Resposta ao embargo

Por Celso Vegro

Ao contrário do que ocorre com o resto do mundo, os EUA têm longo histórico de obtenção de saldo comercial positivo frente às transações que faz com o Brasil, denotando ainda mais a deformidade que a imposição tarifária contra o país embute. Aparentemente, a possibilidade da instituição do “brix pay” constitui o verdadeiro foco da arbitrariedade contra o Brasil.

Diante da perspectiva de irredutibilidade quanto à revogação e/ou adiamento do pico tarifário instituído pelo mandatário estadunidense sobre uma nação soberana, o agronegócio café brasileiro como um todo deve considerar que o que se impôs foi, verdadeiramente, uma espécie de embargo às exportações brasileiras de café (verde, solúvel e torrado e moído).

Os reflexos sobre a economia cafeeira no Brasil serão relevantes na medida em que os EUA respondem por compras de, aproximadamente, 8 milhões de sacas (considerando em equivalente verde). No primeiro semestre de 2025, o país exportou para os EUA 3,32 milhões de sacas de café, representando declínio de 16,89% frente a igual período de 2024. Ainda assim, o mercado estadunidense respondeu por 17,1% do total das exportações contabilizadas na mesma época. Em contrapartida, as exportações de café brasileiro para todos os destinos somaram 19,41 milhões de sacas, representando receita cambial de US$ 7,52 bilhões (Fonte: Cecafé).

Segmentos econômicos estadunidenses ajuízam ações contra a escalada tarifária às mercadorias brasileiras destinadas ao seu mercado. Os importadores/distribuidores de suco de laranja, por exemplo, já o fizeram. No segmento de café, que responde por cerca de um terço das importações estadunidenses, eles alertam sobre o impacto da medida: aproximadamente 1,2% do PIB nacional, mais de US$ 343 bilhões em negócios ao ano, ocupando 2,2 milhões de trabalhadores. Trata-se, portanto, de dinâmica econômica ímpar que provavelmente se associará ao grupo do suco de laranja no ajuizamento de uma segunda ação contestatória. 

A afronta ao Brasil exige, primeiramente, uma ampla negociação, ao que a diplomacia brasileira, conduzida pelo vice-presidente, está firmemente liderando. Aparentemente, restando poucos dias para o início de vigência do pico tarifário, nenhum avanço foi alcançado junto às autoridades comerciais estadunidenses (revogação e/ou adiamento). Caminhamos para um real embargo das exportações de café brasileiras para esse mercado.

Diante deste cenário, quais as possíveis ações defensivas que o agronegócio café poderia adotar? A mais direta seria, paulatinamente, se desfazer dos contratos futuros em Nova York para privilegiar a B3. O cerceamento do acesso ao mercado estadunidense sinaliza que os negócios (apenas contratos e/ou físico) que o agronegócio Cafés do Brasil movimenta naquela praça são desejáveis. O momento é perfeito para que essa iniciativa ganhe musculatura, convidando, inclusive, outros países produtores (Vietnã e Colômbia) a se associarem a esse movimento.

A bolsa brasileira teve seu início há mais de trinta anos com o contrato futuro do café que, até meados dos anos 2000, vinha numa melhora de desempenho crescente. Questões tributárias (IOF) e a necessidade do contrato casado (futuro de café e cambial) levaram a uma preferência pela praça nova-iorquina. Todavia, dispondo das atuais sofisticadas ferramentas financeiras, tais obstáculos são perfeitamente contornáveis. O governo federal já anunciou a possibilidade de oferecer crédito a cafeicultores, cooperativas, traders e exportadores afetados pelo tarifaço – mas esses créditos podem ser convertidos em isenção do IOF nas operações de contrato futuro e subvenção no prêmio para os contratos de opções privadas.

O risco de as cotações despencarem diante do empoçamento dos cafés que seriam exportados para os EUA – e, ainda, devido à dificuldade momentânea de reordenamento dos destinos – poderia ser minimizado por AGF ou subvenção ao Pepro (Prêmio Equalizador Pago ao Produtor ou à Cooperativa,  mecanismo de apoio à comercialização agrícola criado pelo governo federal), desde que os preços mínimos reflitam a realidade do mercado. Café é produto não perecível e, portanto, armazenável. Numa eventual aquisição do governo federal (via AGF ou Pepro), dado o atual contexto de baixos estoques e demanda crescente pelo produto, existe inclusive a possibilidade de entesouramento público por meio dessa operação (leilão da Conab). (Como sugestão, caberia ao conselho gestor do Funcafé desenhar política para o enfrentamento das questões mencionadas).

Quando a força do poder prevalece sobre a vontade de dialogar, se estabelece o dissenso, ou seja, a imposição do medo como método de sujeição. A política comercial – longamente construída, inclusive, com empenho dos EUA – foi instrumentalizada para fins espúrios e se esfacelou. Sob suas ruínas, erode-se a confiança no mercado estadunidense, alicerce básico para a troca justa entre as nações. O afastamento do mundo desse mercado será o resultado mais concreto dessa guerra comercial estabelecida. 

