Cafezal

A ciência por trás dos canéforas de qualidade

Propagação clonal e cuidado no manejo ajudaram a transformar as características sensoriais da espécie no Brasil

Durante décadas, os cafés canéforas, considerados de qualidade inferior, não pertenciam ao círculo exclusivo de grãos especiais – arábicas. Mais uma reviravolta feita pela ciência está mostrando ao mundo que o patinho feio dos grãos é, na verdade, um belo (e ainda jovem) cisne.

Em 2018, um dos primeiros canéforas de qualidade botou as asas de fora e meteu-se na prateleira da cafeteria paulistana Santo Grão com o sugestivo nome de “0% arábica”. Seu produtor, o capixaba Lucas Venturim, é atualmente referência nacional em qualidade da espécie. Antes, porém, robustas amazônicos e conilons capixabas ganhavam visibilidade em concursos de qualidade. A Semana Internacional do Café incluiu, em 2016, a categoria canéforas finos no concurso Coffee of the Year (COY). Em 2023, o conilon vencedor foi arrematado em leilão por R$ 10 mil a saca (60 kg).

Lucas Venturim (à direita) e seu irmão Isaac: quinta geração

Para alcançar esse marco, foi preciso muita pesquisa em laboratório e centenas de experimentos em campo para que outros cisnes nascessem – o desenvolvimento de um novo café pode levar quinze anos.

O sul do Espírito Santo, que produz conilons, e as Matas de Rondônia, origem dos robustas amazônicos, são as duas regiões que protagonizam essas transformações. A primeira é a segunda maior produtora de canéforas do mundo e, desde 1970, cultiva o conilon em larga escala. A segunda região produz o robusta amazônico – um híbrido de conilon e robusta – que surgiu na natureza ao longo do século XX.

Investimentos em ciência e tecnologia garantiram a entrada de ambas, em 2021, no rol das 15 Indicações Geográficas (IGs) do café – um registro que comprova, a partir de densos estudos, que os grãos de um delimitado território têm excelência na produção daquele produto. “Selos de origem ajudam a educar o consumidor”, ensina Georgia Franco, proprietária do Lucca Cafés Especiais, de Curitiba, que comercializa grãos de todas as origens brasileiras.

A transformação sensorial dos canéforas quebrou paradigmas, como o de que a genética da espécie era inferior, e concedeu-lhes prêmios. O caminho dos canéforas especiais, porém, é longo e está no início. “Falta divulgação e conhecimento sobre esses cafés”, analisa a barista e ex-campeã brasileira Silvia Magalhães, da torrefação SM Cafés, de São Paulo. “Precisamos aproximar as pessoas dos canéforas”, reforça Venturim.

Mas afinal, qual o papel dos cientistas nessa revolução de sabor? Eles atuam, basicamente, em duas frentes: no desenvolvimento de novos materiais genéticos e na aplicação de tecnologias de ponta no pós-colheita que, reservadas até então aos arábicas especiais, passaram a ser pensadas para os canéforas. E, em parceria com os cientistas, estão cooperativas, produtores e entidades representativas e técnicas. Com a crise climática ameaçando o futuro dos arábicas, robustas e conilons surgem como alternativas promissoras na produção de bebidas de alta qualidade.

Seca dos conilons em terreiro suspenso – Fazenda Venturim

Clonagem: um complexo quebra-cabeça

A tecnologia de melhoramento genético por clonagem em cafés não é nova. O primeiro programa brasileiro de propagação clonal em cafés foi lançado em 1970 pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas), e em 1985 para conilons pelo Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural).

A virada de chave foi incluir parâmetros sensoriais e químicos na genética dos novos canéforas. “Hoje, o olhar não é só para a produtividade, mas também para uma boa bebida”, diz o agroecólogo e classificador de canéforas finos Tássio de Souza, do Incaper. A produtividade sempre guiou a seleção de materiais genéticos de café, ao lado de características como resistência a pragas e doenças, arquitetura das plantas e tolerância à seca, todas ainda fundamentais no desenvolvimento de novas cultivares – nome técnico para variedades cultivadas. “Para lançarmos um novo clone, ele deve atender critérios agronômicos antes dos sensoriais”, resume Souza. Foi assim que, em 2012, as cultivares diamante, jequitibá e centenária surgiram nos campos e laboratórios do Incaper, formando o primeiro time de canéforas de qualidade brasileiros – os experimentos começaram no início dos anos 2000, a partir de mais de 2 mil materiais genéticos.

Mas por que usar clones em vez de sementes? Para ter uniformidade e consistência no campo. “A planta clone tem genética idêntica à da matriz, de onde são retiradas as novas plantas, exatamente iguais”, explica Fábio Tancredi, pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), que conduz experimentos com conilons capixabas em seu estado. Já as sementes têm a combinação dos DNAs dos pais, originando indivíduos diferentes. Embora qualquer estudante de ensino médio saiba disso, pouca gente sabe que uma das principais diferenças entre arábicas e canéforas é, justamente, o processo de fecundação.

Arábicas se autofecundam, mas canéforas precisam de companheiros para gerar flores. Essa alogamia (fusão de gametas de indivíduos diferentes) tem consequências no campo, como produzir lavouras heterogêneas – com plantas sem padrão de altura, formato ou tamanho dos frutos –, o que dificulta a vida do produtor e não deixa saída a não ser a propagação clonal, para que haja eficácia no manejo dos grãos.

A reprodução clonal contribui para a qualidade. “A partir dos clones, replica-se o mesmo perfil sensorial dos cafés, pois o material genético é sempre o mesmo”, explica Enrique Alves, engenheiro agrônomo da Embrapa Rondônia (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Rondônia) e pioneiro na transformação sensorial dos robustas amazônicos. E existe algo que fascina cientistas e produtores. “Há mais possibilidades de modelar qualidade em canéforas do que em arábicas”, revela Lucas Louzada Pereira, do IFES (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo), doutor em engenharia de produção e referência em controle de qualidade. A base genética dos canéforas no Brasil é ampla, considerando as coleções dos bancos de germoplasmas – entre eles, IAC, Embrapa Rondônia e Incaper, que, em conjunto, têm mais de 1,6 mil acessos (amostras) – e as plantas selecionadas pelos cafeicultores.

“A expansão do cultivo no Espírito Santo foi, inicialmente, por plantas cruzadas naturalmente entre si”, recorda Louzada. Ao longo de décadas, isso levou ao estabelecimento natural de populações com alta variabilidade genética. Não é preciso ser matemático para vislumbrar quantas combinações de peças pode ter esse maravilhoso quebra-cabeça científico. E, quanto mais variabilidade genética, maior a diversidade sensorial.

Clonagem, porém, não é um trabalho simples. Um clone é definido como um indivíduo ou um grupo de indivíduos idênticos. Além disso, muitos clones de canéfora não cruzam entre si. Por isso, os cientistas reúnem clones em grupos de compatibilidade, e os viveiristas os comercializam em kits clonais – uma espécie de saquinho com as “pecinhas” (geralmente nove) de montagem da cultivar. O conhecimento da compatibilidade dos clones influencia diretamente as estratégias tecnológicas no campo.

Maturações diferentes, sabor da origem

A genética, afinal, não age sozinha. Boa parte da má reputação dos canéforas resulta de defeitos de manejo, e não de características genéticas. “Há um pacote tecnológico que vem com os novos clones”, lembra Alves. No Espírito Santo, um dos principais problemas detectados no começo dessa história foi a colheita do conilon. Temendo não encontrar mão de obra suficiente, os cafeicultores colhiam todos os frutos ao mesmo tempo. Muitos imaturos eram processados, desenvolvendo amargor na bebida que, aliado ao amargo da cafeína, consolidou a má fama dos canéforas. “Tivemos que mudar os conceitos de produção para quebrar essa caracterização”, explica Souza.

