe de modernos equipamentos para o preparo do café. A ideia é mostrar para os funcionários – 42 fixos e sessenta na colheita – como o café que eles trabalham no campo se reflete na xícara e ouvir sua opinião. “Eu acredito que quem trabalha na fazenda tem que tomar café bom da fazenda. Dessa forma, o funcionário entende o que está fazendo, de ponta a ponta”, diz.

No novo escritório, com grandes janelas de vidro que descortinam a paisagem da propriedade, há, ainda, uma mesa de classificação, sala de degustação para negociadores e um espaço para reuniões, onde também acontecem cursos para compradores. O objetivo é mostrar quanto a fazenda influencia o café. A estrutura contempla, ainda, vestiários feminino e masculino para quem volta do trabalho na roça.

Os investimentos são vistos de fora a fora. Na área de processamento, o maquinário brasileiro mescla-se ao equipamento colombiano, unidades descascadoras que não utilizam água. A escolha se deu não só por eficiência, mas também pela questão ecológica, com o uso racional dos recursos naturais. “Nós estamos fazendo o básico. Onde tem mato, nós estamos deixando subir, fazendo corredores biológicos. A máquina descascadora e a desmuciladora reduzem o uso da água. Temos lagoas para resíduos da água do processo. Não há retirada de mato nativo e queremos começar a construir cerca viva, mas ainda há muito mais coisas que gostaríamos de fazer. Podemos contribuir mais para o meio ambiente”, pondera Byron, buscando equilibrar biologia de ecossistema e negócios.

Pedro Zibordi Neto, responsável pela compra e degustação no armazém da Fal Café; e o maquinário colombiano para processamento do grão na Fazenda Santa Izabel

Pedro Zibordi Neto, responsável pela compra e degustação no armazém da Fal Café; e o maquinário colombiano para processamento do grão na Fazenda Santa Izabel.

Rumo ao futuro
Do processo, os grãos (60% cereja descascado, 30% natural e 10% verde) seguem para os terreiros de secagem, outro ponto de virada em direção à qualidade. Um grande investimento foi feito na estufa de 3.700 metros quadrados. A estrutura tem elevação de 3%, portas e cortinas para a circulação de ar e capacidade, junto com uma segunda estufa menor (1.200 m²), para atender à demanda da safra (2 mil sacas por ano, com estimativa de crescimento para 4 mil, em produção total) e, em breve, receber cafés de produtores da região, fortalecendo a melhoria de processos localmente. Em geral, os grãos secam em estufa por três dias e depois são finalizados em secadores mecânicos.

A classificadora Silmara Patrícia de Souza, fazendo o controle de qualidade na xícara.

A classificadora Silmara Patrícia de Souza, fazendo o controle de qualidade na xícara.

Metade da produção vai para o mercado internacional, 95% desse destino segue para a torrefação do grupo nos Estados Unidos, a Nobletree, e o restante vai para torrefações na Califórnia, na Nova Zelândia e na Inglaterra. A distribuição pa ssa pelo armazém da Fal Café – empresa integrante da Fal Coffee –, localizado em Ouro Fino, adquirido no final do ano passado pelo grupo. O espaço recebe cafés não só das fazendas Santa Izabel e Monte Verde, mas de dez municípios da microrregião do Sul de Minas, grande parte composta de produtores da agricultura familiar, segundo Pedro Zibordi Neto, responsável pela compra e degustação, com mais de 31 anos de experiência no setor. “Agora entraremos em fase de expansão, desenvolvendo faturamento e estrutura. É um desafio, mas o desejo é o mesmo, valorizar a agricultura familiar local. Despertar nesse produtor a valorização do produto e melhorar a qualidade do café da região”, diz Pedro.