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

Cafezal

“Novo rearranjo da exportação de café é liderado pelo Brasil e isso está na mão das cooperativas”

Marco Valério Brito, presidente da Coccamig, deseja profissionalizar ainda mais as cooperativas de café e alçá-las como referência em ESG, compliance, rastreabilidade e carbono zero

Marco Valério Brito, presidente da Coccamig

Por Mariana Grilli

A Organização das Nações Unidas (ONU) consagrou 2025 como o Ano das Cooperativas, com o objetivo de reafirmar a importância do cooperativismo para a sociedade. Segundo o órgão internacional, são três milhões de cooperativas no mundo todo, que funcionam com o trabalho de um bilhão de cooperados. No Brasil, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) considera 4.509 cooperativas, sendo a maior concentração no ramo agropecuário, com 1.179 delas. Destas, 97 trabalham com café.

Esta sinergia entre cooperativismo e cafeicultura marca a vida de Marco Valério Brito, presidente da Coccamig (Cooperativa Central de Cafeicultores e Agropecuaristas de Minas Gerais). Nascido em Três Pontas (MG), ele respira café desde a infância, já que um lado da família contribuiu para a implantação da cafeicultura no município mineiro, enquanto o outro lado trabalhou com a comercialização dos grãos.

Depois da adolescência, Marco Valério se afastou do café por alguns anos para trabalhar no mercado financeiro, mas logo estava envolvido com exportações da commodity. Em 2015, optou por seguir os passos do pai e do avô, tornando-se produtor. Foi presidente da Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas) por nove anos e, em seguida, assumiu a liderança da Coccamig, que em 2025 completa 40 anos.

Em entrevista para a Espresso, ele avalia que a cafeicultura tem passado por uma sofisticação nas operações, e que o papel dele à frente da presidência é elevar o nível de profissionalização das cooperativas que integram a Coccamig para um crescimento contínuo e conjunto, desde o campo até a comercialização.

Espresso: Quando começa a sua história com o café?

Marco Valério: Nasci em Três Pontas (MG) e até a adolescência vivi na fazenda, já acompanhando o café. Depois, fui estudar em Belo Horizonte e trabalhar com o mercado financeiro. Naturalmente, comecei a olhar a bolsa de Nova Iorque, a ficar curioso e passei a trabalhar com o mercado futuro. Aí, trabalhei com várias operações do mercado financeiro ligado ao café. Mais tarde, surgiu a oportunidade de trabalhar em Brasília, no Ministério da Indústria e Comércio, e um dos assuntos era o recém-fundado Departamento Nacional de Café que, teoricamente, substituiria o Instituto Brasileiro de Café (IBC), extinto pelo [então ex-presidente] Collor em 1990. Então, tomei mais conhecimento do mercado de café exportador. Em 2014/15, decidi sair do mercado financeiro, comprar uma fazenda de café e voltei a frequentar mais Três Pontas. Alguns meses depois, surgiu o convite de assumir a Cocatrel em três mandatos consecutivos. Foram surgindo outros convites, para o Conselho Nacional do Café, Sescoop [Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de São Paulo], conselho do Cecafé e, então, o de presidir a Coccamig.

Como você vê a relação entre café e cooperativismo?

É difícil desassociar cafeicultura e cooperativismo, que estão muito entrelaçados, juntamente com o mercado financeiro, e as pessoas têm pouco conhecimento disso. Diferentemente de outras commodities, o café tem um lado muito grande de profissionalização, como os processos de sofisticação de hedge, além do trabalho com as cooperativas de crédito. É muito difícil desassociar ambos, porque a cafeicultura é feita por pequenos produtores, e uma empresa multinacional tem dificuldade de obter café em lugares distantes. Então, essa intermediação é difícil e esse gap tem sido ocupado pelas cooperativas. As pessoas falam que querem ter a própria produção e torrefação, mas isso é muito romântico. É preciso ter uma logística de indústria, há questões jurídicas, e as cooperativas foram se sofisticando e se profissionalizando para preencher esta lacuna. Então, essa união entre cafeicultura e cooperativismo profissionaliza produtores de todos os tamanhos.

Na sua avaliação, quais as premissas de uma cooperativa?

Ser transparente, profissionalizar e falar de sucessão são passos importantes, e quem não fizer isso não sobrevive. Nessa era de geração de dados e acessibilidade, as distâncias estão menores e as cooperativas isoladas vão sentir. Se você não tiver bons números financeiros nem padrões de medição, se não implantar sistemas e trabalhar com grandes auditorias não irá demorar para estar fora do mercado. Quando cheguei na Coccamig trouxe muitos cursos e seminários, disseminando informações e capacitando os colaboradores. Antes, os produtores estavam afastados [uns dos outros] e a cooperativa fazia esse papel de intermediária, mas é importante aproximar os cafeicultores dessa necessidade de honrar compromissos e compreender o mercado financeiro.

