Trump, a COP 16 e a virtude da ignorância

Comecei a escrever este artigo em Cali, na Colômbia, onde, durante as últimas semanas, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade – a COP 16. A sede foi escolhida depois da desistência da Turquia em sediar o evento, em julho de 2023. 

O tema é relevante para o produtor de café, pois a Colômbia é o terceiro colocado mundial em biodiversidade e na produção de café. Nos dois casos, um dos únicos países a estar à frente dos colombianos é o Brasil. 

Neste ranking geral de biodiversidade, elaborado pela organização norte-americana Conservation International, dezessete países no mundo podem ser considerados megadiversos. Destes, nada menos do que oito são produtores relevantes de café, e outros cinco foram produtores relevantes no passado e ainda produzem café em menor quantidade.

Os cafeicultores já sabem que produzem um dos cultivos mais amigáveis ao clima, mesmo quando se avalia o impacto ambiental total da cadeia. Esse cultivo (o café) é ainda mais amigável quando feito em baixa intensidade, em sistemas agroflorestais e com uso mínimo de produtos químicos. Por mais que esta não seja (e nem há meios de ser) a realidade do produtor brasileiro, é a realidade da imensa maioria de produtores de café no restante do mundo. 

Portanto, a valorização da sustentabilidade ambiental nas cadeias agrícolas tende a penalizar cultivos agressivos e a premiar cultivos amigáveis, como o café. Principalmente o café brasileiro, que, apesar de tudo e de todos, ainda é mais amigável do que a maioria das outras cadeias agrícolas no mundo, como por exemplo, o cultivo de cereais nos Estados Unidos.

Nestas últimas semanas, seria de se esperar que o produtor brasileiro estivesse atento ao desfecho da conferência internacional na Colômbia e às eleições norte-americanas. Seria natural que houvesse uma grande torcida por medidas ambientais arrojadas, no desfecho da COP16, que favorecessem o produtor de café, e que, igualmente, houvesse uma vitória do campo político norte-americano que favorecesse as exportações para o maior comprador de café do mundo.

Pouco ou nada disso aconteceu. O café ainda não foi considerado o protagonista que é na preservação da biodiversidade. Nos Estados Unidos, venceu o campo político que tende a implementar péssimas medidas para o produtor agrícola. E, no final das contas, tampouco houve o engajamento merecido por parte do setor produtivo.

Por mais que ainda seja cedo para avaliar os impactos de um segundo mandato de Donald Trump para os EUA com relação ao comércio do café ou de qualquer outro produto agrícola, alguns alertas são, evidentemente, negativos. E eles contrastam com o otimismo e a euforia dos produtores, políticos e organizações aqui do interior de Minas, de onde eu continuo a  escrever este artigo.

Em 2024, Trump fez várias promessas muito parecidas com as de 2016, porém mais radicais. Algumas delas foram totalmente esquecidas durante o primeiro mandato, seja por inviabilidade política, seja porque se tratava de mero discurso de campanha. 

Vale nos concentrarmos, agora, naquelas que foram de certo modo cumpridas ou que podem impactar o produtor de café brasileiro: medidas protecionistas, redução de impostos, deportação em massa, suspensão de incentivos à economia verde e controle ideológico dos departamentos de saúde e de agricultura.

As medidas protecionistas devem afetar o Brasil em campos onde somos concorrentes dos produtos de lá, como aviões, peças e produtos agrícolas, como soja, milho, algodão, etanol e suco de laranja. Porém, medidas protetivas geram pressão inflacionária, pois originam menor disponibilidade de produtos em um setor produtivo que já tem um preço, muitas vezes, pouco competitivo. 

Mas o cenário pode ser ainda pior, pois o país vive um desemprego historicamente baixo. Se medidas protetivas forem adotadas conjuntamente às que restringem a mão de obra (como, por exemplo, dificultar a entrega de vistos de trabalho e deportar em massa), os EUA passariam a viver em um território desconhecido. 

Outra bandeira de campanha – a reforma tributária com redução expressiva de impostos a empresas e indivíduos de alta renda – adicionaria ingredientes extras a uma mistura que já é explosiva.

Por fim, temos ainda duas medidas que foram citadas frequentemente no discurso de Trump, mas que não são tão centrais como as que acabei de me referir: a retirada de incentivos a setores da economia verde e o controle ideológico dos dados emitidos pelo governo norte-americano. 

