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Pronto para beber: como marcas nacionais exploram o mercado RTD

Are brazilians ready to drink? Empresas nacionais entram na onda das bebidas com café prontas para beber e surfam em um mercado que já movimenta bilhões. Saiba o que está por trás desse sucesso e as expectativas para o apreciador brasileiro

“Vamos tomar um café?” Para o brasileiro, o convite, tão arraigado à nossa cultura, é a certeza de uma pausa para um momento de comensalidade, acompanhado de uma bebida perfumada e fumegante na xícara. Mas, agora, o mesmo convite pode ter um resultado bem diferente: entra em cena um café gelado com leite (vegetal ou não), prontinho na garrafa descartável, oferecido antes do treino na academia.

Pode soar absurdo para muitos, mas as chamadas bebidas “ready-to-drink” (RTD) já são uma realidade no dia a dia de apreciadores, que chancelam novos formatos de consumo que vão além do nosso tradicional cafezinho.

Consolidado principalmente nos Estados Unidos e na Ásia, com receita que ultrapassou os 36 bilhões de dólares no mundo em 2024, segundo o Statista (plataforma global de dados e inteligência de negócios), o mercado de RTD com café ainda engatinha no Brasil. Enquanto somente o Japão é responsável por 12,12 bilhões de dólares, nosso país tem a receita combinada de 960 mil dólares em 2024, mas tudo caminha a passos largos. Enquanto a expectativa de crescimento mundial é de 3,33% ao ano no período de 2024 a 2029, para o Brasil esse número sobe para 5,53%.

“O Brasil destaca-se como um dos principais mercados globais para as bebidas de café prontas para beber da Nescafé. O país apresenta um crescimento robusto nas vendas dessa categoria, impulsionado pela alta demanda dos consumidores por conveniência e variedade de sabores”, conta Rodrigo Suzuki, gerente de marketing de bebidas da Nestlé.

A marca internacional, que lançou o primeiro RTD de café no Brasil em 2015, reforçou a categoria em 2023 com o relançamento da linha Nescafé Gelado, nos sabores Cappuccino Clássico, Chococino, Latte e Cappuccino sabor Canela, e com a ampliação do portfólio da linha Starbucks RTD com as receitas de Café Clássico, Mocha e Caramelo.

Outra grande empresa cafeeira no país, a 3corações também ampliou sua linha de RTD com dois lançamentos neste ano: Cappuccino sabor Caramelo Salgado e Cappuccino sabor Cookies‘n Cream. Agora, totalizam 11 receitas de bebidas prontas no mercado, incluindo versão zero e com whey protein. “Temos lançado produtos que atendem a novos desejos daqueles que são movidos a café. E uma das tendências que acompanhamos é a de que os consumidores estão cada vez mais atentos a temas relacionados à saúde, ao bem-estar, mas sem abrir mão da indulgência e do sabor”, explica Anderson Spada, head de marketing do Grupo 3corações.

Por trás de todo esse movimento em torno do segmento no país está, sem dúvida, a geração Z (nascidos entre 1997 e 2010). “Tem alguns estudos que mostram que a geração Z não só consome o café quente pela manhã, mas também ao longo do dia e, à tarde, dá preferência para uma bebida gelada. É uma geração que está aberta a novas propostas de consumo”, diz Alex Söderberg, co-fundadora e CMO da Naveia. A empresa, focada em bebidas vegetais à base de aveia, apresentou durante a Semana Internacional do Café, em novembro, sua nova linha de lattes nos sabores Mocha e Cold Brew, ambos com café, e Matcha, com chá-verde, com vendas a partir do início de 2025. “O RTD é um canal novo para nós, passamos do nicho das cafeterias de café especial para um público mais amplo, com uma proposta mais popular e democrática. É um produto perfeito para uma prateleira de ‘grab and go’”, acrescenta Alex.

Embora apenas 7% dos brasileiros tenham o hábito do café gelado segundo a pesquisa da Abic realizada em 2023, a geração Z é, sem dúvida, uma grande aposta para fomentar as RTDs. Conforme pesquisa da Nielsen encomendada pela Nestlé, divulgada em abril deste ano, o consumo de café gelado tem crescido a duplo dígito nos últimos anos, principalmente entre essa geração. Em 2023, esse aumento foi de 45% em relação ao ano anterior, resultado dez vezes maior que o de outras faixas etárias.