A Coccamig tem 17 associadas e mais duas devem entrar em breve. Qual é o perfil destas cooperativas?

A Coccamig é formada por três grupos distintos de cooperativas, com diversificação de faturamento, regiões, tamanho, área, terroir e produções distintas de café. É importante dizer que estes perfis diferenciados enriquecem a cafeicultura brasileira e que todas, independentemente do tamanho, têm seu valor.

O que deve ser feito para evitar que a cafeicultura fique concentrada apenas na mão das grandes cooperativas?

Ao longo dos anos, em todas as áreas, o mundo vem reduzindo o número de empresas compradoras, exportadoras e cooperativas. Com essa consolidação do mercado, a gente percebeu, no passado, que as cooperativas maiores estavam comprando e fazendo fusões com as menores, e estas cooperativas pequenas estavam com dificuldades nas operações por questões de escala. E, às vezes, as cooperativas de nicho, de uma região muito específica, como Canastra ou Mantiqueira, estavam sendo encapadas por uma cooperativa grande, e aquelas histórias estavam se perdendo. Então, um dos objetivos da Coccamig é dar viabilidade para negócios de menor porte. Por isso, as feiras e exportações em conjunto e as missões internacionais dão escala e visibilidade a elas, e isso perpetua a singularidade daquela pequena cooperativa. Nos últimos cinco anos, a gente vem percebendo que esse esforço ajuda a preservar as pequenas cooperativas que dão particularidade ao café brasileiro.

Como isso está organizado? Os cooperados interagem de maneira interdependente?

Muitas vezes o cooperado faz parte de duas, três cooperativas. Há uma concentração de cooperativas no Sul de Minas, mas há na Zona da Mata, no Cerrado, então, naturalmente, há uma intercooperação. Tem todo um processo de estimular a intercooperação, e percebemos um avanço grande, até porque o cooperado observa modelos de gestão e acaba levando novas práticas para as outras. A Coccamig está sistematizando isso por meio de informação e nivelamento de capacitação. Estamos indo para a World of Coffee na Indonésia [que acontece em maio], propondo rodadas de negócios, parametrizando o programa de desenvolvimento de gestão das cooperativas, inclusive dando prêmios às melhores. Não é fácil, mas estamos avançando e percebemos que há uma cobrança dos próprios dirigentes de adotar práticas que são boas para todo mundo.

Quais práticas? Dê um exemplo.

Uma cooperativa sozinha consegue uma determinada condição para insumos, mas 17 cooperativas reunidas com uma central de compras conseguem outras condições. Por exemplo, temos uma central de compras de fertilizantes que já conseguiu cerca de 18% de redução do preço. Isso acaba impactando os negócios. É possível transpor isso para sistemas operacionais, aluguel de carros, área jurídica, o que torna as coisas mais fáceis, e as cooperativas percebem que isso traz resultados.

Ao longo destas quatro décadas da Coccamig, como você vê os avanços nas cooperativas afiliadas?

Sou um entusiasta do café, me sinto honrado em trabalhar com algo que é fascinante e delicioso. O Brasil tem cafés de todas as qualidades, ele resume o mundo da cafeicultura. O país tem todas as características de café do mundo, tem volume, segurança, geralmente cumpre as entregas, muito porque as cooperativas fazem esse papel. Sem dúvida, a governança das cooperativas melhorou muito, com cursos de capacitação, oficinas técnicas, gestão estatutária, processos mais bem definidos. Essa complexidade a cada ano nos faz olhar mais para o futuro, atentos a tendências.

Ao final de 2025, a lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR) deve começar a valer e o café é uma das cadeias envolvidas. Como isso influencia o trabalho de vocês?

Ano passado fizemos um seminário sobre a EUDR e o próximo, em meados de abril, será sobre carbono zero. O papel da Coccamig não é gerenciar o cooperado, mas dar o tom dos negócios com base nos mercados internacionais. É papel nosso popularizar novos conceitos, e o quesito de rastreabilidade também entra nessa discussão. Já a agenda do carbono está sendo atropelada pelo papel do Brasil na nova ordem de exportação do café, e as cooperativas têm hoje a capacidade de liderar este movimento. Hoje, o trabalho que estamos fazendo é o de conseguir mostrar o valor real da retenção de carbono que a cafeicultura tem.

O que é esta nova ordem de exportação?

As cooperativas fizeram o dever de casa nas últimas décadas. Dos anos 1990 até 2000, o preço do café caiu, o Brasil perdeu espaço, a Colômbia ganhou espaço e o mercado ficou à deriva. De 2000 a 2010, surgiram os cafés especiais, que se consolidam. De 2010 até agora, houve uma grande profissionalização das cooperativas, e, nos últimos três anos, houve uma inversão de mercado com as guerras da Ucrânia e Rússia, a covid-19 e a logística ruim. Agora estamos vivendo uma fase de ESG, compliance, rastreabilidade e carbono zero. Esse novo rearranjo da exportação de café é liderado pelo Brasil e isso está na mão das cooperativas, mas para isso elas têm que trabalhar em sintonia.