Robert F. Kennedy foi um dos concorrentes à Casa Branca este ano, até que se retirou da disputa e anunciou apoio a Donald Trump. Na última semana de outubro, Kennedy afirmou que recebeu a promessa de controlar instituições, como os departamentos de saúde e de agricultura, em um eventual governo Trump. Kennedy seria do núcleo ideológico do governo – entre outras coisas, negou a pandemia de Covid e a eficácia de vacinas. Caso controle o departamento de agricultura, controlará, também, as estatísticas elaboradas pelo USDA. Entre elas estão os dados sobre consumo e importação de café nos EUA, que acabam sendo os fundamentos mais importantes na avaliação da produção e no preço pago ao produtor na bolsa de Nova Iorque. 

Fazendo parte de um governo ultraconservador e nacionalista, as chances de que as estatíscas futuras sejam favoráreis aos países produtores de café são risíveis.  

Portanto, estamos diante de um governo que promete repetir ações que já foram implementadas no passado, resultando em um aumento relevante da inflação e na queda no poder de compra do cidadão médio dos EUA. Menos poder de compra implica menor consumo de bens e serviços – como o café propriamente dito ou o café fora de casa. Suspensão de incentivos a produtos de baixa emissão de carbono implica uma ainda menor possibilidade de renda extra aos cafeicultores, que deveriam vir a ser pagas pelos serviços ambientais prestados. Controles ideológicos e pouco técnicos dos números de produção e consumo de café envolvem uma oportunidade, para a indústria e compradores americanos, em manipular e especular o preço e a produção de café. 

Absolutamente nenhuma destas medidas traz ganhos ao produtor rural brasileiro, especialmente o de café, nem deve ser motivo de comemoração para eles. Todas elas são prejudiciais ao consumidor final de lá e benéficas apenas aos grandes importadores e comerciantes de café. Mesmo assim, existe um alinhamento ideológico automático e, porque não dizer, uma paixão pela figura de Donald Trump nos campos brasileiros e nas zonas rurais norte-americanas. 

Em um dos atos dedicados à campanha de Kamala Harris, o ex-presidente Barack Obama ressaltou algumas falas, nas quais Trump dizia se orgulhar da própria ignorância. Obama argumentou que a ignorância não deveria ser nunca um motivo de orgulho de ninguém. Nem para quem não consegue entender os fatos, nem para quem se recusa a vê-los como são. 

Exemplificando em bom português, temos o velho ditado de que o pior cego é o que não quer ver. Se existe alguém que não é cego e nem ignorante nesta história é Donald Trump. Melhor para ele, e pior para quem não quer ver.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Paiva • FOTO Agência Ophelia

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Universidade Cornell e World Coffee Research anunciam parceria de cinco anos

Programa irá concentrar-se no desenvolvimento de variedades de café resilientes e de alta qualidade para impulsionar a produtividade e os meios de subsistência entre cafeicultores 

A Universidade Cornell, em Nova York, e o World Coffee Research (WCR) acabam de lançar uma nova iniciativa para melhorar a resiliência climática e a produtividade entre pequenos produtores de café ao redor do mundo.

O Coffee Improvement Program tem duração de cinco anos e conta com o apoio de mais de US$ 5 milhões da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O programa é liderado pelo Innovation Lab for Crop Improvement (Laboratório de Inovação para Melhoria de Culturas) da Cornell.

Em um comunicado à imprensa, as instituições afirmaram que o programa vai desenvolver ferramentas para aumentar a precisão e a velocidade do melhoramento genético do café. O objetivo principal é identificar marcadores genéticos para a ferrugem (Hemileia vastatrix) e a antracnose, ambas grandes ameaças para a produtividade do café.

De acordo com o WCR, mais de 12 milhões de pequenos cafeicultores no mundo produzem, atualmente, 60% do café consumido globalmente. No entanto, esses produtores enfrentam riscos crescentes devido às mudanças climáticas e lidam com desafios adicionais para a rentabilidade e o crescimento da produtividade devido à limitação de acesso à inovação agrícola.

“O café é parte integrante da economia global. Garantir a resiliência dos pequenos produtores de café é essencial tanto para as economias locais quanto para as cadeias de suprimento globais. Esta colaboração com a Cornell irá acelerar o desenvolvimento da próxima geração de variedades de café, beneficiando tanto os pequenos produtores quanto a indústria cafeeira”, disse Vern Long, CEO do WCR.

O ILCI da Cornell foi estabelecido em 2019 com uma doação inicial de US$ 25 milhões da USAID. Em outubro de 2024, o departamento de pesquisa recebeu uma segunda doação de cinco anos no valor de US$ 25 milhões da USAID para apoiar programas de melhoria de culturas voltados para a demanda em regiões-chave do mundo.

