Cafezal

“A comida está se tornando mais uma questão cultural do que meramente de subsistência”

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Alain Coumont, fundador da rede de padarias belga Le Pain Quotidien, esteve no Brasil e visitou a Fazenda Santa Margarida, da Martins Café, em São Manuel (SP), fornecedora dos grãos comercializados em suas lojas. Acompanhamos a passagem do padeiro-empresário pelo campo e conversamos sobre a filosofia da marca de trabalhar com produtos orgânicos e locais sempre que possível e os desafios de manter qualidade e sustentabilidade em suas mais de 200 lojas, distribuídas em dezenove países mundo afora.

No Brasil desde 2012, a Le Pain Quotidien tem hoje quatro lojas no País e planeja expansão, com a abertura de mais dois estabelecimentos até o início de 2016. Segundo Alain, oferecer os melhores ingredientes se estende não só à comida servida em seus restaurantes, mas também ao café. Para ele, a razão é simples. “Eu sirvo no meu restaurante a comida que eu como ou que eu quero comer. Nós temos muito cuidado em fornecer um produto de qualidade para o ritual diário das pessoas.”

Você começou a sua carreira como chef e, como não conseguia encontrar um bom fornecedor de pão para o seu restaurante, resolveu abrir a própria padaria. Para você, como deve ser um bom pão?
Para mim, um bom pão é feito com os mais simples ingredientes: farinha orgânica, sal, água e bastante tempo. É sincero e saudável, com uma fatia firme e uma boa casca.

Quando vocês iniciaram a expansão da Le Pain e onde foi aberta a primeira loja fora da Bélgica?
Eu abri a primeira Le Pain Quotidien em outubro de 1990, na rua Antonie Dansaert, em Bruxelas, na Bélgica. De lá, nós partimos para abrir o nosso primeiro restaurante, em Nova York, em 1997.

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Como você se sente fazendo parte da cultura do pão, contribuindo para a qualidade desse alimento tão essencial no dia a dia e inspirando as pessoas por meio da comida?
Eu me orgulho em saber que a simplicidade do nosso pão faz com que as pessoas se lembrem de desacelerar, permite que elas façam melhores escolhas e que se sintam bem com aquilo que estão comendo. Sentar à mesa para compartilhar o pão com quem você gosta é uma grande honra à tradição. Então, um pão como o nosso é mais do que um produto para nós, é um estilo de vida.

Hoje, a Le Pain Quotidien possui várias padarias em algumas das principais cidades do mundo. Como foi a transição de uma pequena padaria na Bélgica para a expansão, com tantas lojas e a grande proporção que o negócio tomou hoje?
Nós sempre buscamos ser bons, não grandes, então, sempre tomamos cuidado para crescer orgânica e responsavelmente. Cada um de nossos restaurantes é construído com cuidado e atenção para os detalhes. Não sentimos uma transição drástica em nenhum momento ao longo de nossa jornada. Na medida em que expandimos, é muito importante para nós manter em mente as nossas raízes. Tem sido, certamente, uma jornada e tanto, com novos desafios todos os anos. De certa forma, eu sinto que nós sempre nos mantivemos verdadeiros, fiéis às nossas raízes. Há muitas similaridades, apenas em uma escala maior.

O que mudou e como vocês mantiveram a qualidade dos pães mesmo em diferentes lugares do mundo?
Nosso comprometimento com a autenticidade e a qualidade dos ingredientes é o que tem sustentado o nosso sucesso através dos anos. Nós treinamos o time local de nossas padarias e nos mantemos próximos dele pelo mundo para assegurar o respeito ao mesmo processo artesanal que empregamos desde o começo.

Você veio ao Brasil e visitou a Fazenda Santa Margarida, da marca Martins Café, para conhecer melhor o seu fornecedor. Como o café está relacionado a sua vida e como foi essa visita? Foi a sua primeira vez em uma fazenda de café?
Foi minha terceira vez visitando uma fazenda de café. Eu também estive em nossas fazendas fornecedoras no México e no Vale de Villa Rica, no Peru, que abastece a maior parte dos restaurantes da Le Pain Quotidien.

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O que mais despertou a sua atenção durante a visita à Santa Margarida?
O conhecimento da família Martins sobre tudo o que diz respeito ao campo, com um cuidado especial com o meio ambiente e a biodiversidade. E ainda o fato de que eles habilmente torram o café na fazenda para vender diretamente para consumidor, restaurante ou cafeteria. Mais local e genuíno é impossível!

O que fez você escolher a Martins Café como fornecedora?
A Martins tem uma longa história na produção de cafés e os valores deles estão alinhados com os nossos. Com um ótimo produto disponível localmente, só fazia sentido compartilhar isso com os nossos clientes brasileiros. O perfil desse café, em particular, é ideal para os nossos visitantes em São Paulo.

O que você acha dos cafés brasileiros?
Para mim, em geral, eles possuem acidez bem baixa e são achocolatados… Eu gosto.

De onde vem o café comercializado em outras lojas Le Pain Quotidien pelo mundo?
A maior parte dos cafés fornecidos às nossas lojas vem da fazenda no Peru. No entanto, sempre que possível, nós gostamos de apoiar produtores locais em mercados onde o café da região está disponível.

Qual a importância de investir em um café de qualidade em uma padaria ou restaurante?
Nossa filosofia de servir a melhor qualidade de ingredientes se estende não só à nossa comida, mas também ao nosso café. Temos muito cuidado em fornecer um produto de qualidade para o ritual diário das pessoas.

Como você gosta de tomar o seu café? Qual é o seu ritual da manhã?
Pela manhã, é um shot duplo no latte com leite de soja orgânico e um traço de cúrcuma. E, claro, uma boa fatia de sourdough (pão de fermentação natural), com manteiga fresca e geleia orgânica.

Para você, qual é o maior desafio em produzir uma comida saborosa de maneira sustentável nos dias de hoje, de forma respeitosa com a sua filosofia, os produtores, a terra e os seus consumidores?
O negócio de restaurante não é uma ciência inacessível. Pessoalmente, eu sirvo no meu restaurante a comida que eu como ou que eu quero comer. É por isso que nós compramos e fornecemos principalmente ingredientes orgânicos e proibimos todo tipo de químicos em nossa rede de alimentos, desde conservantes até sabores artificiais e corantes. Nós vivemos em um mundo acelerado, mas, felizmente, com o aumento do padrão de vida no mundo todo, a comida está se tornando mais uma questão cultural do que meramente de subsistência. As pessoas saem mais e é aí que nós entramos. Nós cozinhamos, você relaxa e nós lavamos os pratos.

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(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Hanny Guimarães • FOTO Guilherme Gomes

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