Como o preço atual do café pode contribuir para o crescimento das cooperativas?

Eu sinto que, a partir da pandemia, as cooperativas passaram a ter mais poder por terem o controle dos estoques. Com o pós-pandemia, está acontecendo uma mudança de preços nominais, e as cooperativas estão sabendo aproveitar este momento com propriedade. Com esse aumento histórico de preços, é claro que torna o ambiente mais “perigoso”, o hedge, mais perigoso. As proteções estão muito alavancadas, mas, naturalmente, as cooperativas devem se colocar como players mais importantes. Elas entraram definitivamente como peça-chave para todo o mercado.

Você acredita que os preços se mantenham em alta ao longo de 2025?

Temos que entender que o mercado está trabalhando sem referências do passado. Isso porque o mercado está invertido há muito tempo, ou seja, os cafés que existem no mundo ainda estão na origem, há pouco café nos terminais dos países consumidores em comparação aos níveis históricos. Ainda entram nessa conjunção fatores como inflação e juros, os problemas climáticos dos últimos anos e uma oferta mais reduzida. O produtor está mais capitalizado e administrando melhor a oferta de venda. E ainda existe o problema logístico mundial. Então, nos próximos seis meses vamos observar o câmbio, a especulação de novas geadas e a nova safra entrando. A partir da entrada da safra, pode ser que o mercado comece a se acomodar aos poucos, encontre novos patamares de preços mais reduzidos, mas é uma análise dinâmica que pode mudar, inclusive por conta das safras da Colômbia, do Vietnã e da África.

E quanto ao consumidor brasileiro, os preços elevados podem prejudicar a “reputação” do café?

O consumidor de hoje é muito diferente, os millenials aprenderam a tomar café de uma nova maneira, como a monodose e o movimento de home baristas. Tudo isso teve impacto na redução de consumo, e agora teremos que ficar atentos ao preço desse café extraforte tradicional, porque pode haver uma acomodação no consumo. É importante dizer que as cooperativas têm se colocado nesta discussão, fazendo o que chamamos de “cafetequização”, ou seja, temos condições de ter cafés muito bons com preços acessíveis sendo oferecidos por novos entrantes no mercado. Esta também é uma possibilidade que as cooperativas vêm explorando, de lançar cafés com margens menores, colocando no mercado local e atendendo esse público que quer cafés melhores. Também precisamos falar da escalada de consumo de cafés especiais, cafés com novos atributos e origens. Então, temos um momento de abertura de movimento e de modelo de consumo diferente, inclusive a retomada das cafeterias. Também vemos isso na Ásia.

Falando em Ásia, a China tem se mostrado cada vez mais interessada na importação de café. Como você avalia o cenário?

É claro que estamos acompanhando este comportamento, e é de interesse do Brasil atender a esta demanda. Mas também é importante observar que alguns países concorrentes optaram por assinar a Nova Rota da Seda com a China, como Peru e Uganda, que estão produzindo bem e têm investimento externo. Hoje, há muitas origens de café, principalmente na África, pois estão tendo muito investimento, a tecnologia está vindo forte com novas variedades e novos terroirs, então, daqui para frente, a competição vai ser muito mais acirrada.

Quem acompanha o mercado de café sabe que a questão logística é um ponto sensível. Na sua opinião, há riscos para o Brasil?

A questão dos portos é um problema no Brasil, e não vejo essa política de infraestrutura como prioridade. E esse é um dos maiores problemas do café brasileiro. Nosso café é percebido como complexo, rico, com profundidade de nuances, a governança tem melhorado, mas o problema de logística ainda persiste. Essa logística ainda nos penaliza, e vejo o Estado ainda muito moroso e sem capacidade de investir. Esse é o nosso maior desafio. E os nossos concorrentes estão avançando: a China, por exemplo, vem controlando muitos portos na África e acabou de inaugurar portos no Peru também, ou seja, ela já está aqui, na América do Sul.

Aos 40 anos de Coccamig, como é renovar a força do cooperativismo entre os colaboradores jovens?

A gente participa de feiras e eventos, reposicionando a cooperativa para os jovens, saindo de uma visão “cringe”, fora de moda. É essencial modernizar a forma de se comunicar, repaginar, tirar essa percepção de que cooperativismo é só para a velha guarda. Há cinco anos, a Coccamig não tinha redes sociais. Fizemos uma mudança para trazer pessoas alinhadas a esse novo momento, uma comunicação mais moderna, sem perder a essência do cooperativismo. O papel da Coccamig é ter interlocução com os cooperados, e por isso é importante dinamizar, estar nas redes sociais e mostrar que cooperativismo tem uma base de contribuição mútua que se estende por diferentes gerações.

Quais são seus objetivos como presidente da Coccamig?