TEXTO Redação / Fonte: Allegra World Coffee Portal

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Cafés do Cerrado Mineiro e da Mantiqueira de Minas destacam-se no Cup of Excellence 2024

No último sábado (2), o Cup of Excellence realizou a cerimônia de premiação da edição de 2024. Minas Gerais foi o grande destaque e levou os primeiros lugares das três categorias (via úmida, via seca e experimental). Clique aqui para conferir a lista dos vencedores.

O produtor Vitor Marcelo Queiroz Barbosa, da Fazenda Sobro e Bonito de Cima, de Coromandel, no Cerrado Mineiro, foi o vencedor da categoria via úmida, com 91.93 pontos. Ele foi seguido por Flávio Marcio Ferreira da Silva, da Fazenda Olhos D’Água, de Campos Altos, também no Cerrado Mineiro, com 90.89 pontos.

Na categoria via seca, o ganhador de 2024 foi Ronaldo da Silva, do Sítio Santa Luzia, de Cristina, Mantiqueira de Minas, com 92.32 pontos. O segundo lugar ficou com o grupo da Fazenda Sertãozinho com a Fazenda Rainha, de São Sebastião da Grama, na Região Vulcânica, com 91.89 pontos.

Já o Grupo Bioma Café levou a melhor na categoria experimental, com um café de 93.14 pontos da M&F Coffee, de Campos Altos, no Cerrado Mineiro. Na sequência ficou a produtora Carmen Lydia Junqueira Puliti Meirelles, da Fazenda Santa Rita do Xicao, de São Gonçalo do Sapucaí, Mantiqueira de Minas, com 91 pontos.

A competição também teve cafés eleitos “vencedores nacionais”, que consistem em lotes selecionados para a fase internacional, mas que ficaram abaixo dos 30 primeiros colocados.

TEXTO Redação

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Coffee of the Year 2024 divulga lista das 180 amostras finalistas

Foi divulgada a lista dos finalistas do Coffee of the Year 2024 e as rodadas de cupping. Nesta fase do concurso são selecionados os 180 produtores mais bem pontuados pelos Q-Graders e R-Graders da comissão avaliadora: 150 da categoria arábica e 30 de canéfora. Clique aqui e confira os nomes.

Oportunidade para produtores e compradores se conectarem, estas 180 melhores amostras classificadas participam de rodadas de cuppings durante os três dias de Semana Internacional do Café, que este ano acontece de 20 a 22 de novembro, em Belo Horizonte (MG). É importante que o produtor esteja presente na rodada de sua amostra, pois é neste momento que compradores de diversas partes do Brasil e do mundo provam os cafés classificados e surgem oportunidades de negócio.

Além dos cuppings, os 10 primeiros cafés de arábica e os 5 primeiros de canéfora ficarão disponíveis para voto popular em garrafas térmicas codificadas, ou seja, os visitantes da SIC poderão prová-los e votar no favorito de cada categoria.

Os campeões do COY 2024 e a ordem final entre os finalistas serão conhecidos em cerimônia de premiação no último dia de SIC, às 15h, no Grande Auditório.

Serviço
Semana Internacional do Café 2024
Onde: Expominas – Av. Amazonas, 6.200, Gameleira, Belo Horizonte (MG)
Quando: 20 a 22 de novembro, das 10h às 19h
Quanto: R$ 70 (pessoa física, para os três dias). Grátis para pessoas jurídicas, produtores e visitantes internacionais
Mais informações e credenciamento: www.semanainternacionaldocafe.com.br

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

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1º leilão do Prêmio Chapada de Minas tem lance de R$ 5.500 em café campeão

A Região da Chapada de Minas premiou seus melhores cafés na noite de ontem (24), com a realização do Prêmio Chapada de Minas. A convite do Sebrae-MG, a Espresso acompanhou de perto a cerimônia em Capelinha (MG). A edição reuniu 73 amostras, divididas nas categorias natural, natural microlote e cereja descascado, e contou com a 1ª edição do leilão dos cafés campeões, que trouxe compradores de diferentes lugares do país.

Na categoria natural, o primeiro lugar foi para Rodrigo Crimaldo Mendes, da Fazenda Sequóia, com grãos de amarelão – variedade descoberta na própria Chapada de Minas – que alcançaram 89,06 pontos. A sequência foi composta por Ronaldo Morais Pena Filho, da Fazenda Primavera, em segundo, e por Sérgio Meirelles Filho, da Fazenda Alvorada, em terceiro. O café de Rodrigo foi arrematado pela 3corações, por R$ 5.200. Já o café de Sérgio foi vendido por R$ 4.600 para a Sabino Torrefação (SP).