A preocupação com o desenvolvimento de bases tem olhar no futuro. Byron compara o avanço da cafeicultura com o do ciclismo, outra paixão que nutre com igual intensidade. Para ele, o mercado da bicicletas conseguiu se estabelecer de maneira madura, de forma que os ajustes vistos hoje são pequenos, mas fazem a diferença. É o que ele vem buscando no trabalho nas fazendas do Brasil – o reconhecimento levou a Santa Izabel à 11ª colocação no Cup of Excellence – Pulped Naturals 2015, concurso que premia os melhores cafés arábica despolpados ou cerejas descascados –, e o que ele acredita que pode ser o próximo passo da cafeicultura. “O avanço virá quando o café se tornar uma arte mais madura. É preciso entender o grão. O cafeicultor deve, primeiro, buscar uma xícara mais limpa, mais higiênica. Quando ele alcançar isso, aí, sim, ele pensa em agregar complexidades por meio de tecnologias e técnicas diferentes, como fermentação. Isso é maturidade, é o futuro”, afirma o produtor, já com o pensamento na cafeteria que a Nobletree inaugura no World Trade Center nos próximos meses e que vai selar o trabalho do grupo, fundamentado de ponta a ponta na cadeia cafeeira.

Reinaldo Honorato Neves mostra os cafés prontos para exportação no armazém, que é equipado com controle de umidade e maquinário de ponta

Reinaldo Honorato Neves mostra os cafés prontos para exportação no armazém, que é equipado com controle de umidade e maquinário de ponta.

Ficha técnica

Fazenda Santa Izabel
Localização Ouro Fino (MG)
Região Sul de Minas
Altitude Média 1.050 metros
Produção Anual 2 mil sacas (média atual)
Área total 312 hectares
Área plantada 124 hectares
Número de cafeeiros 550 mil
Colheita manual
Período de colheita de maio a agosto
Processamento via úmida (cereja descascado 1, cereja descascado 2, natural-passa, tree dried e verde descascado)
Secagem estufa e secadores mecânicos
Variedades icatu, bourbon amarelo, catuaí amarelo e vermelho, mundo novo, catiguá MG2, obatã (+ 15 diferentes em teste nos jardins de variedades)
Certificações IBD Orgânico

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Hanny Guimarães • FOTO Lucas Albin / Agência Ophelia

Cafezal

Um novo robusta

Fazendas do Espírito Santo mostram que é possível produzir conilon com qualidades sensoriais

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Paisagem das montanhas do Espírito Santo, onde há produtores apostando no conilon especial.

Conhecido como a ovelha negra dos apreciadores de cafés especiais, o café robusta é um tipo de grão com material genético menos complexo, que resulta em bebidas com notas sensoriais menos atraentes, com presença de amargor, menos doçura, menos acidez e salinidade. Como não resulta em xícaras tão adocicadas, geralmente é utilizado como “tempero”, para dar acabamento a blends e bebidas cafeinadas. Também conhecido como conilon (ambos são variedades da espécie Coffea canephora), ganhou essa má fama no mundo dos cafés gourmets não apenas por sua tipicidade, mas pela maneira como é cultivado e tratado após a colheita. Sem cuidados, acaba chegando ao consumidor com características ainda piores, comprovando o preconceito estabelecido.

Há cerca de cinco anos, um pequeno grupo de pessoas está tentando mudar o rumo dessa prosa. E está conseguindo. Trata-se do projeto Conilon Especial, capitaneado pela Conilon Brasil, uma empresa focada no treinamento e na difusão de conhecimento sobre o tema, que também presta consultoria para cafeicultores. O grupo conta com o apoio do Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), das secretarias municipais e estadual de agricultura do Espírito Santo e de alguns cafeicultores que estão acreditando nessa nova fase do robusta. A meta? Mostrar aos produtores de café do Espírito Santo, do restante do Brasil e, quiçá, do mundo, todo o potencial desse tipo de grão quando selecionado geneticamente e cultivado adequadamente.

O grão verde cultivado e tratado adequadamente.

O grão verde cultivado e tratado adequadamente.

Herança de gosto amargo
O desafio dessa turma não é pequeno. O Espírito Santo é atualmente o maior produtor de café robusta do País e o maior produtor em área plantada do mundo. No entanto, o conilon, variedade descoberta pelos agricultores da região há cerca de quarenta anos, é desenvolvido desde então com o foco apenas na produtividade e esse modus operandi parece estar cercado por uma muralha difícil de ser derrubada.