Uma das estratégias mais importantes de manejo é plantar em linha (fileiras) os clones com diferentes tempos de maturação (precoce, médio e tardio). Isso permite ao produtor ampliar o período de colheita e obter homogeneidade de frutos maduros. Combinadas com manejo de podas e irrigação, a produção de conilons de qualidade da Fazenda Venturim, em São Gabriel da Palha (ES), decolou. “Com colheita por derriça, conseguimos até 90% de maturação dos frutos”, diz Venturim. Em 2007, com os pais e irmãos, ele fez um planejamento de 100% de qualidade para a fazenda, à época com 16 hectares (hoje são 85 ha). Com menos verdes, os conilons passaram a expressar, sensorialmente, as particularidades da região de origem.

Também, até a década de 2010, o canéfora colhido costumava permanecer dias entre o campo e o secador. “Isso gerava fermentações negativas e, consequentemente, defeitos aromáticos na bebida”, explica Alves. Isso sem falar na secagem mecânica com fogo direto a altas temperaturas, descuido que criava, inclusive, compostos tóxicos que, mesmo assim, eram absorvidos pela indústria.

Vários estudos definiram o tempo de permanência dos canéforas na lavoura e para diversificar métodos de processamento. No Espírito Santo, investe-se atualmente em canéforas CDs (cerejas descascados) – cujo rendimento aumentou depois da diminuição no volume de verdes processados. “Foi um salto de qualidade”, afirma Venturim que, em 2012, adaptou a peneira e a rotação do despolpador, feito para arábicas, para dar conta do despolpamento do dobro de frutos. Outro salto sensorial nos conilons foi a fermentação controlada. “Ela agrega complexidade, é o melhor processamento para a consistência de qualidade e resulta em cafés completamente diferentes”, afirma o produtor, que pesquisa o processamento desde 2016.

Fermentação controlada de conilons, especialidade da Fazenda Venturim

Nas Matas de Rondônia, estudos revelam a multiplicidade sensorial adquirida a partir da fermentação controlada nos robustas amazônicos. Atualmente, nos concursos de qualidade locais, mais da metade dos inscritos estão nesta categoria. Ensaios científicos revelaram o tempo de fermentação adequado: robustas amazônicos levam o dobro de tempo para fermentar do que arábicas (10 a 20 dias). “Daqui há dez anos, vou poder escolher tomar um robusta amazônico de clone e processamento específicos”, projeta o pesquisador. Falar de processamentos com tecnologias de ponta hoje em dia parece óbvio, mas há uma década, sua aplicação nos canéforas chegou a ser contestada.

A grande virada

Os robustas amazônicos despertaram para a qualidade em 2012, quando Alves, especialista em arábicas, descobriu o protocolo sensorial para canéforas lançado em Uganda pelo Coffee Quality Institute, em 2010. O documento, criado pelo país de origem do robusta, foi o primeiro guia no mundo a definir padrões e procedimentos que autorizaram a entrada dos canéforas no nicho dos especiais. Tudo o que era feito nos arábicas de qualidade inexistia nos canéforas até então: combinação entre boa genética, conhecimentos do microclima da origem da planta e práticas cuidadosas de cultivo e processamento.

“O protocolo de Uganda norteou nosso caminho, pois a paleta sensorial e a forma de avaliação dos canéforas é diferente do protocolo para arábicas”, contextualiza o cientista. Naquele ano, Rondônia fez os primeiros ensaios científicos para implantar o plantio clonal dos cafés, processados tradicionalmente pelo método natural. Alves também entrou em contato com especialistas no Espírito Santo, que seguiam o mesmo protocolo sensorial, e a troca de conhecimentos se estabeleceu.

Os cientistas capixabas também buscavam, nas tecnologias usadas para arábicas especiais, o que podiam replicar nos conilons. Nesse processo, ajustes tiveram que ser feitos – e os pesquisadores ainda estão aprendendo a fazê-los. “Os arábicas são, sempre, nossa fonte de inspiração, mas não uma referência técnica a ser copiada”, ensina Alves.

Variedades são diferentes

Assim como espécies de café são diferentes, variedades de uma mesma espécie têm características distintas. No primeiro caso, canéforas têm, em geral, menos polpa que arábicas. Por isso, toleram mais tempo entre a colheita e a secagem sem adquirir defeitos. Essa resistência, porém, os torna mais sensíveis à seca, pois, com menos polpa e casca mais fina, não suportam as mesmas temperaturas aplicadas aos arábicas especiais. “É comum que canéforas mal secos percam qualidade entre dois e três meses de armazenamento, enquanto que, se bem processados, mantêm seu perfil sensorial por, no mínimo, oito meses”, detalha Tássio Souza.

Em busca de mais qualidade, os pesquisadores desenvolveram cultivares de conilons com casca e polpa mais espessas e sementes menores. Um exemplo é o clone A1, criado pelo Incaper. Segundo Souza, porém, ele não é muito desejado pelos cafeicultores por ter, em consequência dessas características, menor rendimento.

As diferenças entre robustas e conilons também exigem abordagens específicas. Além de dissemelhanças morfológicas, existem as agronômicas, fenotípicas, sensoriais e químicas: conilons têm plantas mais compactas, ramos mais curtos, folhas amarelo mais claro e frutos menores. Por outro lado, robustas são mais vigorosos e exigentes em relação à água e têm mais tolerância a certas doenças, como ferrugem e nematóides. “Sabemos que há certos tipos de fermentações que se adequam aos robustas mas que, se aplicadas ao conilon, não dão certo e vice-versa”, detalha Louzada.

Não há, porém, qualquer intuito de hierarquizar cultivares ou regiões em termos de qualidade, mas, sim, a vontade de vasculhar o que há por baixo desse gigantesco iceberg. “A maior força dos canéforas é sua capacidade de se adaptar pela matriz genética”, afirma Venturim. “Temos muito a descobrir sobre a dinâmica dos canéforas”, ensina o pesquisador do Incaper. “Não temos a bandeira de um estado: temos canéforas, que devem quebrar paradigmas e conceitos”, provoca Souza. “O canéfora está recebendo agora o mesmo cuidado que foi dispensado aos arábicas finos. Nosso papel é refinar esse conhecimento para o consumidor se divertir”, diz Louzada.

Para fora da porteira

Aos poucos, os novos canéforas avançam além da porteira. Sua diversidade sensorial tem atraído microtorrefações e indústrias, nacionais e internacionais. Muitas empresas brasileiras de café solúvel, além de torrefações estrangeiras, como a britânica Taylor’s of Harrogate, buscam no Espírito Santo conilons limpos na xícara. “Temos cooperativas certificadas, com leque aberto de comercialização na Europa”, comemora Souza.

Em 2019, a gigante nacional 3corações, em parceria com a Embrapa Rondônia e instituições como a Funai, lançou o Projeto Tribos, pacotinhos de cafés 100% robustas amazônicos que, hoje, são produzidos por mais de 130 famílias indígenas em 28 aldeias das cidades de Cacoal e Alta Floresta D’Oeste (RO).

Seca de robustas amazônicos de qualidade, em Cacoal (RO)

Em abril, o lançamento do café Colmeia foi resultado do trabalho de dez famílias liderado pela Nescafé, desde 2021, com conilons especiais das montanhas até o norte do Espírito Santo. “Ensinamos produtores a plantá-los em escala, para gerar melhor renda”, explica Rodolfo Clímaco, head de agricultura cafés da Nestlé Brasil.

Desde que inaugurou em 2020, no Rio de Janeiro, a carioca Fuzz Cafés vende on-line conilons capixabas e robustas amazônicos ao lado de arábicas. A estratégia da microtorrefação foca no público iniciante. “Eles ainda não conhecem a diferença entre as espécies”, explica o sócio Pedro Foster. “Canéforas finos têm características-base, como doçura equilibrada com amargor e corpo”, explica. “E amargor não é um aspecto indesejado para quem entra no universo dos especiais.”