Vencedores da categoria natural

Novidade este ano, a categoria microlote abrange cafés naturais de até 20 hectares. O vencedor foi o catuaí de 87,31 pontos do produtor Tarcísio Costa Barbosa, da Fazenda Mamoeiro. Ele foi seguido por José Cunha Fernandes, da Fazenda Brejo da Cunha, em segundo, e por Gilson Pereira da Silva, da Fazenda ODA, em terceiro. O café campeão foi arrematado pela torrefação paraense Alquimista – Bebidas Especiais, por R$ 4.600. A 3corações foi quem levou o segundo melhor café da categoria, por R$ 3.700, enquanto que o terceiro colocado foi comercializado por R$ 3.100 para a carioca Café Ao Leu.

Vencedores da categoria microlotes naturais

A Fazenda Primavera e a Fazenda Sequóia levaram mais um pódio na noite, consagrando-se, respectivamente, campeã e vice-campeã na categoria cereja descascado. O terceiro lugar foi para Matheus Lettieri Junqueira, da Fazenda Riviera. O café vencedor da Fazenda Primavera, da variedade gesha, de 89,38 pontos, foi o que recebeu o maior lance da noite: R$ 5.500, dado pela torrefação Torra Fresca, de Mococa (SP). O segundo lugar foi vendido por R$ 3.800 para a 3corações, e o terceiro foi comercializado por R$ 3.400.

Vencedores da categoria cereja descascado

A 3ª edição do Prêmio Chapada de Minas é uma realização da Região Chapada de Minas e do Sebrae, com patrocínio do Sicoob Credijequitinhonha e apoio do Sistema Faemg/Senar.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Sebrae/Marlon Fernandes

O que nos une é maior do que o que nos separa – o dilema dos jovens cafeicultores de Antióquia

Em um artigo passado, comentei sobre a semelhança de Medellín, capital do departamento de Antióquia, na Colômbia, com Belo Horizonte, capital mineira. Se as semelhanças entre as duas cidades não é difícil de notar para quem as conhece, a mesma lógica se mantém ao compararmos Antióquia e Minas Gerais.

Antióquia é o segundo departamento (equivalente aos nossos estados) mais povoado da Colômbia. Também é o segundo mais rico e um dos motores da independência colombiana. Foi ali que nasceu José Maria Córdova, uma das figuras mais atuantes para a independência da Gran-Colômbia, o que torna a comparação com Tiradentes óbvia.

O título desta coluna reflete uma frase comumente dita quando rivais se unem em prol de um bem maior. Desde a aliança das ex-colônias espanholas para a libertação até a ação de jogadores de times rivais que se unem para defender Los Cafeteros, como é chamada a seleção nacional colombiana.

Não seria difícil ouvir de algum cafeicultor brasileiro que o maior, ou segundo maior, rival brasileiro neste campo seria justamente o cafeteiro, de ofício, colombiano. Mas será que dentro do universo do café podemos dizer aos colombianos que o que nos une é maior do que o que nos separa?

Durante a Colombia Coffee Expo, realizada em Bogotá entre 2 e 5 de outubro, vários temas relevantes ao cafeicultor colombiano foram levantados, de tratos culturais, passando por mudanças climáticas e preços no mercado externo até o problema dos jovens colombianos em continuar na zona rural e manter o ofício dos pais.

A Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia (FNC) promoveu uma ampla pesquisa com os produtores de café com menos de 30 anos para entender os problemas, na visão deles próprios, que o campo colombiano enfrenta e quais as razões principais para ficar ou deixar a produção. A pesquisa foi coordenada pelo diretor de desenvolvimento social, Guillermo Arcila, e contou com entrevistas em campo com centenas de cafeicultores abaixo dos 35 anos. Os resultados foram apresentados, no evento, por Valeria Ríos e Juan Vélez.

O que se constatou foram quatro problemas principais: falta de estrutura, falta de renda adequada, dificuldade de inovar e de fazer parte de decisões importantes.

Com relação à falta de estrutura, as queixas baseiam-se na falta de estrutura privada e, também, pública. A iniciativa privada colombiana não investe ou não quer investir em estruturas básicas, como internet, e itens relacionados à qualidade de vida, educação e lazer. Os jovens entendem que, para exportar café e agregar valor, precisam ter bom inglês – mas geralmente não existem escolas de inglês em um raio de até uma hora de suas casas. 

