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Luiza Estima: “Se alguém ainda não associou café à meditação, por certo já o ligou a uma oração”

Fui morar em São Paulo no final dos anos 1980. Vinda da terra do chimarrão e do chá, quente ou geladinho, o café não me apetecia. Nem poderia, as ofertas eram: o solúvel com leite em casa (que para mim estava na categoria leite e não café) ou a água preta cheirando a carvão no balcão do jornal onde eu trabalhava como revisora. Se não me engano, era de graça – o que tornava ainda mais complicado refugar a xicrinha trazida pelos colegas que serviam o tal piche cheios de sono e emoção.

Foi em São Paulo que essa história finalmente se escreveu. Hoje, revisitando os momentos passados, vejo que eu buscava algumas (muitas) coisas para mim e uma delas se corporificou no café. Eu procurava meu gosto como alguém que busca conhecimento, razão e sentido para o ser humano que é – ou que quer se tornar. Aos poucos, a bebida foi fazendo sentido e meu paladar em (eterno) desenvolvimento foi-se preparando.

Um dia aconteceu. Em uma reunião de mulheres, brigadeiros e divagações sobre a harmonia do docinho com a bebida, fui servida com uma caneca simples e branca de onde saíam fumacinhas suaves e perfumadas. Olhei para o seu interior, quando pousou à minha frente, como quem encontra o anel mais querido perdido há anos. Ali dentro ondulava macia uma aguinha límpida e morena que me sorria do mesmo jeito que eu a mirava, encantada, seu reflexo, como o meu, nas águas dos meus olhos. 

Se alguém ainda não associou café à meditação, por certo já o ligou a uma oração. Essa sensação que nos conecta a algo divino, que nos conecta de volta a terra, à sua exuberância e simplicidade, a toda a natureza que nos compõe. Louvei o silêncio daquele instante para que só eu pudesse ouvir a canção que saía de mim nas notas magníficas do sabor que, eu descobri, já me habitava. Faltava esquentar a água. 

Luiza Estima, assessoria de imprensa – Porto Alegre (RS) @luestima

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