Para revelar os novos sabores, também é preciso desapegar-se da torra feita para arábicas. “A abordagem tem que partir do zero, é outra matéria-prima”, alerta Foster. “Canéforas precisam de muito mais calor para desenvolver suas características sensoriais”, explica Silvia, que torra grãos da trader Farmers Coffees, de Venda Nova do Imigrante (ES). “Uso canéforas finos em blends para superautomáticas, porque dão corpo e muita cremosidade ao espresso, especialmente os fermentados”, comenta ela. “Quem sabe torrar bem, torra qualquer canéfora”, afirma Georgia, que também é instrutora da SCA.

Espraiando-se pelo país

Várias regiões brasileiras apostam no potencial qualitativo da espécie. Em Adamantina (SP), região cafeeira conhecida como Alta Paulista, extremo oeste do estado, o agrônomo Fernando Nakayama, pesquisador da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), toca experimentos desde 2008, em parceria público-privada com o IAC e indústrias de solúveis como a Cocam, para conseguir, em breve, volume e qualidade de canéforas para o mercado local. Além de Cocam, Nescafé, Cacique e Iguaçu, as maiores indústrias de solúvel do país, estão no estado paulista antenadas à questão da qualidade. “A Grande São Paulo consome, por dia, 25 milhões de xícaras”, contabiliza Nakayama.

Entre 1930 e 1980, a região alicerçou-se economicamente na produção de arábicas e, por isso, não produz canéforas em escala comercial, recebendo-os do Espírito Santo e de Rondônia. “Se tivéssemos o conhecimento atual, não teríamos escolhido arábicas para plantar”, reflete o agrônomo, referindo-se às condições de altitude, temperatura e solo, adequadas aos canéforas.

O projeto foca em clones capixabas e paulistas. A geada de 2011 “ajudou” a selecionar materiais genéticos e, hoje, há 16 novas cultivares clonais que seguiram para viveiros. Elas serão cruzadas com 60 clones de robustas amazônicos cedidos pela Embrapa Rondônia. “Enviamos amostras das áreas experimentais e conseguimos cafés acima de 80 pontos”, comemora ele. “Agora, queremos difundir essas vitrines tecnológicas para que os produtores tenham mais uma opção de renda e uma excelente oportunidade de negócios”, projeta.

Minas, tradicionalmente o maior produtor de arábicas do país, ainda não tem canéforas recomendados para cultivo. Por isso, desde 2009, a Epamig conta com instituições científicas parceiras para investigar a adaptação de clones de conilon para 292 municípios mineiros, especialmente na área que faz fronteira com ES e RJ, onde há abundância de terras degradadas pela pastagem, de baixo relevo e altas temperaturas, de onde podem brotar frutos da espécie a perder de vista. “Esses cafés podem ser uma opção de renda, atrair novos negócios e girar a economia da região”, diz Fábio Tancredi, que desde 2014 coordena o projeto de expansão do conilon da instituição. Após um encontro científico no Espírito Santo em 2018, ele decidiu buscar qualidade nos materiais que estão em teste nos jardins clonais de Oratórios e Leopoldina, na Zona da Mata mineira. Em fevereiro, o primeiro lote de mudas de dois conilons de qualidade cedidos pelo Incaper foi comercializado – sete mil, das 30 mil mudas projetadas para este ano. “Utilizamos a semelhança do clima como critério de seleção desses materiais”, explica o agrônomo.

Ao mesmo tempo, Tancredi avalia em campo 57 clones em busca de uma nova cultivar que possa ter a identidade mineira – ainda faltam oito anos de coleta de dados.

No Mato Grosso, pesquisadores do Empaer (Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural) e da Embrapa Rondônia desenvolvem, há três anos, novos clones adaptados à região e que entreguem boa bebida – atualmente são 50, fruto do cruzamento de robustas amazônicos e mato-grossenses e que passam por testes sensoriais. A pesquisa faz parte do processo de revitalização da cafeicultura do Estado.

No extremo sul da Bahia, o cafeicultor Gustavo Sturm é uma verdadeira instituição de pesquisa. Agrônomo especialista em produção vegetal, Sturm cultiva canéforas desde 1998 na Fazenda Bom Retiro, em Teixeira de Freitas, e há anos aposta em qualidade. “Temos muitos materiais genéticos obtidos do Incaper e de viveiristas particulares”, explica ele, que em 2020 foi campeão do COY na categoria canéfora com um conilon natural de 85 pontos. Há pouco, plantou robustas amazônicos, renovou áreas de plantio e ampliou a estrutura de pós-colheita. “Queremos aliar produtividade e qualidade, e manter uma produção sustentável”, diz.

O produtor Gustavo Sturm, da Bahia

Há, ainda, robustas finos que começam a ser cultivados no Acre. Segundo Edgard Bressani, dono da exportadora Latitude Brazilian Coffees, foram 50 mil sacas produzidas em 2023 e, este ano, criou-se o primeiro concurso de qualidade. “Isso é fruto da ciência, da escolha de clones produtivos e com qualidade sensorial diferenciada.”

Quebrando mitos e projetando futuros

Para Louzada, a ciência é a principal aliada de produtores, torrefadores e consumidores ao jogar por terra vários mitos sobre os canéforas, que perduraram por décadas. A cafeína, tradicionalmente responsável pelo “indesejado” amargor dessas bebidas, deixou de ser a molécula-vilã graças à ciência. “A complexidade química do café vai muito além da cafeína, que não pode ser considerada determinante para a qualidade da bebida”, diz Alves.

As pesquisas vêm, também, minando a ideia de que menos cafeína em robustas ou conilons traz maior qualidade sensorial. “O clone 2314 oferece uma bebida maravilhosa, e tem 3% de cafeína”, relata Alves, referindo-se ao espectro dela encontrada nos canéforas, atualmente mais amplo (de 1,2% a 4%). Assim, a relação entre amargor e cafeína tem outros fatores na equação. “A bebida deve estar equilibrada com teores de açúcares e lipídios, este último, importante para a qualidade”, explica.

O clone 25 das Matas de Rondônia tem mais cafeína, sólidos solúveis e lipídeos, e seu equilíbrio químico pode ser parte importante para qualidade em cafés de modo geral (especialmente em canéforas). Algumas características são mais influenciadas pela genética e pouco dependentes da região em que são planta dos, como o teor de cafeína. “Outras podem mudar ligeiramente em relação ao ambiente, pelas características climáticas”, pondera Alves.

O manejo de plantio em linha também permitiu que produtores incluíssem novos materiais genéticos no campo. Segundo Alves, atualmente há experimentos com cafés das Matas de Rondônia que interagem na plantação com clones capixabas.

Além disso, os cientistas trabalham, em variedades já existentes, aspectos sensoriais que não haviam tido, antes, atenção. Para Louzada, é um sinal de que a diversidade de sabores dos canéforas de qualidade está só começando. O Brasil dispõe de redes de melhoramento de canéforas antigos, com bancos ativos de germoplasmas de mais de meio século em instituições como Incaper, Embrapa Rondônia e IAC. “Materiais genéticos que não corresponderam a quesitos como produtividade e resistência à doenças no passado podem ter características que contribuem para sua qualidade sensorial”, explica ele. Em fevereiro, uma seleção de robustas originais (“pais” dos robustas amazônicos), feita pela Embrapa-RO a partir do banco genético do IAC, foi provada por pesquisadores de vários estados.