Entenda-se aqui por um cultivo focado na produtividade aquele em que a planta, que já é naturalmente mais resistente, é criada como uma criança na rua, que acaba se virando sozinha. Em geral, o cafezal não é podado nem adubado, não passa por manejo do mato, por controle de pragas e de doenças e é pouco irrigado. Essa maneira de tocar a lavoura, herdada dos primeiros cafeicultores de robusta dali, é também um estímulo para o uso maior de aditivos químicos, fertilizantes e agrotóxicos. A colheita é feita antes de o fruto estar maduro; ele é deixado no terreiro sem cuidados, recebendo umidade excessiva, que costuma causar fermentação. Depois todos os grãos vão para um secador de lenha direta, ambiente que chega a atingir 300ºC. E aí, mesmo aquele vermelhinho que estava doce no pé, depois de passar por tantas intempéries, ficará com o mesmo gosto de fumaça e cinzas, adstringência da fermentação e sensação medicinal e de sujeira na boca que os outros. Esse é um retrato da produção tradicional no Estado. Um café de baixa qualidade, utilizado pela grande indústria para compor blends, café instantâneo, café em sachês, refrigerantes e energéticos.

O casal Laurindo Bride, de 87 anos, e Ághata Loss Bride, de 83 anos, produtor da região.

O casal Laurindo Bride, de 87 anos, e Ághata Loss Bride, de 83 anos, produtor da região.

Nadando contra a corrente
Como, então, convencer o produtor de café de que isso tudo está errado se esse lote malcuidado, que perdeu grande parte de suas características, é comercializado com a facilidade de quem vende água no deserto? Como mostrar que isso é ruim para ele, para a natureza e para o consumidor? “Esse café tem muita liquidez. O mercado compra mesmo com um monte de defeitos, torra tudo bem escuro e vende para o consumidor”, explica Marcelo Cortelletti, proprietário do Sítio Boa Sorte (em Santa Tereza), que possui 70 mil plantas de conilon.

Marcelo é um dos que estão nadando contra a corrente. Começou a ouvir aquela história de café de qualidade em um grupo de que participa, a Associação dos Produtores Rurais do Rio Perdido. A entidade, que reúne 66 pequenos produtores da região norte do Estado, começou uma parceria há cerca de quatro anos com a Conilon Brasil para orientar produtores como Marcelo.

Acima, viveiro onde os clones mais avançados são reproduzidos para a venda; plantações consorciadas com bananeiras, coqueiros e mamoeiros são típicas na região.

Acima, viveiro onde os clones mais avançados são reproduzidos para a venda; plantações consorciadas com bananeiras, coqueiros e mamoeiros são típicas na região.

Como parte do trabalho, que ainda está na fase de conscientização dos cafeicultores, a empresa, com sedes em Jaguaré e em Vitória, promove a cada quinze dias cursos e palestras sobre qualidade do café, além de provas de qualificação em R-Grader (que capacita classificadores e degustadores a provar e avaliar os robustas de qualidade). “A ideia é focar no produtor, para que ele entenda que a forma de produzir o café influencia diretamente na bebida. Se não há cuidados, a xícara perde sabor, doçura, acidez e potencializa a salinidade”, explica Arthur Fiorotti, um dos sócios da empresa.

Em um laboratório bem equipado, Arthur e sua equipe fazem análises de cafés, realizam degustações e oferecem orientação aos cafeicultores. “O cafeicultor tem apenas que manter a qualidade que o grão já tem no pé”, explica Romário Gava Ferrão, pesquisador do Incaper. Doutor em genética e melhoramento de plantas, estuda há 28 anos o tema e é o coordenador estadual do programa de cafeicultura. Para ele, a solução é simples. Por isso, desenvolveu uma cartilha, com os 10 mandamentos para produzir o conilon de qualidade, distribuída gratuitamente aos produtores.

Os frutos podem atingir tamanhos de peneiras altas.

Os frutos podem atingir tamanhos de peneiras altas.

Alguns meses depois da primeira conversa com a Conilon, Marcelo já passou a colher os frutos apenas bem maduros, a fazer uma separação mais criteriosa e aperfeiçoar a secagem. Antes Marcelo levava apenas 22 horas para secar o café e já vendia o lote. Hoje leva em torno de 46 horas. “Tem de ter uma atenção muito maior, é um trabalho mais dedicado”, conta. Dois anos depois, Marcelo não se arrepende: já teve 68% do investimento feito pago apenas com a primeira safra.

