Cafezal

Movida a café

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No interior paulistano, uma antiga região brilha com o trabalho da sexta geração da família Martins. Próxima à antiga estrada de ferro Sorocabana, a Santa Margarida vive jovem e forte

Uma casa de mais de 120 anos. Uma lavoura de 42 anos. Um trisavô fundador. Jovens em torno de 30 anos. Uma colheitadeira nova, 7.200 sacas colhidas, 39 sacas por hectare. Fazenda Santa Margarida: uma antiga região de plantio de café e hoje palco de grandes mudanças. Com esses inúmeros contrastes e uma mistura de novo e velho é que se é recebido na propriedade da família Martins, em São Manuel, Sorocabana, interior de São Paulo. O tempo todo teorias são contestadas: equipamentos tradicionais de beneficiamento de café ajudam nos desafios de experimentar as novas tendências de processamento do grão. Uma aula de ousadia, alguns podem pensar. Ou devaneios de jovens em busca de novos experimentos? Mariano Martins há nove anos assumiu a fazenda da família. Ele é a sexta geração. “Não tinha ideia do café que era produzido ali.” Com qualidade ou não, ele resolveu sair do banco onde trabalhava para assumir a empreitada. Devorou livros de agricultura e começou a fazer testes, muitos testes. Hoje anda com desenvoltura por entre cafezais, terreiros e tanques de fermentação. A região, a 280 quilômetros da capital paulista, não é das mais altas, tem 770 metros e, por ser um terreiro, comporta o uso de uma colheitadeira, que substituiu o trabalho de 200 pessoas, no passado. Hoje apenas dois funcionários passam colhendo, após o trabalho da máquina. Mariano conhece cada talhão da fazenda e faz o controle das variedades: catuaí vermelho e amarelo e mundo novo vermelho e amarelo. O controle vai desde a fermentação que o fruto sofre no pé até o microclima da região, estudado por mais de dois anos mensurando as temperaturas e os sombreamentos de árvores como jambolões e grevilhas. Uma barreira de eucaliptos ajuda a impedir a passagem do vento constante. A planta do café é muito sensível a temperaturas, ventos e outras intempéries e todo o cuidado é pouco. A consultoria do especialista Ensei Neto o ajudou a entender o potencial do café, as diferenças de sabores e processos do grão.

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Funcionário mexe o terreiro de café natural para ajudar na secagem dos frutos; equipamentos, como a colheitadeira azul ajudam o cafeicultor durante a safra.

Técnicas colombianas? Ali chove muito durante a colheita. Situação semelhante à da Colômbia, por exemplo. Tal fato ajudou Mariano a buscar informações de processos realizados em outros países para colher melhor o café e evitar a umidade no terreiro. Depois de muita pesquisa, começou a desenvolver as técnicas usadas em regiões da América Central: a lavagem do café em tanques por até 18 horas, controle do pH e temperatura da água. Para ver os resultados, prova o café e identifica as mudanças de cada processo no sabor da bebida. Minuto a minuto, de madrugada, o tempo todo é de dedicação ao café que sai da lavoura e entra no processo de lavagem e seca: “Estamos aprendendo e apanhando muito com esse café lavado”, revela. Mais da metade dos grãos verdes produzidos na Santa Margarida, em 2012, seguiam para exportação. Um terço é comercializado no mercado interno. Seguindo a linha da América Central e seus processos diferentes dos realizados aqui no Brasil, Mariano começou, há quatro anos a escolha do café verde no sistema de catação em uma bancada. Cinco mulheres trabalham na seleção manual do grão que foi colhido, processado e beneficiado. Com mãos e olhos atentos, as catadoras vão eliminando qualquer grão que apresente um defeito: quebrado, brocado, malformado ou até os muito pequenos. Uma verdadeira imersão em milhares de grãos de café que, pelas mãos habilidosas do quinteto, resultam em uma seleção criteriosa. A fazenda é enorme. São mais de 650 hectares, a casa-grande e ao longe muitas casinhas. “Aqui moravam 250 famílias, hoje são apenas quatro”, conta Mariano. Os tempos são outros. A mão de obra do café diminuiu, e os equipamentos avançaram muito. Hoje em dia, na época mais pesada da colheita, apenas 15 pessoas ajudam nos afazeres da lavoura. e39_fazenda_martins_03

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Região plana contribui para a colheita mecanizada. Mas parte da produção é colhida manualmente, de forma seletiva; o casal Mariano Martins e Fabíola Filinto, responsáveis pelo café.