Degustação com roda de sabores e mapa, do Lucca Cafés Especiais

Segundo estimativas, há mais de 300 mil genes adormecidos nas gavetas desses bancos. “É preciso retornar a essas coleções, revisitar áreas de produtores que ainda tenham diversidade de plantas e reavaliar esses materiais, porque talvez tenhamos deixado passar características interessantes”, aposta Alves. Entre elas, o já citado teor de cafeína, importante na fabricação de bebidas energéticas.

Para tornar a história mais complexa e fascinante, dependendo do ambiente, os clones se comportam de modo diferente. “Estudos já comprovam que clones respondem diferentemente ao pós-colheita, independentemente de sua composição molecular, microbiana e química. Cada planta tem seu microbioma, assim como temos nossa flora intestinal particular”, revela Louzada, que agora conduz estudos sobre cafés e terroir. “O Brasil é um território continental e nós ainda não explicamos nada em termos de terroir”, reflete.

Algumas plantas de canéfora conseguem, por exemplo, tolerar altitudes extremas. “Temos ensaios conduzidos a 1.100 m e produzindo superbem”, conta o pesquisador, citando o trabalho de Fábio Partelli, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e outros cientistas.

Alterar a percepção negativa sobre canéforas no Brasil tem um caminho escrito no gerúndio. “À medida que a ciência gera informação, o cafeicultor vai assimilando, a indústria vai entendendo e o consumidor começa a conhecer”, diz Alves.

“A mentalidade das pessoas está mudando, mas o processo é lento”, afirma Bressani, que também é embaixador dos robustas amazônicos. Há cinco anos, ele compra cerca de cinco mil sacas dos cafés das Matas de Rondônia para vender a países como Estados Unidos, Jordânia e China. “Peço o mesmo valor de um arábica especial, porque não é fácil para um produtor de canéfora produzir qualidade”, reitera.

Mas, para Louzada, ainda faltam baristas para seguir nessa trilha. “O canéfora tem uma bolha a ser rompida que é a do barista”, acredita, destacando que ainda são poucos os que usam canéforas em competições. O pesquisador também afirma a necessidade de quebrar a barreira do blend. “O consumidor tem direito de escolha”, diz, desmistificando a ideia de que canéforas não podem ser consumidos puros. “Há resistência do consumo puro em termos de sabor e qualidade. E o público ainda nem conhece essa bebida”, completa.

Para promover a diversidade e qualidade dos canéforas, Georgia vende microlotes de conilons do Espírito Santo e robustas finos de Rondônia ao lado de arábicas de origem. Nos cursos, prepara um cupping das duas espécies e fornece uma roda de sabores para guiar a experiência dos alunos. Ao final, indica num mapa a origem dos cafés provados. “Quero ter certeza de que meu cliente comprou canéfora porque gostou da bebida”, explica a empresária. “Nossa missão é mostrar o melhor de cada região, com sua diversidade, e deixar o público escolher”, ensina. “Quando alinharmos baristas, produtores e indústria, aí termos uma revolução”, ecoa Louzada.

Para saber mais: Como surgiram os robustas amazônicos?

Da Guiana Francesa, as primeiras mudas de arábica desembarcam no Pará, em 1727 – data oficial de entrada do café no Brasil. Relatos registram plantações incipientes de arábica, tempos depois, nas beiradas do Forte Príncipe da Beira, às margens do rio Guaporé, em Rondônia. Os grãos eram, então, trocados por prata. A cafeicultura comercial na Amazônia começa nos anos 1970 com a chegada de migrantes. Milhares ocuparam a região na ditadura militar (1964-1985), atraídos pelo slogan “integrar para não entregar”, estratégia oficial para incentivar a ocupação e o desenvolvimento amazônico (e de outros rincões), com a presença do Estado nessas regiões, divulgada como crucial à soberania nacional.

Em Rondônia, mineiros e paranaenses (estes, prejudicados pela geada de 1975) iniciaram plantios de arábica. E chegaram os capixabas com conilons – que, mais adaptados ao calor amazônico, predominaram. Na década de 1990, Embrapa-RO e IAC selecionaram materiais adaptados à região – como os robustas puros, que permaneceram na Embrapa e foram usados para melhoramento genético. Também, um programa do governo de incentivo ao plantio buscou essas sementes e distribuiu-as às toneladas. Robustas puros viraram plantas, que cruzaram com conilons adaptados. Nasciam, aí, os robustas amazônicos.

Texto originalmente publicado na edição #84 (junho, julho e agosto de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Cooxupé é primeira cooperativa do mundo com protocolo de sustentabilidade reconhecido pela GCP

A Cooxupé é a primeira cooperativa do mundo a ter seu protocolo de sustentabilidade reconhecido pela  Plataforma Global do Café (GCP).

O protocolo em questão é o Gerações, que foi aceito como equivalente ao Código de Referência de Sustentabilidade do Café da GCP, desenvolvido como parâmetro para que o setor cafeeiro se alinhe às práticas e princípios fundamentais de sustentabilidade, abrangendo as dimensões econômica, social e ambiental (ESG).

A cooperativa atua em mais de 340 municípios do Sul de Minas, Cerrado Mineiro, Matas de Minas e Média Mogiana do estado de São Paulo. Para fazer esse reconhecimento, a GCP utilizou o Mecanismo de Equivalência, sistema para implementação na cafeicultura e que também inclui requisitos de governança, definição de padrões, garantia, dados e reivindicações. Para assegurar a integridade do processo, a GCP faz parceria com o International Trade Center (ITC), que avalia rigorosamente os programas.

De acordo com a Cooxupé, o Protocolo Gerações foi desenvolvido por uma equipe técnica brasileira e específica para plantações de café em clima tropical, considerando diversidade e  preservando a singularidade de cada agricultor em cada bioma.

“É de suma importância avançarmos fundamentados nos três pilares da sustentabilidade”, diz Luiz Fernando dos Reis, superintendente comercial da Cooxupé. Para ele, ser membro da GCP e equivalente ao Código mantém a cooperativa alinhada com os esforços globais em direção à sustentabilidade em toda a cadeia do café.

TEXTO Redação • FOTO Cooxupé

Cafezal

As inscrições para o Coffee of the Year 2024 estão abertas

A partir desta sexta-feira (9), as inscrições para o Coffee of the Year 2024 estão abertas. O prêmio tem como objetivo reunir os melhores cafés do Brasil e eleger os grandes destaques do ano, incentivando o desenvolvimento e o aprimoramento da produção nacional e a divulgação de novas origens.

Produtores de todo o Brasil podem registrar seus melhores cafés, nas categorias arábica e canéfora, por R$ 180. Neste ano, o prazo de recebimento das amostras (4 kg) pela IFSULDEMINAS – Campus Machado (confira o endereço no fim deste post), é 7 de outubro. É permitida apenas uma inscrição por CPF. Acesse aqui o regulamento da edição.

O Coffee of the Year

A dinâmica do concurso consiste no recebimento das amostras, que serão submetidas a um processo de avaliação por uma Comissão de Julgadores formada por especialistas nacionais. Serão selecionadas as 180 melhores amostras, sendo 150 de arábica e 30 de canéfora. 

As amostras serão disponibilizadas durante a Semana Internacional do Café, que acontece em Belo Horizonte, na sala Cupping&Negócios. Do total, os 10 melhores arábicas e os 5 melhores canéforas participam do voto popular através de degustação às cegas, pelo método filtrado, nas garrafas térmicas disponibilizadas nos dois primeiros dias de evento (20 e 21 de novembro). A cerimônia de premiação acontece na tarde do último dia de SIC, 22 de novembro.