Seu compadre Luís Carlos Gomes, de 57 anos, também faz parte da associação e está no mesmo movimento. “Estamos começando a ter uma ligação com o consumidor, o nosso café está deixando de ser apenas uma commodity”, diz. Luís acompanha de perto a produção e apresenta com orgulho cada cafeeiro de sua plantação. “A ideia é melhorar a condição da planta, fazer poda, adubar de forma diferente. Além do cuidado na secagem do café, que faço em terreiro suspenso para ventilar por cima e por baixo”, explica. Chamam atenção também a estufa sobre o terreiro. “Para proteger da chuva e do sereno, pois trabalhar a céu aberto tem umidade alta, muito orvalho”, diz. Ele planta café desde 1999. Hoje se orgulha do café que produz e enche o peito ao oferecê-lo às visitas.

“Na associação, conversamos muito com os outros produtores, mas é uma luta inglória, pois não se conhece ainda o conilon especial. O custo também é um entrave. É preciso investir em equipamentos, secador com fornalha de forno indireto, mas há opções mais baratas, que não requerem estrutura muito sofisticada”, conta Luís. Ele tem consciência das dificuldades de encarar essa novidade. Mas sabe que não há por onde escapar. “A qualidade é um caminho sem volta. No momento, remunera melhor os cafeicultores. Mas, num futuro não muito distante, vai significar a permanência deles no mercado”, acredita Ênio Bergoli, secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Espírito Santo.

Arthur Fiorotti e Marcelo Cortelletti analisam café no terreiro suspenso de Luís Carlos Gomes (a esquerda).

Arthur Fiorotti e Marcelo Cortelletti analisam café no terreiro suspenso de Luís Carlos Gomes (a esquerda).

Resultado no bolso e na xícara
Esse empenho, ao final, é recompensado. O valor agregado no preço da saca pode ser de 12,5% a 15%. Uma saca de R$ 280 pode passar a R$ 340. Sem contar as várias portas no mercado externo que já estão abertas, à espera dessa produção. “Existe uma limitação de suprimento de arábica, por isso, há muitas empresas fazendo testes com robustas de qualidade”, explica Arthur Fiorotti. Há ainda um estímulo (moral e financeiro) para quem aposta no novo formato. “Já temos concursos estadual, regionais e municipais de qualidade de conilon, com remuneração adicional para os cafés que se destacam. E, no ano passado, foram realizados os primeiros embarques em escala de conilon de qualidade para o exterior”, explica o secretário Ênio Bergoli.

Essa mudança, que se propõe profunda para o mercado de café, também poderá ser notada pelos consumidores. A produção de conilon especial cria uma série de possibilidades para o apreciador de café, que terá, em breve, a chance de consumir mais blends feitos apenas de grãos qualificados (arábicas e robustas). A Espresso provou o café produzido por Luís Gomes, considerado um café de cerca de 80 pontos, índice bem alto para um café 100% robusta. E notamos aroma doce, com toque de amêndoas, boa doçura, bom corpo, baixa acidez, e salinidade de média para baixa, bastante equilibrado. Uma boa surpresa.

“Há um preconceito muito grande com o blend, mas quem ganha é o consumidor”, defende Evair de Melo, do Incaper. “E só estamos começando. Assim foi com o vinho californiano no início, o da Austrália, o do Vale do São Francisco. E agora são uma realidade. Não existe verdade absoluta. Há muitas coisas para ser encontradas.”

Luís Carlos Gomes, do Sítio São Bento, acredita, porém, que o mais importante é a satisfação pessoal do produtor de café. Todo o esforço, o investimento, a dedicação de mais horas de atenção e cuidados à lavoura e à pós-colheita valem mais quando o cliente gosta da bebida. “Não existe prazer maior que este: alguém tomar a segunda xícara do nosso café”, diz.

Terreiro com estufa onde o café fica protegido da umidade do ar.

Terreiro com estufa onde o café fica protegido da umidade do ar.

Ficha técnica
Sítio São Bento
Localização Santa Tereza (ES)
Região Vales e Serras de Santa Tereza, norte do Espírito Santo
Altitude média 540 m a 820 m
Extensão do cafezal 127 hectares
Número de cafeeiros 350 mil plantas
Colheita seletiva
Processamento natural e cereja descascado
Secagem pátio e terreiros suspensos
Porcentual dos tipos 25% conilon e 75% arábica
Variedades clones de Vitória, e outros selecionados no próprio sítio, como conilon amarelo (espontâneo)

MAIS INFORMAÇÕES www.incaper.es.gov.br

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Giuliana Bastos • FOTO Guilherme Gomes