Meus principais objetivos são ter a possibilidade de colocar o café brasileiro em outro patamar de preço, para ser benéfico ao produtor e à sociedade. Quando a cooperativa vai bem, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade melhora, a vida do produtor melhora, as cidades têm mais negócios e turismo. O cooperativismo possibilita expandir e perpetuar a cultura do café. Outro objetivo é fazer com que as cooperativas tenham capacidade maior de interlocução, porque se elas organizarem isso vão alavancar o café brasileiro, o que vai ser ótimo para o país e para o produtor. Meus objetivos são holísticos e meu mandato dura mais um ano e meio, e ainda posso me reeleger.

Para 2025, alguma meta específica?

Pela primeira vez na história, o setor está unido, porque percebeu que é possível dar um salto em posicionamento e preço, além de avançar na percepção do mercado lá fora e do próprio mercado interno. Então, para 2025, o foco é manter o profissionalismo, e mostrar, com evidências, a sustentabilidade do café brasileiro e de nossa região. Não adianta o agricultor fazer a própria auditoria, mas é preciso uma chancela de quem está comprando, então a parte de governança, rastreabilidade e auditorias externas seguirá sendo prioridade. Além disso, no trânsito mundial, a complexidade é ampla, com origens e storytellings, por isso temos que reforçar e contar nossas boas histórias.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Mariana Grilli

Mercado

Chocolateiras contam a cena tree to bar e bean to bar em livro

Nos livros sobre chocolate, é comum que imperem os processos de manufatura e receitas com o produto. Não é o que acontece no recém-lançado Onde Cresce o Chocolate. Na obra coletiva, escrita por mulheres importantes na cena do chocolate brasileiro, o que prevalece é a divulgação de toda a cadeia produtiva – das amêndoas de cacau ao negócio do chocolate, com boas referências bibliográficas e uma introdução que privilegia contextos.

Mais do que isso, porém, está-se construindo conhecimento sobre cacau e qualidade, que termina na degustação correta dos chocolates finos. A começar pelo alerta necessário de que o que é denominado chocolate nem sempre é o que deveria, de fato, ser – a legislação alimentar brasileira, geralmente permissiva, exige que o produto possa conter apenas um quarto da matéria-prima, qualquer que seja a sua qualidade.

As autoras do livro – as chocolateiras Arcelia Gallardo, da Mission Chocolate, e Gislaine Gallette, da Gallette Chocolates; as cacauicultoras e fazedoras de chocolate Juliana Aquino, da marca Baianí, e Claudia Gamba, da marca Mestiço, ao lado da consultora na área Luciana Monteiro (Ara Cacao), da pesquisadora da EACH/USP Mariana Bueno e de Zélia Fragoni, especialista no produto e desenvolvedora de websites – também discorrem sobre um cacau de origem brasileira, algo praticamente invisível nos livros estrangeiros, e compartilham as práticas bean to bar e tree to bar, o que torna o livro mais interessante. Um pouco deste movimento da semente à barra está no capítulo 4, dos dez que a obra traz.

Tem receitas? Claro que tem. Tem também vassoura-de-bruxa, que devastou as plantações na década de 1990, o complexo fenômeno de fermentação, os trabalhosos processos de secagem e avaliação
das amêndoas e o detalhado fazer do chocolate, a partir de uma escolha acertiva do cacau.

Livro “Onde Cresce o Chocolate”
Edição das autoras – R$ 159 na chocolatrasonline.com

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Exportações e consumo de solúvel continuam em alta no Brasil

Dados da Abics (Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel) mostram que, entre janeiro e junho de 2025, o Brasil exportou 1,944 milhão de sacas de café solúvel — um aumento de 1,3% em relação ao mesmo período de 2024, enquanto a receita cambial atingiu US$ 586,9 milhões, um salto de 45,2%. 

Os Estados Unidos lideram as importações, com 361.088 sacas embarcadas, seguidos da Argentina (193. 298 sacas), Rússia (138.492 sacas), Indonésia (75.140 sacas) e Peru (74.069 sacas). Ao todo, 81 países compram café solúvel do Brasil.

Consumo interno também cresce

O mercado brasileiro registrou aumento de 4,2%, com consumo equivalente a 480.578 sacas de café solúvel no primeiro semestre de 2025. Destaque para o tipo freeze-dried (liofilizado), que avançou 18,7%, chegando a 1.557 toneladas — enquanto o spray dried (em pó) subiu 2,5%. 

Segundo Aguinaldo Lima, diretor de relações institucionais da Abics, em comunicado, o desempenho sustentável das exportações mostra que o café solúvel nacional mantém regularidade, mesmo diante das tensões tarifárias no exterior.

Comunicado recente da administração Trump prevê taxa de 50% sobre importações brasileiras no mercado dos EUA a partir de agosto, o que pode reduzir a competitividade do produto frente a concorrentes isentos, como México.