Atenção: A ficha da amostra, devidamente preenchida (digitada), deve ser assinada pelo produtor e encaminhada com a amostra de 4 kg para o endereço abaixo:

Envio das amostras:
IFSULDEMINAS – CAMPUS MACHADO
A/C PROFESSOR LEANDRO PAIVA – NÚCLEO DE QUALIDADE DE CAFÉ CONCURSO COFFEE OF THE YEAR 2024/ SEMANA INTERNACIONAL DO CAFÉ
RODOVIA MACHADO PARAGUAÇU KM 03 – BAIRRO SANTO ANTÔNIO
CEP 37750-000 – MACHADO (MG) 

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Cafezal

3corações abre inscrições para Concurso Florada Premiada

Cafeicultoras de arábica e canéfora brasileiras têm até 20 de setembro para se inscreverem no Concurso Florada Premiada, da 3corações. A disputa, em sua 7ª edição, busca valorizar e gerar renda para produtoras de cafés especiais, e acontece em parceria com o especialista Silvio Leite e com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Clique aqui para se inscrever.

Neste ano, a premiação chega a R$ 150 mil em dinheiro, além de uma viagem para o Peru (com acompanhante) e de embalagens personalizadas. Os lotes campeões também serão comprados pelo dobro da cotação de mercado e por R$ 300 acima da cotação final. Ainda, as campeãs terão seu microlote à venda no e-commerce exclusivo do Grupo 3corações, o Mercafé.

A cerimônia de premiação está prevista para 22 de novembro e faz parte da programação da Semana Internacional do Café, que acontece de 20 a 22 de novembro no Expominas, em Belo Horizonte (MG).

O regulamento completo pode ser consultado aqui. Mais informações no WhatsApp (11) 99280-1742.

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Cafezal

Estudo avalia a adaptabilidade ao clima com qualidade na xícara da variedade conilon

Como o clima afeta a “plasticidade fenotípica” nos cafés canéfora? Foi com esta pergunta, de terminologia aparentemente complicada, que pesquisadores do Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), da Embrapa Café e da Universidade da Flórida desenvolveram um estudo para compreender melhor o comportamento da espécie em diferentes ambientes – especialmente, os de altitude.

Plasticidade fenotípica é um termo técnico que se refere à capacidade de uma planta (no caso, o café) ajustar suas características observáveis em resposta a diferentes condições ambientais. 

A pesquisa, publicada este mês na Crop Science, um dos mais importantes periódicos de ciências agrárias do mundo, incluiu ambientes com altitudes diferentes no Espírito Santo, além de combinar análises genômicas e de genótipo da variedade conilon para cada um deles durante cinco anos (entre 2017 e 2022).

Os experimentos foram feitos em altitudes entre 620 e 720 m nos municípios de Venda Nova do Imigrante (na Fazenda Experimental do Incaper), Iúna e Santa Teresa, tradicionais regiões produtoras de arábica. Os cafés foram sensorialmente avaliados por Q-Graders no Laboratório de Análise e Pesquisa em Café do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) – Campus Venda Nova do Imigrante.

Os resultados sugerem que o conilon pode ser “climaticamente inteligente”, ou seja, flexível e com grande variabilidade, capaz de se adaptar aos efeitos da crise climática mantendo bom desempenho de produtividade (60 sacas/ha) e qualidade de bebida. A pesquisa foi financiada com recursos do Consórcio Pesquisa Café e teve a colaboração de produtores rurais. 

Para quem quer saber mais

A produção de arábica, que representa cerca de 60% do mercado global de café, tem projeções severas de redução devido à sua maior fragilidade às mudanças climáticas: estimativas indicam que, até 2050, pode haver uma diminuição de plantio na ordem de 80%.

Mais adaptada a climas mais quentes, mais resistente a doenças e com maior variabilidade genética do que a espécie arábica, os cafés canéfora – conilon e robusta – são candidatos potenciais ao enfrentamento aos desafios climáticos, especialmente com a recente qualidade na xícara apresentada por ambas as variedades no Brasil.

Desenvolver cultivares resistentes ao clima é necessário e inclui plantas de café adaptadas a condições de plantio que possam atender à demanda por tolerância e qualidade. A plasticidade pode ajudar a mitigar o efeito prejudicial das mudanças climáticas. 

“Compreender sua dinâmica em ambientes alternativos pode abrir uma nova janela de oportunidades para realocar as práticas tradicionais de cultivo de café para climas mais adequados”, escrevem os pesquisadores do artigo.

Para responder à pergunta de como os efeitos climáticos impactam na plasticidade fenotípica do café, os parâmetros selecionados para estudo foram rendimento e qualidade da xícara avaliadas em cultivares de C. canephora e C. arabica

Ambas as espécies foram colocadas, separadamente, em três locais de altas altitudes e avaliadas por cinco anos para, entre outras coisas, identificar cultivares que possam combinar estabilidade e alto desempenho fenotípico em múltiplos ambientes e comparar a plasticidade fenotípica das cultivares de C. canephora e C. arabica avaliadas em ambientes alternativos.

Os pesquisadores chamam atenção para a possibilidade de selecionar cultivares de C. canephora mais adaptadas a regiões destinadas, primariamente, à produção de arábicas, combinando qualidade sensorial e altos níveis de produção, além de mostrar, por meio de estudos de simulação, a relevância do melhoramento a partir de técnicas de biologia molecular (como marcadores moleculares, por exemplo) para o futuro da cadeia do café.

Fontes: Incaper e o artigo científico, que pode ser baixado gratuitamente na Willey Library.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Qualidade no campo e na xícara: a importância do concurso Coffee of the Year

A paixão pelo café continua a mesma, mas o que mudou nos últimos anos foi o perfil de muitos consumidores da bebida, que passaram a ter mais curiosidade sobre a origem daquilo que estão consumindo. Hoje é possível encontrar nas gôndolas dos supermercados pacotes com informações além das tradicionais. Região em que foi produzido, nome do cafeicultor e mesmo o da propriedade são dados que já estampam algumas embalagens conhecidas. Se você for mais a fundo e procurar por cafés de microtorrefações, por exemplo, ou direto do produtor, encontrará até informações sobre a espécie e a variedade daquele fruto, a altitude do local em que ele foi cultivado e o processo utilizado no pós-colheita: natural (seco com casca), cereja descascado (seco sem a casca e com a mucilagem) ou lavado
(seco sem a casca e sem a mucilagem).

Outra informação possível de encontrar diz se aquele café foi destaque em algum concurso de qualidade, o que é interpretado como algo bacana, uma vez que mostra que ele foi provado e avaliado positivamente por profissionais. Esses concursos podem abranger regiões específicas ou todo o Brasil, como é o caso do Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso, do Cup of Excellence, do Florada Premiada – 3corações e do Coffee of the Year – agora, sim, chegamos ao assunto principal desta matéria!

Criado em 2012, o Coffee of the Year tem como objetivo principal reunir os melhores cafés do Brasil e eleger os grandes destaques do ano nas categorias arábica e canéfora. Isso incentiva o desenvolvimento e o aprimoramento da produção nacional, difunde conhecimentos sobre as etapas de produção e joga luz sobre as origens produtoras. De lá para cá, a premiação já recebeu inúmeras amostras vindas de diferentes regiões brasileiras e alavancou negócios de diversos pequenos produtores que foram destaque nas edições.

“Se eu te falar que foi uma mudança incrível que aconteceu na minha família e na nossa produção de café…”, conta Afonso Lacerda, vencedor do COY na categoria arábica nos anos de 2016 e 2018. Ele, ao lado de sua esposa, Altilina, e de outros familiares, cultiva o fruto na famosa Dores do Rio Preto (ES), no Caparaó Capixaba, no Sítio Forquilha do Rio. Quarta geração de cafeicultores, Afonso começou a participar no segundo ano de realização do concurso. “Quando comecei, lá em 2013, não tinha experiência nenhuma. Fiquei até meio perdido no meio daquela feira daquele tamanho.” Hoje, depois de acumular dois troféus, ele é conhecido não apenas em sua região, mas também nos corredores da Semana Internacional do Café (SIC), o maior evento de café do Brasil e palco da premiação do COY. Apesar de cultivar cafés especiais desde 2010, ele conta que sentiu uma grande diferença nos negócios depois de ganhar as duas edições do prêmio. “Passamos a ser muito mais valorizados. As vendas de café só alavancaram de lá pra cá. Não precisamos mais correr atrás de compradores para comprar nossos cafés. Antes de terminar a colheita já está tudo vendido”, comemora.