Até mesmo o futebol foi apontado como um fator de desinteresse para a cultura do café, já que aqueles que pretendem estabelecer-se no campo não poderão dar aos filhos a oportunidade de jogar em uma escolinha, e nem eles próprios terão como manter o tradicional futebol do fim de semana – os que vivem ali são poucos e já se sentem velhos para jogar. Não tem mais time. Junte-se a isso o preço alto do maquinário, a falta de peças de reposição, a escassa assistência técnica para repor os itens defeituosos e a falta de um melhor treinamento quanto ao funcionamento das máquinas. 

Mas é claro que as queixas também recaem sobre o poder público, que não oferece rodovias adequadas e que, muitas vezes, oferece serviços de luz e água precários.

Quanto à renda, a queixa é muito similar à brasileira. Preços baixos, dificuldade de manter o café armazenado para esperar o melhor preço, excesso de intermediários e grande volatilidade do mercado são apenas alguns dos exemplos que fazem o jovem cafeicultor desistir ou, muitas vezes, nem sequer tentar a vida no campo.

Por último, as dificuldades na inovação e na tomada de decisões. É inerente ao jovem de praticamente qualquer lugar do mundo ter maior abertura ao e desejo do novo. No café não é diferente. Mas como inovar com todos os desafios citados? A resposta vem por meio da qualidade do grão e do seu valor agregado. Mas passa, também, por outras iniciativas, como o turismo e a oferta de experiências no campo para pessoas urbanas. 

Em termos de qualidade, a saída foi melhorar os processos de produção e promover a marca própria como expressão do próprio estilo. O nome, o rótulo e a marca podem parecer etapas protocolares no lançamento de um produto. Mas são, talvez, a única forma de o cafeicultor mandar sua mensagem ao mundo expondo o seu estilo. Nos tempos de influenciadores e brigas por likes, esquece-se que muitos ainda sonham com uma internet adequada.

E mesmo que o tenham, a mensagem enviada através de um rótulo e de um trabalho por trás de um pacote de café torrado tende a ser infinitamente mais profunda do que um story de quinze segundos. Portanto, quando o assunto é o cafeicultor, o que nos une é muito maior do que o que nos separa. A questão é a percepção da unidade na diferença, e a cooperação apesar da distância.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Paiva

Mercado

SIC 2024 discute clima, ciência e novos consumidores

 

Reunindo questões candentes no cenário cafeeiro atual, este ano da Semana Internacional do Café – SIC privilegia o clima, a ciência e os novos consumidores como pauta de discussões durante os dias 20 e 22 de novembro no Expominas, em Belo Horizonte.

Em sua 12ª edição, a SIC, um dos maiores e mais importantes eventos do mercado cafeeiro do Brasil e do mundo, espera receber 20 mil pessoas, de 40 países, para assistir a painéis, palestras e workshops em torno do tema “Como o clima, a ciência e os novos consumidores estão moldando o futuro do café”, além de movimentar cerca de 60 milhões de reais em negócios.

Para discutir os atuais desafios do setor estarão presentes Márcio Ferreira, CEO da Tristão e Valéria Pardal, diretora-executiva de cafés da Nestlé Brasil, no primeiro dia do evento, no DNA Café, espaço dedicado à paineis e palestras sobre tendências, desafios e ações para o futuro do café (com tradução simultânea para o inglês).

Soluções verdes para mitigar os impactos climáticos é tema de outro painel, no mesmo espaço, conduzido pelo engenheiro agrônomo José Donizeti Alves, professor titular da Ufla (Universidade Federal de Lavras), e pelo especialista em transição verde Daniel Vargas, da Fundação Getúlio Vargas – RJ.

O segundo dia da SIC tem como um dos destaques os trabalhos desenvolvidos no Fórum da Cafeicultura Sustentável, criado em 2014 para discutir práticas, inovações e desafios relacionados à sustentabilidade na cafeicultura. Este ano, o fórum abre com um painel sobre os desafios e oportunidades da EUDR (Regulamento de Desflorestação da União Europeia), integrado por Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Expositores de Café do Brasil), Adriana Mejía Cuartas, presidente do Conselho da Plataforma Global do Café (GCP) e Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Revolução Verde e discussões sobre agricultura regenerativa também encontram lugar no segundo dia do fórum, que discute, ainda, os avanços científicos na cafeicultura no painel “A força da ciência nas questões de clima, solo, variedades e consumo” (confira mais detalhes da programação no site da SIC)

Na cafeteria modelo, um ponto de encontro já tradicional entre baristas e outros profissionais do setor com o público, a programação segue intensa. Palestras sobre os novos protocolos ABIC para cafés torrados e CVA (Avaliação de Valor do Café, em português) da SCA, programado para entrar em vigor em 2025, dividem as atenções com temas como a influência da água no perfil de cafés e cafés infusionados, além do painel sobre “Diversidade, equidade, inclusão e pertencimento (DEIP) como impacto de ESG na xícara”.