Os modernos robôs Uma casa então se transformou no laboratório. Lá são testados e provados os grãos que passam por todo o processo na fazenda. Em contraste com a terra vermelha da propriedade, há muita tecnologia do lado de dentro das antigas construções. Lá começa outro mundo. Além da produção diária da fazenda, a família Martins resolveu criar uma marca própria de café. Isso há três anos. Após identificar que o café era de boa qualidade, que os processos podiam ser mudados e que o produto tinha bons resultados na xícara, Mariano se uniu a duas outras jovens empreendedoras, Maíra Lopes e Fabíola Filinto, e criou o Martins Café. Mas só um café especial para essa turma não era suficiente. Ele tinha que ter algo mais. Foi então que surgiu a ideia de trabalhar cafés com especiarias. Mas não qualquer uma, mas, sim, produtos naturais, vivos. Desenvolveram quatro tipos de café: anis, canela, noz-moscada e cardamomo. Com a consultoria do mixologista e barista Marco de La Roche foram testadas diferentes torras e quantidades de especiarias naturais para cada café. Então voltamos para a tecnologia da fazenda. Ali, no laboratório, Mariano realiza todos os diferentes perfis de torra no torrador norte-americano Diedrich, de 12 quilos. O brinquedinho é negócio sério e, de lá, saem os grãos torrados que depois serão moídos sob encomenda para os clientes e também adicionados às especiarias. O produto inovou o mercado de café. Tanto na proposta de ser um moído diferente, quanto na identificação do método de preparo – com moagens distintas para coado, french press, espresso –, e também na comunicação das embalagens. Robôs retrôs remetem ao antigo, ao mesmo tempo em que são figuras futuristas, presentes no nosso imaginário. “Desde o começo, queríamos algo que fosse moderno e ousado, no qual pudéssemos aplicar tudo o que tínhamos aprendido no mercado, mas que mantivesse um espírito tranquilo, de lugares onde a vida não passa tão rápido”, explica Mariano. Não podia ser diferente. Numa casa de 1890 com um pé-direito enorme, onde circulam ideias dentro de cabeças jovens e um ótimo produto na mão vive o café da Santa Margarida. “A primeira lembrança que tenho do meu avô, quando tinha cerca de quatro anos, é de ele me ensinando a beber café, para desespero de minha mãe. Lembro claramente dele respondendo: “Café está no sangue da família. Não adianta. Cedo ou tarde, ele vai ser movido a café.” E não é?

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À esquerda, mulheres catam e selecionam o grão verde em bancadas no laboratório da fazenda; ao lado, torrador usado para testes e para atender aos pedidos da marca própria.

Mundo novo amarelo A variedade mundo novo amarelo 4266 é parecida “fisicamente” com a mundo novo vermelho. Foi confundido por muito tempo por ali, entre tantos cafezais. Essa lavoura é remanescente da geada de 1975 e, claro, muito resistente. Esse talhão, hoje o único que recebe uma colheita seletiva na Santa Margarida é separado dos demais lotes, tem em sua carga genética muito do bourbon amarelo, e é uma variedade de ouro na cafeicultura, e, ainda, o melhor, com a produção alta. e39_fazenda_martins_06 A herança dos Martins A família Martins de Almeida começou a plantar café em 1823, na região de Vassouras (RJ). Victoriano Martins de Almeida, carpinteiro, comprou um sítio com dinheiro emprestado. Ao morrer, deixou seis fazendas para os filhos. Um deles, João Baptista, partiu para São Manuel (SP), à beira da estrada de ferro Sorocabana. Nascia a Santa Margarida, em 1890. A paixão pela fazenda era tanta, que, em testamento, foi indicada como tradição da família, devendo sempre ser passada para o filho mais promissor. Essa recomendação foi seguida e hoje ela é a última fazenda da família. O filho de João Baptista, Victor, continuou com o plantio de café. Já o neto, Victor Jr., avô de Mariano, pegou a grande geada de 1975, que matou todos os pés de café, com exceção de um talhão (veja o boxe na pág. 85). Quando o pai de Mariano, Milton, assumiu a fazenda, optou por retomar o cultivo de café, plantando novas lavouras e investindo em técnicas mais modernas. Mariano assumiu a fazenda quando o pai desistiu de “apanhar desse tal de café”. Desmotivado, Milton queria vender a fazenda, mas consultou o filho e lhe deu dois anos de prazo para mostrar o resultado. Após dobrar a produtividade por hectare e diminuir os custos, ele acredita que está no caminho certo. (texto adaptado de Mariano Martins)

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A jovem equipe do Martins Café: Maíra Lopes, Flávia Pogliani, Mariano Martins, Fabíola Filinto e Marcela Herz, em 2012

Ficha técnica*

Fazenda Santa Margarida Cidade São Manuel, SP Região Sorocabana Altitude 770 metros Fundação 1890 Proprietário Mariano Martins Área total 657 hectares Área de cafezais 180 hectares Cafeeiros 900 mil Sacas produzidas 7.200/ano Beneficiamento natural, cereja descascado e cereja lavado Variedades catuaí vermelho, catuaí amarelo, mundo novo vermelho e mundo novo amarelo (Essa reportagem foi publicada em 2012, na Revista Espresso)

TEXTO Mariana Proença • FOTO Guilherme Gomes

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