Afonso e Altilina Lacerda, vencedores do COY na categoria arábica nos anos de 2016 e 2018

Outros produtores também vivenciaram a mesma experiência. No lado mineiro do Caparaó, Clayton Barrossa Monteiro, cafeicultor da Fazenda Ninho da Águia, foi o vencedor do concurso nos dois anos anteriores às premiações de Afonso, em 2014 e 2015. Com uma produção de 300 sacas por safra, ele conta que se apresentar como o melhor café do Brasil é um destaque muito grande. “A gente aproveitou bem essa visibilidade. Estamos em uma região que é turística, então recebemos muita gente aqui na fazenda, que acabou virando um ponto de referência e visitação. Hoje já temos cafés nas melhores cafeterias do mundo e com um destaque bem bacana, contando a nossa história e valorizando a nossa região.”

Mas, em meio a tanto café – uma vez que estamos no país que mais produz o grão no mundo –, como se manter em destaque? Desde 2013, ano em que enviou a primeira amostra para o Coffee of the Year, Clayton aponta o fato de estar sempre se reinventando como o maior aprendizado: “Melhorar a cada ano, buscar uma variedade diferente, tentar manter o padrão de qualidade e conseguir ter uma surpresa a mais para os seus clientes. Tem espaço para todo mundo, mas você tem que manter o seu em destaque também. Isso cria uma responsabilidade e as pessoas esperam que você vá se manter ali entre os melhores”.

Clayton Barrossa Monteiro, cafeicultor da Fazenda Ninho da Águia, vencedor do concurso em 2014 e 2015, na categoria arábica

Assim como os cafeicultores, o Coffee of the Year se reinventou e começou a ditar tendências, como é o caso da inclusão da categoria canéfora, em 2016 – até então uma novidade entre os concursos de qualidade –, e das menções honrosas para fermentação induzida arábica e fermentação induzida canéfora, em 2020 e 2021. Em 2022, o concurso registrou um número recorde de amostras inscritas: 500, vindas de 32 regiões produtoras. Isso reflete não somente diversidade, qualidade e tecnologia dos cafés brasileiros, mas também o interesse dos produtores em participar de concursos e aprimorar suas produções.

“Você não necessariamente precisa ganhar. Só de participar, com o seu nome sendo destaque, as pessoas já começam a te conhecer. Ganhando essa visibilidade, se souber aproveitar, com certeza terá uma melhoria grande nos negócios”, destaca Clayton. Já Afonso aconselha ser importante dar o primeiro passo, pois a experiência levada do concurso vale a pena: “Sempre falo para os meus amigos produtores que tem que participar, que só ganha quem participa. Às vezes as pessoas falam: ‘não participo porque meu café não é tão bom’. Mas às vezes a pessoa não sabe provar, não sabe se o café dela é bom de verdade. Ela tem que aprender a provar, acreditar no trabalho e botar o café na competição. Aprendi que você não pode desistir nunca. Você só vence uma competição se você estiver disputando”.

Como funciona o Coffee of the Year

O concurso visa premiar cafeicultores que investem em suas lavouras e se dedicam a oferecer aos compradores uma bebida com qualidade. “A preparação começa no início da colheita. Vai colhendo e provando cada lote para descobrir qual é o melhor para participar, qual tem o perfil mais adequado para cada competição”, comenta Afonso. Depois de selecionada, a amostra (de 5 quilos) é enviada ao IF Sul de Minas – Campus Machado, onde parte fica retida para contraprova e parte é disponibilizada para a comissão julgadora e para as salas de cupping da Semana Internacional do Café.

Todas as amostras de café verde inscritas e recebidas são numeradas e codificadas, sem nenhuma identificação do produtor. “As amostras de café verde são classificadas quanto ao aspecto, à seca, à cor, à porcentagem de peneiras, ao tipo, ao teor de umidade e à qualidade da bebida. Passam por avaliação física, que tem caráter eliminatório, e, em seguida, por avaliação sensorial, para fins de classificação”, destaca Leandro Paiva, coordenador no concurso. As amostras de café que não atendem aos requisitos mínimos exigidos são desclassificadas, enquanto que as amostras selecionadas para participar da SIC são torradas pelos organizadores da competição dentro dos padrões de cupping profissional.

“O processo de seleção dos cafés que integrarão o prêmio se dá pela análise às cegas pela comissão julgadora, que avalia dez itens de qualidade, seguindo os protocolos da Specialty Coffee Association (SCA) de avaliação sensorial, que são aroma, sabor, aftertaste (retrogosto), acidez, corpo, uniformidade, balanço, xícara limpa, doçura e nota total”, explica o coordenador. Essa avaliação é feita por profissionais Q-Graders e R-Graders licenciados pela Coffee Quality Institute (CQI), vindos de diferentes partes do Brasil.

As quinze melhores amostras classificadas, dez de arábica e cinco de canéfora, vão para a final do concurso. Durante os três dias de feira, elas ficam disponíveis em garrafas térmicas codificadas para que o público visitante possa degustar às cegas e votar em sua favorita em cada categoria. Ao final, somam-se as notas dos avaliadores profissionais às dos consumidores. Em cerimônia de premiação realizada no último dia de evento, é revelada a ordem de colocação dos cafeicultores finalistas!

Texto originalmente publicado na edição #80 (junho, julho e agosto de 2023) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto

Cafezal

Campanha do Cerrado Mineiro combate uso irregular da Denominação de Origem da região

Para combater o uso indevido de sua denominação, a Região do Cerrado Mineiro lançou a campanha “A verdade é rastreável – promovendo o autêntico Cerrado Mineiro”. A iniciativa busca conscientizar a cadeia cafeeira e a população da importância de consumir cafés autênticos, além de reforçar o valor do selo de origem controlada “Cerrado Mineiro”. 

Uso indevido ou infração às normas da Federação dos Cafeicultores do Cerrado é toda a embalagem – de café verde ou industrializado (torrado e moído) – que comunica a denominação “Cerrado Mineiro” sem que o lote tenha passado pelo processo de certificação de origem e qualidade da Região do Cerrado Mineiro, que tem o registro de Denominação de Origem assegurado pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). 

“Se um café está comunicando em sua embalagem ‘Cerrado Mineiro’ mas não passou pela certificação da Federação, quem garante que a procedência dele é, de fato, o Cerrado Mineiro?”, questiona Juliano Tarabal, diretor-executivo da Federação. “E mais, quem garante a qualidade mínima necessária e o processo de produção deste café?”, completa.

A nova campanha, que também busca promover a valorização do café certificado com o selo nos mercados nacional e internacional, conta com a participação de cafeicultores, exportadores, torrefadores e consumidores que são referência na região. A divulgação inclui redes sociais, áudios e vídeos, materiais impressos como banners e outdoors, totens, entre outros itens promocionais, como camisetas, copos térmicos e bottons. 

O que é Denominação de Origem?

A Denominação de Origem (DO) é um selo de qualidade que identifica produtos originários de uma região específica e que possuem características singulares e diferenciadas, resultado de fatores geográficos, climáticos e culturais. No caso dos cafés da Região do Cerrado Mineiro, essa certificação garante que o produto foi cultivado e processado na área correspondente a 55 municípios e por um dos 4,5 mil produtores que seguiram padrões de qualidade e sustentabilidade, além de  garantir a rastreabilidade.