Com objetivo de conectar e gerar oportunidades para toda a cadeia do café brasileiro no acesso a mercados e negócios, a programação da SIC abriga, também, campeonatos, degustações e premiações importantes, além de uma feira com mais de 170 expositores.

O já conhecido Concurso Florada Premiada, iniciativa do Grupo 3corações em parceria com a BSCA, acontece, como de praxe, no último dia SIC. O concurso, que busca dar visibilidade ao trabalho de cafeicultoras mulheres e oferecer acesso às melhores práticas na produção de cafés especiais, é coordenado pelo especialista em qualidade de cafés Silvio Leite, e já impactou mais de 4 mil famílias de mulheres cafeicultoras.

Também fechando o evento acontece a final do Campeonato Brasileiro de Barista 2024, cujo campeão entre os seis semifinalistas irá representar o Brasil no campeonato mundial em 2025 em Milão, na Itália.

“A SIC estabeleceu-se como a principal plataforma para a promoção, acesso a mercados, e negócios do café brasileiro”, diz Caio Alonso, diretor da Espresso&CO, um dos realizadores do evento. “A SIC é um importante evento para aproximar os produtores rurais, grandes responsáveis por essa liderança, e os demais elos do setor”, reforça Antônio de Salvo, presidente do Sistema Faemg Senar, uma das entidades realizadoras do evento.

O evento é gratuito para produtores rurais, empresas da área (visitantes com CNPJ) e visitantes internacionais. O ingresso para outros visitantes custa R$ 70 para os três dias, e pode ser adquirido no site.

12ª Semana Internacional do Café – SIC
Quando: 20, 21 e 22 de novembro de 2024, das 10h às 19h
Onde: Expominas – Av. Amazonas, 6.200, Gameleira, Belo Horizonte, MG
Quanto: R$ 70 (para os três dias). Visitante com CNPJ, produtor rural e visitante internacional tem entrada gratuita.

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Cafezal

Provamos 6 cafés exóticos do banco de germoplasma do IAC

O que são cafés exóticos? Para explicá-los (e prová-los), a Espresso convidou Gerson Giomo, engenheiro agrônomo e pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Giomo trouxe na mala seis deles. “São cafés com aromas e sabores diferentes do que estamos acostumados”, ensina ele, que é especialista em tecnologia de processamento pós-colheita e qualidade do café.

Os cafés denominados exóticos saíram, todos, do banco de germoplasma do IAC, que desde 1930 reúne
esses raros cafés (tecnicamente chamados acessos, ou seja, amostras de materiais genéticos coletadas e
catalogadas para fins de pesquisa e preservação). “O IAC tem mais de cinco mil acessos de 15 espécies de
café”, orgulha-se Giomo.

Esses grãos são considerados exóticos por duas razões: são tanto cafés que foram introduzidos (legalmente) no país e que nunca foram cultivados (ou seja, são silvestres ou selvagens) quanto plantas híbridas, quer dizer, obtidas a partir de cruzamentos de cultivares brasileiras importantes com esses materiais estrangeiros e que, por um motivo ou outro, acabaram sendo “arquivadas”.

Gerson Giomo, pesquisador do IAC convidado para a nossa degustação

No primeiro caso, foram provados três cafés que chegaram da Etiópia e do Sudão entre 1952 e 1953. “São
variedades legais que foram introduzidas, ficaram em quarentena e depois saíram do laboratório para o campo”, resume o agrônomo, referindo-se à autorização do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) para a entrada desses materiais, desde que destinados a pesquisas.

Os três outros exemplares desta degustação são cruzamentos de cultivares de arábica, desenvolvidos
pelo instituto, com cafés introduzidos. “São híbridos em que se buscava maior resistência à ferrugem, mas que não foram para a frente nesse sentido”, explica ele. Essas plantas permanecem no banco genético do IAC e, às vezes, têm ótima qualidade sensorial.

Os seis cafés com sabores exóticos são fruto de uma linha de pesquisa do Programa de Cafés Especiais, que prospecta qualidade no banco de germoplasma. O principal objetivo do programa é identificar plantas com capacidade de produzir frutos com características sensoriais distintas e que, por isso, tenham potencial para se tornarem novas cultivares e atender a demandas específicas do mercado de cafés especiais.