TEXTO Redação • FOTO Felipe Gombossy

Energizando o mercado de café

Por Celso Vegro

A cafeína é um alcalóide presente em várias plantas, sendo o guaraná a espécie com a maior concentração conhecida dessa substância no reino vegetal. O café, particularmente o da espécie canéfora, possui uma concentração significativa de cafeína, sendo essa a principal origem comercial do alcaloide.

São largamente conhecidos os efeitos estimulantes da cafeína, por sua capacidade tanto de manter o estado de alerta como de reduzir a fadiga. Sua ação se dá a partir do bloqueio de neurotransmissores responsáveis pela sensação de sono. Recentemente, a cafeína passou a ser sistematicamente empregada também na melhora do desempenho físico humano em atividades aeróbicas.

Há décadas a cafeína compõe medicamentos destinados a mitigar cefaleia (ou enxaqueca), resfriados e alergias, e também moderadores de apetite. O pó branco de gosto muito amargo tem capacidade vasoconstritora, sendo eficaz no tratamento não curativo dessas enfermidades. A indústria farmacêutica, reconhecendo a existência de uma epidemia de enxaqueca no mundo moderno, desenvolveu várias linhas de medicamentos contendo cafeína.  

 O café insere-se no mercado de bebidas (soft drinks) e, historicamente, é a fonte primordial de consumo de cafeína. Bebidas gaseificadas passaram a incorporar o composto em suas formulações, tornando-se, em poucas décadas, recordistas em vendas no mercado de bebidas por todos os continentes.

Os conglomerados de produção e distribuição de bebidas buscam, continuamente, espaços para a acumulação capitalista. Assim, novos mercados são desenvolvidos, sendo, atualmente, o mercado de bebidas energéticas (saborizadas ou não) um dos de maior êxito. Em média, cada 100 ml desse tipo de bebida contém 30 miligramas do alcaloide.

No Brasil, acompanhamos uma verdadeira explosão no consumo de energéticos. Em 2020, estimou-se uma demanda de 151 milhões de litros. Diante da contínua expansão do espaço em gôndolas de supermercados para a exposição das bebidas energéticas, não escorrega para o exagero considerar que a demanda anual por essas bebidas já esteja em torno dos 200 milhões de litros.

As indústrias de bebidas energéticas, com raras exceções, empregam cafeína sintética em seus produtos. Essa molécula produz os mesmos efeitos no organismo humano que a obtida das plantas, mas age de forma mais imediata. Já a versão natural tem efeitos mais duradouros e carrega flavonoides com ação antioxidante.

A concentração de cafeína no café canéfora (robusta e conilon) oscila entre 2,2% e 2,7%. Para efeito da produção de estimativas, adotou-se o ponto intermediário de 2,5% como média de concentração do alcaloide. Assim, a obtenção de 1 kg de cafeína demanda, aproximadamente, 40 kg de café verde. Seguindo o mesmo raciocínio, 1 litro de energético demandará 300 mg de cafeína. Para atender a demanda por cafeína dos 200 milhões de litros referidos acima, cerca de 40 mil sacas de café teriam que ser processadas anualmente para a extração do alcaloide.

Diante do porte atual desse mercado, associado a um eventual empoçamento de café que seria embarcado para os EUA em razão do choque tarifário decretado pelo mandatário daquele país, uma regulamentação determinando que as indústrias de bebidas energéticas substituam o emprego da cafeína sintética pela derivada do café (ou do guaraná) seria uma possível alternativa paliativa até o redirecionamento do café que teria por destino os EUA.

A adoção da cafeína natural encontraria grande aceitação por parte dos consumidores norte-americanos. Um dos redutos de consumo dos energéticos são os frequentadores de academias, que têm na cultura da vida saudável e sem alimentos ultraprocessados e sintéticos um de seus pilares.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Mercado

China vai eliminar últimas tarifas sobre países africanos produtores de café

A medida, estratégica, torna a China um mercado de exportação mais atraente para os cafeicultores africanos, em contraste com as tarifas impostas pelos EUA e os obstáculos legislativos da nova EUDR

A China vai deixar de cobrar tarifas de importação sobre países africanos produtores de café após remover as taxas para mais de 20 nações do continente.

A segunda maior economia do mundo — e maior mercado de cafeterias de marca do planeta — já havia eliminado, em dezembro de 2024, as tarifas sobre todos os produtos tributáveis oriundos dos 33 países africanos menos desenvolvidos, e agora estende a política para incluir também as maiores economias da região.

Com isso, ficam isentas as quatro maiores economias do continente: Nigéria, África do Sul, Egito e Argélia, além de importantes nações produtoras de café como Quênia e Costa do Marfim — respectivamente o quarto e o quinto maiores exportadores africanos do grão. A única exceção é Essuatíni, excluída do acordo de tarifa zero por reconhecer diplomaticamente Taiwan, que a China considera uma província rebelde.