“O público da geração Z que consome as bebidas RTDs de café da Nestlé é bastante diverso, refletindo a multiplicidade de drivers de consumo na categoria. Há aqueles que buscam indulgência, com bebidas que oferecem experiências sensoriais diferenciadas e sabores marcantes, outros são atraídos pelos benefícios da cafeína, como energia e foco, enquanto muitos procuram soluções práticas que se alinhem ao estilo de vida dinâmico e conectado dessa geração”, complementa Suzuki, da Nestlé.

A importância do cold brew

Nessa formação de paladar para as bebidas geladas, é inegável a importância do cold brew como porta de entrada do café gelado para quem quer praticidade e a qualidade do café especial. E a extração a frio do grão torrado tem sido um caminho para cafeterias e produtores de cafés engarrafarem suas bebidas. A rede Café Cultura retornou com seu cold brew engarrafado em PET nas geladeiras de suas mais de 45 lojas pelo país. Na sua receita vai somente água e café do blend da casa, com as variedades bourbon amarelo, catuaí vermelho e icatu amarelo.

Já a Fazenda Aliança, em Monte Santo de Minas, no sudoeste do estado, apostou na variedade catuaí amarelo para o lançamento neste ano do cold brew de marca própria. Inicialmente foram fabricadas 8 mil latas, de olho no mercado em academias, empórios e cafeterias. “A decisão veio de uma viagem de nossa família ao Canadá, onde conhecemos o cold brew em lata gaseificado”, conta Juliana Paulino da Costa Mello, que é da 5ª geração da família de cafeicultores e montou o planejamento do novo negócio focado no público jovem.

Com o propósito de tirar o complexo de “bebida esquecida na garrafa” e entregar alta qualidade pronta para beber, Carol Pereira, da torrefação Bixo Café, em São Paulo, leva 25 horas para infusionar seu cold brew, que é colocado em garrafas de vidro de 200 ml e vendido via e-commerce para todo o país. “O brasileiro precisa entender essa complexidade da bebida gelada e dar uma chance”, diz Carol, que produz cerca de 400 garrafas por mês e garante um shelf life de 50 dias sem refrigeração. “E estou fazendo estudos para extrair mais doçura e cafeína na receita final”, completa.

E o gesha, uma das variedades mais desejadas entre os coffee geeks, foi o escolhido para a receita do cold brew do Frescoffee, bebida com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2025. “Fizemos teste com outras variedades e o gesha teve o melhor desempenho em boca, deixando a bebida mais leve” comenta Rodrigo Lucente, um dos sócios da marca. O café vem das fazendas da família de Luiz Paulo Pereira Filho, da CarmoCoffees, que também é sócio da Frescoffe. “Outro diferencial é que a bebida é gaseificada, o que ajuda na ‘drinkabilidade’. E o Frescoffee é para entrar no lugar de quem toma suco, refrigerante. É um novo momento de consumo, não compete com o café”, complementa Pereira.

O poder da cafeína nos RTDs

O universo de RTDs com café está estreitamente conectado ao mercado das chamadas bebidas funcionais (veja reportagem na edição 79 da Espresso) pelo poder da cafeína no organismo. Muitas marcas, como SuperCoffee, +Mu e Dux oferecem produtos prontos para beber que reúnem o benefício da cafeína e a carga proteica do whey protein (proteína do soro do leite). Marcas de laticínios também entram no mesmo jogo, como Piracanjuba, Italac e Danone, com sabores que vão do café espresso ao cappuccino, assim como as bebidas proteicas veganas, como NotCo e Nude, que exploram versões com café e caramelo, baunilha, entre outros.

Ainda há o caminho dos “energéticos naturais”, onde somente a cafeína do café é extraída e associada a outros ingredientes. A recém-lançada Origem, por exemplo, faz um “suco” com a polpa do fruto do café e adiciona frutas como maracujá, uva e limão. “Meu público é cada vez mais de pessoas jovens que estão diminuindo o consumo de álcool e procurando produtos naturais”, comenta Pereira, da CarmoCoffees e sócio da Origem.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Beatriz Marques (com colaboração de Sandra Racy)

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