Cafezal

Cerrado em cores

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Em Presidente Olegário (MG), a família Campos investe na produção de qualidade e se destaca no cenário do café

Enquanto a madeira estala no fogão a lenha, o cheiro de pão de queijo e café que preenche a casa na fazenda Dona Nenem, localizada em Presidente Olegário (MG), levanta até o mais preguiçoso da cama. Quem convida para uma xícara doce, de acidez cítrica, característica do grão do Cerrado, e um dedo de prosa é Renato Souza, degustador e coordenador administrativo na propriedade. Quando o assunto é cafeicultura, ele é o braço-direito de Eduardo Pinheiro Campos, engenheiro civil e dono da Dona Nenem e da fazenda vizinha, São João Grande, que, juntas, somam 622 hectares de área plantada com o grão.
Renato nos guia pelo cafezal e nos conta que Eduardo não poderá estar conosco desta vez. A falta sentida logo dá lugar a uma grande satisfação e orgulho. O empresário viajara para Trieste, na Itália, como parte da premiação que ganhou como Fornecedor do Ano, da illy. O reconhecimento é natural. O trabalho dedicado desempenhado nas duas propriedades não deixa dúvida de que o prêmio foi merecido. Eduardo herdou a terra e a paixão pelo café da família, que sempre trabalhou no campo. Em 1976, foi um dos pioneiros a investir na cafeicultura na fértil região do Cerrado, conseguindo aliar a produção ao cuidado com a natureza. Atualmente, o agronegócio café das fazendas é exemplo para o setor.

Caminho sustentável
“Houve uma mudança muito grande no modo de produzir desde aquela época até os dias de hoje. Em termos de sustentabilidade, temos reciclagem em tudo o que é possível. Os resíduos são vendidos e no fim até ganhamos com isso”, explica Renato. Algumas adequações caminharam juntas à chegada das certificações Rainforest Alliance e UTZ Certified, como a proteção de capim cercando os cafeeiros para evitar que a poeira da estrada prejudicasse as plantas. Modelo ambiental, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) são respeitadas e todas as regras estipuladas pelo novo Código Florestal já foram cumpridas.
Além disso, paralelo à produção de café, a família Campos também cria cerca de 800 cabeças de gado nelore e tem tradição no trabalho com cavalos manga-larga marchador, com mais de 100 animais. Toda a palha do café, desde o lavador até a casca do beneficiamento, é misturada ao esterco dos bovinos para fazer a adubação orgânica do cafeeiro, o que diminui o custo e o uso de adubo nitrogenado, que, segundo o engenheiro agrônomo Alino Pereira Duarte, há vinte anos na Dona Nenem, prejudica a camada de ozônio.
O conceito de preservação segue por toda a produção e quem agradece é a seriema, o tatu, a jaguatirica e até o tamanduá, animais que circulam pelas fazendas, fazendo-se notar na plantação.

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Eduardo Campos Filho, cada vez mais interessado pelo café, conta que o pai não mede esforços para melhorar a produção

Eduardo Campos Filho, cada vez mais interessado pelo café, conta que o pai não mede esforços para melhorar a produção

Tecnologia
Ponto primordial para a produção de cafés de qualidade e o trabalho de conservação do ecossistema é o investimento em tecnologia. De acordo com o degustador Renato Souza, tudo é controlado. “Pensamos na eficiência tecnológica a favor da produção. Temos uma estação meteorológica que faz o controle da irrigação medindo os dados climáticos, e, em função disso, define-se a lâmina que será aplicada no cafezal. Desde 1976, o senhor Eduardo pensa em irrigação. Aqui no Cerrado isso é necessário. Para ter um bom café, é preciso irrigar”, diz ele. As tecnologias de irrigação para o café chegaram às propriedades de Presidente Olegário há quinze anos. Por lá, o processo é feito por pivô e gotejamento, mas mudanças estão sendo pensadas em busca de melhorias nos sistemas. “Nós estamos planejando uma mudança para a substituição de pivô por gotejo. Em oito ou dez anos você não vai mais ver pivô aqui”, detalha o engenheiro agrônomo Lázaro Seixas, há quinze anos nas fazendas. A substituição vem sendo pensada com cuidado, pois o investimento é alto, cerca de R$ 6 mil a R$ 7 mil por hectare. Ao mesmo tempo, com pivô a perda de água é maior, entre 70% e 80% em relação ao gotejo, processo que trará maior eficiência à produção. “Vale a pena! Fazendo com qualidade você consegue agregar no mínimo 10% mais valor ao café”, completa Renato.
Segundo o degustador, normalmente chove 100 milímetros em 24 de dezembro. “É certeiro”, ele conta. Neste ano choveu apenas 12 milímetros. A seca deste ano, que prejudicou várias regiões cafeeiras no País, não afetou tanto a Dona Nenem e a São João Grande, por causa da irrigação. Estima-se uma queda pequena de 10%.

