Na cozinha por Cristiana Couto

Patrimônio da gastronomia

Ele já valorizava os produtos de sua terra antes de a cozinha nacional ser a palavra de ordem de dez entre dez chefs brasileiros. Proprietário do restaurante Oficina do Sabor, em Olinda, o chef César Santos carrega com orgulho o epíteto de embaixador da gastronomia pernambucana, concedido a ele há quase duas décadas pelo então presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça. “Hoje as pessoas se preocupam com a cozinha brasileira. Faço isso há 25 anos, quando usava mel de engenho e manteiga de garrafa nos meus pratos”, orgulha-se o chef.

É para ter orgulho mesmo — ainda que títulos, prêmios e listas que envolvem chefs e seus restaurantes estejam se tornando lugar-comum. Antes de cozinheiros virarem estrelas de programas de TV e celebridades no Instagram, Santos já viajava para fora do País deslumbrando estrangeiros com a cozinha de sua terra.

Experimentações da cozinha contemporânea, porém, não são sua praia. “Não trabalho com pinça, só com faca”, chegou a dizer-me, em entrevistas passadas, não sem reforçar o respeito que nutre pelos colegas que trilharam essa via gastronômica. A comida que serve em seu restaurante, parada obrigatória para quem visita Olinda, é uma combinação de comida caseira com toques de refinamento.

Localizado aos pés da Igreja Nossa Senhora do Amparo, construída no século XVII, e com uma paisagem de fazer cair o queixo de qualquer brasileiro, a Oficina do Sabor completou 25 anos em 2017 fazendo mais do mesmo: pratos que misturam frutos do mar, frutas e ervas da região.

Um dos sucessos da casa são as variações sobre o mesmo tema, ou melhor, ingrediente: o jerimum (abóbora). Há quase vinte opções de recheio para a cucurbitácea, como a que leva camarão, lagostim e maracujá, a que combina charque com coco, ou ainda a de camarão e molho de manga. Esse último recheio, aliás, foi um tiro certeiro. “Certa vez, vi num livro uma sopa dentro de um jerimum. Resolvi fazer o mesmo, mas com coisas daqui”, conta Santos, referindo-se à inspiração no icônico chef francês Paul Bocuse (falecido em janeiro deste ano), um dos artífices da nouvelle cuisine.

Embora ao longo da carreira Santos tenha recebido diversos prêmios, ele não se deslumbra. “Temos que estar dentro da cozinha”, pondera. “Os prêmios pendurados na parede, com o tempo serão esquecidos.”

Santos começou a cozinhar por necessidade. Assim como os oito irmãos, ajudava a mãe nas atividades domésticas, particularmente no fogão. Pegou gosto pela coisa: matar galinha, fazer feira, bater bolo, preparar salgadinhos… Depois de prover a família, começou a alimentar amigos. “Fazia comida para congelar na casa das pessoas e, nos fins de semana, preparava o cardápio de batizados e casamentos”, lembra ele, que lapidou sua formação em cursos profissionais, dos quais também tem orgulho.

Em 1992, surgiu a oportunidade de abrir o restaurante. As dez mesas estreantes logo se tornaram insuficientes. Galinha à cabidela e salada com miolo de boi frito, pratos de preparo longo, começaram a dar lugar a uma cozinha mais ágil e prática. “Passei a fazer uma cozinha salgada com frutas”, recorda, numa época em que o bacana era comer em restaurantes de outras cozinhas (a regional era a comida doméstica). Atualmente, a casa — tombada pelo patrimônio histórico e reformada diversas vezes, com prazos intermináveis — acomoda 120 lugares.

Ao trabalhar melhor os ingredientes e aplicar as técnicas que havia aprendido fora, o sucesso foi questão de tempo. “Não estou entre os cinquenta melhores, mas meus amigos estão. Quero casa cheia e clientes felizes.”

Além do restaurante, o chef fomenta a cozinha pernambucana nas viagens que faz e nos eventos que criou — como o Sabor Rural, espaço gastronômico numa grande feira, a Agrinordeste. Seu livro, que leva seu nome, traz não só receitas, mas também um resumo da sua trajetória — a de levantar a bandeira pernambucana. “Sempre viajei carregando ingredientes e meu dólmã com a bandeirinha do estado”. Acho que contribuí ao apresentar a pessoas de fora o bolo Souza Leão e o queijo de coalho”, resume.

*Cristiana Couto é jornalista especializada em gastronomia e autora de Alimentação no Brasil Imperial, Educ, São Paulo, 2015, livro finalista do 58º Jabuti 2016. Fale com a colunista pelo e-mail nacozinha@cafeeditora.com.br.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2018 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Deixe seu comentário