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia

Cafezal

Nestlé lança nova variedade de café arábica no Brasil

A partir de métodos tradicionais de melhoramento genético, cientistas da Nestlé desenvolveram a star 4, uma nova variedade de café arábica de alto rendimento, “substancialmente superior ao das variedades mais utilizadas”, segundo Jeroen Dijkman, head do Instituto de Ciências Agrícolas da Nestlé.

A nova variedade, de acordo com a multinacional, vem na esteira de mitigar o impacto das mudanças climáticas na cadeia de fornecimento do café, com emissões menores de gases do efeito estufa oriundos do cultivo do grão – segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change, em inglês, ou IPPC), a área para o cultivo de arábica pode ser reduzida em mais de 50% até 2050.

Além disso, a star 4, que já está registrada, é resistente à ferrugem – doença foliar causada por fungos que ameaça as lavouras de café –, e tem grãos maiores. Segundo a empresa, o alto rendimento também contribui para práticas agrícolas mais sustentáveis. A variedade foi desenvolvida em São Paulo e em Minas Gerais, em parceria com a Fundação Procafé. A nova variedade tem, de acordo com a empresa, “sabor característico do café brasileiro”.

Além do desenvolvimento da star 4, a Nestlé desenvolveu, recentemente, duas variedades de canéfora (roubi 1 e roubi 2), que estão sendo lançadas no México.

Em 2022, a multinacional lançou um Quadro de Agricultura Regenerativa, como apoio para alcançar sua meta de sustentabilidade líquida zero até 2050. No mesmo ano, lançou, ainda, seu Plano Nescafé, ao custo de US$ 1 bilhão, com iniciativas para melhorar a sustentabilidade no cultivo de café e auxiliar agricultores na transição para práticas de agricultura regenerativa até 2030.

TEXTO Fonte: Nestlé, ESG Today • FOTO Jéssica Luisa

Cafezal

Região de Garça: a nova origem do café paulista

O que tem de especial nos grãos de Garça, um dos 15 municípios do centro-oeste paulista que pertence à mais recente Indicação Geográfica do estado, conquistada em 2022

Escultura na entrada de Garça

O ônibus vai se aproximando de Garça e, pela janela, é possível ver os pés de café à beira da estrada. Ao chegar à cidade, as placas já anunciam: “compro café verde”, “vendem-se mudas de café”. Na rotatória, há uma escultura de um trabalhador rural abanando o café na peneira – sinal da sua tradição na produção do grão.

Pelas ruas, muitos caminhões enfileiram-se nos vários armazéns. Eles aguardam para ser carregados de sacas do café, que, antes, era transportado pela estrada de ferro da Linha Tronco Oeste da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF). Por vezes, os trens saíam diretamente do armazém da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para seus destinos. O armazém funciona até hoje, com os trilhos aposentados, e guarda sacas de mais de 60 anos.

Armazém da Conab

A região de Garça é uma das mais recentes das 15 Indicações Geográficas de café do Brasil. A IG, de 2022, abarca 15 municípios do oeste paulista. Um dos maiores polos cafeeiros e de tecnologia (não só) agrícola do estado, Garça vem investindo, cada vez mais, na qualidade de seus cafés.

“Todo lugar planta café bom e café para commodity, a questão é qual o foco que se escolhe trabalhar”, diz Cassiano Tosta, produtor e presidente da Associação dos Cafés Especiais de Garça. Hoje, cerca de 30% do que se colhe na região são cafés especiais, fruto do incentivo trazido pela IG. Desde então, a ideia é identificar as oportunidades para o próximo passo, que é o reconhecimento de características únicas para o pedido de uma Denominação de Origem.

A IG Região de Garça, que é uma Indicação de Procedência, aponta que aquele local tem ligações históricas, vocação para o ofício e que se tornou conhecido como centro de produção de café. A conquista foi possível graças à união de um grupo de produtores, por meio do Conselho do Café da Região de Garça (Congarça), que enxergou que o grão da região merecia ter maior valor agregado. O trabalho com a cadeia produtiva começou a ganhar corpo em 2018, com concursos de qualidade e educação profissional.

Eles estavam certos. Alguns dos cafés inscritos no concurso e avaliados por juízes da Associação Brasileira de Classificadores e Degustadores (ABCD) atingiram 89 pontos. O pedido de IG foi protocolado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2020 e concedido em novembro de 2022. “Agora estamos na fase de capacitar e conceder os selos aos que estão aptos a usá-lo”, explica Tamis Lustri, presidente do Congarça.

Nada mais justo para uma região que tem até uma cidade chamada Cafelândia entre suas localidades, e que teve a primeira cooperativa nacional de produtores a exportar o grão, a Garcafé (as atividades estão suspensas, com planos de retomada nos próximos anos). Já Garça, município que concentra a organização regional e fica a 405 km da capital do estado, tem pouco mais de 44 mil habitantes e café nas artérias e no seu DNA. Prestes a completar cem anos de fundação, a cidade nasceu como povoado com a expansão da cafeicultura para o centro-oeste paulista no fim do século XIX.Foi em Garça que a Espresso conheceu um pouco mais sobre os diferentes modos de trabalhar em busca da qualidade e da identidade da produção local.

Tecnologia e serviços

Além do café – ou por causa dele –, a região é um polo tecnológico no estado de São Paulo. Uma das gigantes do ramo de automação, por exemplo, é de Garça, a PPA. Também é de lá, da cidade de Pompeia, a Jacto, fabricante de maquinário agrícola que revolucionou as lavouras no início dos anos 1980 com a colheitadeira de café que, em terrenos planos ou com pouca inclinação como os do planalto local, substituiu a mão de obra de 30 a 40 pessoas.

Os tubetes para mudas também são crias da região, que agora os utiliza para mudas francas (a partir de uma única cultivar) e enxertadas. A enxertia de robustas nos arábicas é uma das inovações das lavouras locais.

“Na parte de baixo, como cavalo, usamos uma base de robusta, e, na parte de cima, colocamos as cultivares de arábica”, explica Gabriel Correa, do Viveiro Alta Paulista, que produz exclusivamente mudas de café. O processo é delicado e feito a mão com uso de lâminas de barbear para abrir, no “caule” do robusta, a fenda que receberá o arábica.

Viveiro Alta Paulista

Não há interferência do robusta no sensorial dos grãos arábica, mas a planta, por ter 50% a mais de raízes, é mais resistente a estresses hídricos e a pragas como os nematoides. O resultado, que muitos cafeicultores já atestam, é de um aumento de 50% na produção em relação à muda franca já no primeiro ano.

Na outra ponta, a cidade também tem quem invista na qualidade da armazenagem do café verde, como José Olavo Boechat, da Garça Armazéns. “Meu avô era viveirista de mudas, minha família também é produtora e investimos nesse serviço”, conta Boechat. “Trouxemos um Q-Grader e temos um departamento de rebeneficiamento e de qualidade, pois é uma questão de confiança guardar o café dos outros”, detalha. O galpão, com capacidade para 35 mil sacas, tem atualmente 50 produtores entre os clientes e fica em uma ampla avenida da cidade. O Garça Armazéns chama atenção pelo grafite nas paredes externas, que homenageia a cadeia produtiva do café.

Garça Armazéns

Meio ambiente

A Fazenda Figueira Agroflorestal está na mesma família há quatro gerações e, desde 2018, passa por um processo que enxerga não só café, mas todo um ecossistema que precisa estar em harmonia. A proposta de cultivar café em sistema de agrofloresta vem do casal Larissa Cirillo de Rezende Barbosa e Marcelo de Rezende Barbosa, que busca aplicar os conceitos de sintropia, permacultura e agricultura orgânica e biodinâmica na região.