A medida deve reduzir significativamente o custo de envio de café verde da África para a China. Segundo análise da agência chinesa Yicai Global, os importadores vão economizar cerca de US$ 320 em tarifas e US$ 41 em imposto sobre valor agregado por tonelada de café verde, avaliada em US$ 4.000. Antes, o café verde enfrentava uma alíquota de 8% de importação na China.

Essa política contrasta fortemente com a dos Estados Unidos, onde o governo Trump propôs tarifas generalizadas sobre importações de mais de 90 países. Etiópia, Quênia e Uganda enfrentam tarifas-base de 10%, enquanto nações produtoras menores como Madagascar, Maurício e Costa do Marfim enfrentam 47%, 40% e 21%, respectivamente.

Além disso, a legislação europeia EUDR exigirá que produtores de café comprovem que sua produção não está ligada ao desmatamento, por meio de documentação e dados de geolocalização. Cumprir essas exigências pode representar grandes desafios financeiros e logísticos para os pequenos produtores, que compõem a maioria dos cafeicultores africanos.

Com isso, a China pode se tornar um mercado de exportação muito mais atrativo para os principais países africanos produtores de café, diante do aumento da demanda global.

Segundo o GAC (órgão aduaneiro da China), o país importou US$ 973 milhões em café em 2024, sendo o Brasil e a Colômbia responsáveis por mais de 50% desse total. A Etiópia foi o terceiro maior fornecedor, com US$ 102 milhões (10,5%).

A China já havia removido tarifas sobre o café etíope em março de 2023 como parte de uma estratégia para fortalecer a cooperação comercial e acelerar iniciativas de desenvolvimento no país do Leste Africano. Juntas, Uganda, Quênia e Ruanda representaram cerca de 2,5% das importações chinesas de café.

A demanda por café na China tem crescido rapidamente. Pesquisa da World Coffee Portal mostra que o país cresceu 58% nos 12 meses até dezembro de 2023, com as maiores redes mantendo planos ambiciosos de expansão.

Em junho de 2024, a Luckin Coffee, com 24 mil lojas, assinou um acordo de US$ 500 milhões para comprar 120 mil toneladas de café brasileiro em dois anos. Cinco meses depois, firmou um novo contrato para comprar outras 120 mil toneladas, avaliado em RMB 10 bilhões (US$ 1,38 bilhão).

Em maio de 2025, a rede Mixue, que vende sorvetes, bubble tea e café, anunciou uma parceria com a ApexBrasil para adquirir RMB 4 bilhões (US$ 556,3 milhões) em café e frutas nos próximos três a cinco anos.

No mês seguinte, a Cotti Coffee, segunda maior rede chinesa de café, assinou um Memorando de Entendimento (MoU) com o governo de Ruanda para fortalecer a produção local e ampliar as exportações.

A China é hoje o maior parceiro comercial e investidor da África, com o comércio bilateral crescendo 14% em 2024, alcançando RMB 2,1 trilhões (US$ 292,9 bilhões), segundo o GAC.

Em 2023, o governo chinês investiu US$ 21,7 bilhões em projetos de infraestrutura no continente africano, como parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), focada principalmente em estradas, portos, ferrovias e energia renovável.

TEXTO Originalmente publicado por World Coffee Portal – Tradução equipe CaféPoint • FOTO Zalfa Imani para WCP

Mercado

De volta à terra: como marcas de café apostam em cápsulas compostáveis

Por Gabriela Kaneto

O consumo de café em cápsulas ganhou espaço na rotina moderna pela praticidade, mas também gerou um alerta ambiental devido ao acúmulo de resíduos plásticos e metálicos. De olho no tema, empresas do setor investem em tecnologias para gerar menos lixo e em campanhas que favoreçam o descarte correto do produto.

Sobre o assunto, um dos mais recentes lançamentos é o da italiana Lavazza. Chamado Tablì, o sistema, apresentado durante a Semana de Design de Milão 2025, utiliza uma cápsula feita 100% de café moído compactado, ou seja, sem nenhum tipo de invólucro. Com a liberação da água quente, o café prensado é dissolvido e resulta em um espresso sem resíduos de plástico ou alumínio. 

Novo sistema Tablí, da italiana Lavazza

De acordo com a marca, a novidade estará disponível na Itália a partir de setembro deste ano, exclusivamente no site. Sobre o lançamento em outros países, ainda não foram divulgadas informações.

Apesar de inovadora, a ideia de cápsulas feitas à base de outros materiais sustentáveis já está sendo aplicada há algum tempo. Em 2022, por exemplo, o grupo suíço Migros lançou a CoffeeB, cápsula esférica biodegradável produzida a partir de café comprimido e recoberta por uma fina película à base de algas. Os grãos utilizados são de diferentes tipos, inclusive em parceria com a italiana illycaffè. Comercializada em países como Suíça e França, a máquina do sistema também é produzida, em parte, com materiais recicláveis. 