Os seis cafés provados estão sendo estudados em algumas das vinte áreas experimentais do IAC, foram colhidos em meados do ano e processados pelo método natural.

A raridade das amostras tornou nossa costumeira degustação para a Espresso um evento pra lá de especial, com aromas e sabores enriquecidos pelo nosso experiente convidado, que há tempos acompanha sistematicamente essas duas características, intrínsecas à variedade de um café.

Equipe Espresso degustando os cafés do Instituto Agronômico (IAC)

Variedade exótica 1 (IAC-1158)

Um café exótico descendente da variedade rume sudan, do Sudão, introduzida entre 1952 e 1953. As plantas experimentais estão na Fazenda Recreio, em São Sebastião da Grama (SP), Região Vulcânica, a 1.200 m de altitude.

Aromas e sabores: doce, floral, delicado, frutado, mel e tabaco (tem marmelada também!)
Acidez: média, brilhante
Corpo: aveludado
Finalização: agradável
Avaliação final: redondo e complexo, para começar bem o dia

Variedade exótica 2 (IAC-1137)

Um café descendente da variedade gesha, originária da Etiópia, que chegou ao IAC entre 1952 e 1953. As plantas experimentais também estão na Fazenda Recreio, a 1.200 m de altitude.

Aromas e sabores: doce, castanhas, especiarias (pimenta-rosa), nibs de cacau, floral, umami
Acidez: média/alta, cítrica
Corpo: médio
Finalização: limpa, gostosa
Avaliação final: fácil de tomar, uma ótima pedida a qualquer hora

Variedade exótica 3 (IAC-2080)

Um material selvagem obtido também entre 1952 e 1953. Originário da Etiópia, as plantas experimentais estão na Fazenda Limeira, em Altinópolis (SP), Alta Mogiana, a 1.000 m de altitude.

Aromas e sabores: especiarias, ervas medicinais, chocolate amargo, castanhas, amadeirado
Acidez: delicada
Corpo: médio
Finalização: presente, mas curta
Avaliação final: para tomar o dia todo

Equipe Espresso degustando os cafés do Instituto Agronômico (IAC)

Variedade híbrida (IAC-H8113)

Um cruzamento entre catuaí vermelho e um material selvagem (Kaffa) originário da Etiópia. As plantas experimentais estão na Fazenda São João, em Nova Resende (MG), Sul de Minas, a 1.000 m de altitude.

Aromas e sabores: cítrico (laranja, lima-da-pérsia), terroso, chá de cáscara, amadeirado e melado
Acidez: média/alta, cítrica
Corpo: encorpado, macio
Finalização: curta, agradável
Avaliação final: um café de experiência

Variedade híbrida 2 (IAC-H8427)

Um cruzamento da variedade mundo novo com outro material selvagem da Índia (BA10). As plantas experimentais também estão na Fazenda São João, à altitude de 1.000 metros.

Aromas e sabores: ervas medicinais, especiarias, mamão, melado
Acidez: boa, brilhante
Corpo: médio
Finalização: curta, limpa
Avaliação final: sensorialmente interessante e diferente

Variedade híbrida 3 (IAC-H8089)

Um cruzamento entre catuaí vermelho e um gesha originário da Etiópia. As plantas experimentais estão na Fazenda Recreio, em São Sebastião da Grama (SP), a 1.200 m de altitude.

Aromas e sabores: doce (rapadura), frutado, floral, laranja caramelizada
Acidez: média, brilhante
Corpo: cremoso
Finalização: presente, com notas de melado
Avaliação final: agradável, com doçura alta, para tomar a qualquer hora

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Agência Ophelia

Cafezal

Faesp pede ao governo de SP revisão da venda de fazenda do IAC

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) enviou, esta semana, ofício ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, solicitando a revisão da venda da Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A área é dedicada à pesquisa cafeeira e está na mira da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado paulista, que estuda sua venda sob o argumento de que a manutenção do local onera o estado.

Segundo o documento enviado pelo presidente da Faesp, Tirso de Salles Meirelles, a área é fundamental para a continuidade das pesquisas e para o desenvolvimento de novas variedades da cultura – 90% das cultivares de café produzidas no Brasil são resultado de pesquisas realizadas nesta unidade do IAC, que possui um dos mais importantes bancos de germoplasma do mundo. O ofício solicita que o governador reconsidere a possibilidade da venda da área e que preserve a unidade de pesquisa do IAC, essencial para o desenvolvimento e a sustentabilidade da cafeicultura e da agropecuária brasileira.