“Estamos plantando o café consorciado com pupunha e mandioca e sombreado por madeira nativa”, explica Marcelo, que também produz plântulas (embrião que resultará na muda) de espécies nativas e sabe que é preciso tempo e dedicação para obter resultados.

Na busca pela sustentabilidade e vivendo ao lado de uma área de reserva ambiental de mata atlântica de planalto, eles têm em sua propriedade uma zona tampão de proteção para a fauna e a flora locais. Esse convívio é fundamental para preservar as nascentes e a água na região, e para que o café possa integrar-se e se adaptar da melhor forma possível aos efeitos da crise climática.

Campo novo

Em 2014, o pai de Cassiano Tosta estava decidido a vender o sítio da família, onde produzia café desde a década de 1970. Morando e trabalhando com comunicação em São Paulo, Cassiano não concordou com a ideia e resolveu, literalmente, mudar sua atividade para outro campo.

Logo de cara resolveu investir nos cafés especiais e suas possibilidades. “Sempre fui apaixonado por café, ficava tomando em casa e fazendo experiências com canela, casca de laranja… aí, voltei pra minha cidade natal e fui estudar”, recorda.

Cassiano anexou outro sítio à propriedade e, hoje em dia, é um pequeno produtor com 14 hectares de café, que geram 30% de grãos especiais que ele processa, torra e comercializa com a marca Café Alta Paulista. Lá, ele investe nas mudas enxertadas, no pós-colheita e em tudo que possa melhorar a qualidade da bebida na xícara. Como presidente da Associação de Cafés Especiais de Garça e membro do Congarça, Cassiano trabalha pela capacitação de toda a cadeia e pela divulgação da região.

As colheitas têm sido boas: os cafés de sua família já ganharam e ficam sempre bem colocados no concurso local, criado em 2018. No ano passado, ficaram em terceiro lugar no 22o Concurso Estadual de Qualidade do Café, com grãos de 89 pontos.

Produtividade

As linhas dos cafeeiros desenham o horizonte a perder de vista. É deles que Albino Moreira Alves tira uma produtividade de 50 a 60 sacas de café por hectare. Isso é possível graças ao investimento na mecanização, na tecnologia e no manejo: hoje, ele e dois funcionários cuidam dos 80 hectares plantados.

Albino é engenheiro de formação, trabalhava com fibra óptica, mas, assim como Cassiano, resolveu voltar às origens: doze anos atrás, comprou a fazenda e investiu na cafeicultura. “Meus pais eram lavradores e arrendavam terras nessa região”, conta.

Todos os processos são mecanizados, com 100% das lavouras irrigadas e adubação de liberação lenta. A escolha de cultivares distintos permite obter colheitas recentes, medianas e tardias. Todo o processamento é feito na fazenda e os cafés de Albino venceram quatro das seis edições do concurso local, além de boas colocações no estadual.

IG Região de Garça em números e fatos

  • 25 mil ha cultivados
  • 800 unidades produtoras
  • 400 famílias produtoras
  • 15 cidades: Álvaro de Carvalho, Alvinlândia, Cafelândia, Duartina, Fernão, Gália, Garça, Guarantã, Júlio Mesquita, Lucianópolis, Lupércio, Marília, Ocauçu, Pirajuí e Vera Cruz
  • 600 mil sacas/ano, em média
  • 650 m de altitude, em média (Planalto de Marília e Serra dos Agudos)
  • Temperatura entre 17,8°C e 18,5°C
  • Já exportou café para 32 países
  • 1052 nascentes (bacias do Rio do Peixe e do Rio Aguapeí)
  • Cultivares principais: icatu amarelo, ouro verde, mundo novo
  • Características principais na xícara: café encorpado, com acidez equilibrada, doçura natural com notas de chocolate, caramelo, frutadas e cítricas

As 15 IGs de café do Brasil

Matas de Rondônia*, Oeste da Bahia, Região do Cerrado Mineiro*, Mantiqueira de Minas*, Matas de Minas, Campo das Vertentes, Canastra*, Sudoeste de Minas, Região de Pinhal, Montanhas do Espírito Santo*, Espírito Santo, Caparaó*, Alta Mogiana, Região de Garça, Norte Pioneiro do Paraná.

*Denominação de Origem (DO). Fonte: INPI

Texto originalmente publicado na edição #83 (março, abril e maio de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cintia Marcucci • FOTO Agência Ophelia

Cafezal

Cafés especiais de mulheres do Norte Pioneiro do PR são expostos no Chile

Neste ano, os participantes da Expo Café Chile, feira realizada na capital Santiago, terão a oportunidade de provar os cafés especiais produzidos por mulheres do Norte Pioneiro do Paraná. Os grãos com Indicação Geográfica (IG) estarão disponíveis entre os dias 13 e 14 de julho, no estande da Embaixada do Brasil.

Uma das marcas presentes será a Branca Flor, de Pinhalão, comandada por Rafaela Mazzottini Silva. “Fico agradecida pela oportunidade de levar o café do Norte Pioneiro para fora do país”, comemorou. Para a ocasião, a produtora levará embalagens personalizadas que contam a sua história na cafeicultura. “A IG tem uma importância enorme e acrescentou muito na propriedade e nas nossas vidas”, conta. 

A cafeicultora Rafaela Mazzottini Silva vai representar as mulheres do distrito Lavrinha, de Pinhalão – Foto: Arthur Guerino

Claudionira Inocência de Souza, cafeicultora e coordenadora do grupo das mulheres do café de Matão, em Tomazina, vai acompanhar Rafaela na feira. Ela conta que o projeto Mulheres do Café começou em 2013, no Norte Pioneiro do Paraná. Hoje, a Região concentra em torno de 150 cafeicultoras, que têm acesso a cursos, oficinas e capacitações pelo Sebrae/PR, além de assistência técnica do IDR-Paraná. 

Formalizada em 2010, a associação de cafeicultores do Matão, que até então era formada apenas por homens, ganhou mais um “P” a partir de 2014, e se tornou a Associação de Produtores e Produtoras de Cafés Especiais do Matão (Approcem) com a chegada das mulheres.

“As pessoas não sabem o tamanho da importância daquele ‘P’ nas nossas vidas”, afirma Claudionira, que por quatro anos também foi presidente da Associação das Mulheres do Café do Norte Pioneiro (Amucafé). “Já havia um trabalho muito bom dos homens e não foi difícil, para nós, trabalharmos com cafés especiais. Tivemos ajuda da família e construímos um grupo forte, com visibilidade. As mulheres chegaram para somar”.

Claudionira de Souza diz que as mulheres chegaram para somar na cafeicultura do norte pioneiro do Paraná

Ela conta que a maioria dos cafés especiais, na forma crua, é exportada para a Europa e Austrália. Durante o ano, as propriedades recebem de cinco a seis visitas de compradores do exterior. Agora, com a oportunidade aberta a partir da Expo Café Chile, a expectativa é conseguir um novo parceiro comercial. “Somos da agricultura familiar. Não éramos reconhecidas e valorizadas. Hoje, ter esse reconhecimento é bom demais. Faz muita diferença em nossas vidas, famílias e para o norte pioneiro”, agradece a cafeicultora.

Para Odemir Capello, consultor do Sebrae/PR, a participação no evento representa uma oportunidade de levar os cafés com IG do Norte Pioneiro para mais um país e, ao mesmo tempo, valorizar o trabalho das mulheres cafeicultoras da região. “A IG cumpre o seu papel de gerar desenvolvimento e dar visibilidade para o norte pioneiro, atraindo compradores do Brasil e do exterior”, acrescenta. Além dos cafés do Norte Pioneiro do Paraná, estarão representados, no estande brasileiro, grãos de São Paulo, Minas Gerais e Rondônia. 

TEXTO Redação