Experimentos e resultados
Renato, que já passou pela Daterra Coffee, trouxe para as propriedades do senhor Eduardo a ideia de provar os cafés ao longo de todo o processo de produção. “Isso faz com que você direcione o processamento, indicando qual será o trabalho feito na hora, entre lavado, descascado, desmucilado ou natural, evitando perda”, explica. Entre as variedades cultivadas, estão mundo novo, catuaí vermelho, catucaí, bourbon amarelo e IBC 12. Por safra, são colhidas 35 mil sacas. Três colheitadeiras fazem o serviço, dividido com 100 funcionários fixos e 250 temporários. A produtividade por hectare é de 55 sacas, número considerado alto na região. “A porcentagem do nosso café colhido é de 98% de cereja”, comenta o engenheiro Alino, falando com orgulho do trabalho realizado pela equipe.
As inovações, o foco na qualidade e a busca por cafés excepcionais dentro de cada talhão, segundo Renato, têm resultado em reconhecimento. Prêmios e valores melhores por sacas de cafés especiais chegam a cada safra, como a primeira colocação no 10º Concurso de Qualidade dos Cafés de Minas Gerais, na categoria Cerrado Mineiro. As premiações e, claro, o sabor dos cafés produzidos ali, vêm despertando mais atenção internacional e também nacional. O trabalho sempre foi desenvolvido pensando na exportação. Japão, Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Itália, África do Sul e França estão entre os principais compradores. A illy, parceira da Dona Nenem há doze anos, leva cerca de 25% da produção.
Os resultados positivos e a confiança de Eduardo no trabalho de Renato dão tranquilidade para o degustador experimentar e ousar na produção de cafés diferentes. Para esta safra, foram negociadas 320 sacas (1 contêiner) com um cliente da Austrália, de um trabalho distinto e deliciosamente interessante. Renato colocou o café da variedade bourbon amarelo, de 83 pontos na tabela da Specialty Coffee Association of America (SCAA), no tanque de fermentação em contato com capim-cidreira. “Eu gosto muito de capim-cidreira e resolvi fazer alguns testes. Acabou dando certo. A cidreira adiciona certo cítrico ao café. Os australianos vieram para uma visita e mostrei para eles. Eles ficaram loucos com o sabor, adoraram e acabaram comprando a ideia. Fiquei muito feliz”, conta, mostrando o tanque coberto pela erva. “Não tem problema mostrar isso, porque para copiar tem que fazer o trabalho que a gente faz aqui antes e depois desse momento”, completa.
De lá, seguimos para o beneficiamento, onde todo o processo é monitorado por câmeras. As imagens podem ser acessadas via internet pelo senhor Eduardo, que acompanha tudo mesmo distante. Os clientes internacionais também podem observar o trabalho via web. Eles veem o que está sendo feito no café que estão comprando e se sentem mais próximos dentro dessa cadeia.
Tendo alcançado um ponto de equilíbrio nas fazendas e a qualidade do café, o próximo passo é entrar no mercado de torra, como explica o filho de Eduardo, o engenheiro e empresário Eduardo Pinheiro Campos Filho. Apaixonado pelo gado e pelos cavalos, agora toma gosto também pelo café. “Estamos estudando bastante, estruturando a ideia de torra e também pensamos em expandir a área de lavoura para chegar a um melhor resultado econômico. O foco é sempre a qualidade”, diz. O investimento inicial, para começar a torrefação de 2% da produção, é de R$ 250 mil. Os primeiros resultados nesse sentido já poderão ser vistos na safra de 2014. “Tudo bem-feito na vida dá resultado e é isso que a gente espera. O meu pai é um grande exemplo. Se você fizer as coisas com vontade, vai longe”, diz Eduardo Filho.

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Ficha técnica

FAZENDAS Dona Nenem e São João Grande
LOCALIZAÇÃO Presidente Olegário (MG)
REGIÃO Cerrado Mineiro
ALTITUDE MÉDIA 1.020 a 1.080 metros
PRODUÇÃO ANUAL 35 mil sacas/safra
ÁREA TOTAL 1.098 mil hectares, somando as duas propriedades
ÁREA PLANTADA DE CAFÉ 622 hectares, somando as duas propriedades
NÚMERO DE CAFEEIROS 3.113 milhões, somando as duas propriedades
COLHEITA manual e mecanizada, final de maio a julho
PROCESSAMENTO lavado, descascado, desmucilado e natural
SECAGEM terreiro e secador mecânico
VARIEDADES mundo novo, catuaí vermelho, catucaí, bourbon amarelo, IBC 12 CERTIFICAÇÃO Rainforest Alliance e UTZ Certified

MAIS INFORMAÇÕES www.donanenem.com.br e www.facebook.com/cafedonanenem

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Hanny Guimarães • FOTO Alexia Santi / Agência Ophelia

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