A Fazenda Santa Elisa acaba de ser mapeada pelo governo paulista, de acordo com a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), informou no início da semana o Globo Rural. O procedimento inclui uma gleba de 70 mil metros quadrados, denominada São José, onde existem exemplares únicos de diversas espécies de café e a população mais antiga do mundo de plantas de arábica.

De acordo com a Faesp, a venda da área é uma ameaça direta ao patrimônio genético ali armazenado e às pesquisas em curso, com impacto na sustentabilidade e competitividade da cafeicultura do país. A possível transferência das pesquisas para outro local seria um processo caro e demorado, comprometendo os estudos em desenvolvimento. A entidade defende que decisões sobre a venda de bens públicos considerem não apenas os aspectos financeiros, mas também os impactos sociais, econômicos e ambientais a longo prazo.

“O café da Colômbia, que é uma referência no mercado internacional, é fruto das pesquisas do IAC”, diz Meirelles. “O Instituto faz um trabalho grandioso, que precisa ser preservado. Temos expectativa de que o governador reveja essa proposta”, afirma.

TEXTO Redação

Café & Preparos

Chapada Diamantina é a mais nova denominação de origem para cafés

O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) reconheceu, nesta terça (15), uma nova indicação geográfica (IG) para cafés. Com 24 municípios – entre eles, o já premiado Piatã –, a Chapada Diamantina é a primeira denominação de origem (DO) para cafés da Bahia e a sexta DO de cafés do Brasil.

O pedido para o reconhecimento da região foi feito em dezembro de 2022 pela Aliança dos Cafeicultores da Chapada Diamantina. Uma denominação de origem, não custa lembrar, reconhece e valoriza cafés de qualidade singular, com forte vínculo com o território. Com a conquista, os cafeicultores da Chapada passam a ganhar um certificado oficial que atesta a procedência e a autenticidade do produto, o que confere a eles melhores condições de negociação e uma identidade própria nos mercados nacional e internacional.

A obtenção de uma indicação geográfica resulta de um trabalho intenso, longo e complexo. No caso da Chapada Diamantina, envolveu prefeituras, técnicos, produtores e instituições como a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Esta, por sua vez, foi responsável por elaborar o estudo que serviu de base para o pedido.

Entre os fatores naturais e humanos que singularizam o café baiano estão a altitude acima de 850 metros, a colheita quase 100% manual na região, a orientação de sol nas encostas das montanhas onde os cafés são cultivados e as técnicas tradicionais de secagem em terreiros. Estas características, por sua vez, resultam combinadas em um perfil quimicamente diferenciado destes cafés em relação aos grãos produzidos no restante da Bahia e do país – altos teores de ácidos orgânicos e clorogênicos (as informações são do estudo “Café da Chapada Diamantina, Bahia: qualidade da bebida e relações com o meio ambiente”, da UESB).

Também de acordo com o estudo, o perfil sensorial dos cafés da Chapada Diamantina caracteriza a bebida como “encorpada, adocicada, com acidez cítrica, notas de nozes e chocolate e final prolongado”.

Saiba mais:

Os municípios:
Abaíra | Andaraí
Barra da Estiva | Boninal | Bonito
Ibicoara | Ibitiara | Iramaia | Iraquara | Itaeté
Jussiape | Lençóis
Marcionílio Souza | Morro do Chapéu | Mucugê
Nova Redenção | Novo Horizonte
Palmeiras | Piatã | Rio de Contas
Seabra |  Souto Soares
Utinga | Wagner

A variedade: C. arabica

A história: Localizada no centro-sul da Bahia, a extração de ouro e de pedras preciosas foi uma atividade importante da região até ser substituída pela agricultura familiar. Nos últimos anos, chamou a atenção por conta de produtos como cachaça, frutas vermelhas, vinho e cafés especiais.

O topônimo “diamantina” resulta da ocupação do território com a penetração pelo interior do Brasil, a partir do século XVII, das entradas e bandeiras. Além da pecuária após a colonização, a região assistiu ao garimpo do outro no século XVIII e à  exploração dos diamantes no século XIX. A produção de café na região remonta aos século XIX e XX, sendo marcada, por exemplo, pelo desenvolvimento das ferrovias. O avanço deu-se na década de 1970, quando o cultivo de cafés entrou em crise resultante de pragas, geada e baixa produtividade, levando o governo federal a fomentar a expansão das plantações para outras regiões. O café também influenciou na formação do povo da Chapada, ligados à agricultura familiar, contribuindo com a definição de uma identidade peculiar e regional.

TEXTO Cristiana Couto / Fonte: Sebrae, INPI • FOTO Ravena Maia