Sistema CoffeeB, do grupo suíço Migros

Também em 2022, a Nescafé Dolce Gusto, da Nestlé, lançou no mercado brasileiro a sua linha Neo, um sistema que utiliza cápsulas compostáveis feitas à base de papel com uma fina membrana interna de celulose. Com uma tecnologia de leitura automática do código impresso no selo de vedação de cada cápsula (feito de polímero biodegradável), a Neo extrai cafés do tipo espresso, americano e uma opção mais diluída batizada de caseiro.

Nescafé Dolce Gusto Neo, da Nestlé

Compostagem de cápsulas biodegradáveis

Na natureza, este modelo de cápsula da Neo leva de seis meses a um ano para se decompor. Mas, se compostada de forma correta, some em apenas 45 dias. Para conhecer melhor o processo de compostagem, a Nestlé levou a equipe da Espresso para Parelheiros, extremo sul de São Paulo, onde acontece o projeto Planta Feliz, parceiro da marca.

Liderada pelo casal Marina Camargo e Adriano Sgarbi, a iniciativa acontece desde 2019 e hoje atende toda a capital paulista, recolhendo, por mês, cerca de 20 toneladas de resíduos de origem animal e vegetal de casas, colégios, empresas farmacêuticas e instituições, como o SESC Interlagos. 

Cápsulas de Dolce Gusto Neo dispostas na leira para ser compostada – Foto: Gabriela Kaneto

A compostagem é um processo natural de decomposição de matéria orgânica. O processo acontece através de uma mistura de compostos úmidos e secos, que geram transformações biológicas e químicas promovidas por microrganismos. O resultado final é um biofertilizante que pode ser aplicado no solo para melhorar suas características, sem trazer riscos ao meio ambiente.

Para isso, o Planta Feliz conta com quatro “leiras” (espaço onde ocorre o processo) com capacidade para 25 toneladas cada. Todas elas são analisadas por profissionais da Unicamp, que emitem laudos com informações de quais nutrientes são encontrados ali, como o nitrogênio, por exemplo. “De 80 a 90% dos resíduos são água. Parte vira adubo líquido e parte é liberada através do próprio processo gasoso”, explica Sgarbi. 

Leiras para compostagem – Foto: Planta Feliz

A partir do laudo, é possível dar um destino mais assertivo ao adubo proveniente de cada leira, que pode ser categorizado como composto orgânico, húmus de minhoca ou terra vegetal preparada, e vendido pelo Planta Feliz em feiras locais e na plataforma do Mercado Livre para todo o Brasil.

De acordo com o projeto, 55% dos resíduos domésticos poderiam ser mandados para a compostagem – mas, infelizmente, o destino é outro: os aterros sanitários. Depois que o aterro fecha, são mais 35 anos para que o gás de tudo que foi descartado no local seja eliminado. “Se toda empresa tivesse a preocupação de transformar os produtos em compostáveis, teríamos um mundo melhor”, comenta Marina.

TEXTO Gabriela Kaneto

Mercado

Tarifa de 50% sobre o café pelos EUA compromete competitividade brasileira, dizem analistas

Por Cristiana Couto

O anúncio da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros como o café nas exportações aos Estados Unidos, a partir de 1º de agosto, já refletiu no mercado global e provocou nova volatilidade no comércio de futuros do café. A nova tarifa também pode afetar o consumo norte-americano do grão. 

Na manhã de quinta (10), os contratos futuros de arábica negociados em Nova York saltaram mais de 3,5%, fechando o dia a 1,3%. Segundo o New York Post, embora os preços de arábica e robusta tivessem recuado levemente com a expectativa de colheitas melhores, o cenário agora está ameaçado pelas tensões comerciais. 

Em nota divulgada na quinta (10), a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café) afirma que a decisão de Trump foi comunicada de forma unilateral e compromete a competitividade do Brasil. “A medida representa um grave retrocesso nas relações comerciais entre os dois países, que pode gerar impactos extremamente negativos e relevantes para toda a cadeia produtiva do café brasileiro”.

Anunciada por Donald Trump no final da tarde de quarta-feira (9) em carta publicada na rede Truth Social, a sobretaxa está vinculada às acusações, feitas pelo presidente dos EUA, de que o governo brasileiro “ataca a liberdade de expressão” e orquestra uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso, de acordo com especialistas do mercado, torna a discussão mais complexa. 

O Brasil é responsável por cerca de 30% das exportações globais de café e por aproximadamente um terço das importações americanas – em 2024, o país  enviou 8,1 milhões de sacas aos Estados Unidos. “Com a nova tarifa, o café brasileiro perde competitividade no mercado americano, uma vez que o aumento de custos para os importadores tende a favorecer outros produtores”, explica Guilherme Morya, analista de café do Rabobank. Para ele, países como Colômbia, Honduras, Etiópia e Vietnã, com taxas menores, devem se beneficiar da nova configuração, especialmente em um contexto de estoques globais apertados.

Os analistas dizem que ainda é cedo para avaliar os efeitos da nova tarifa a longo prazo. “Teremos de aguardar os próximos dias e observar os desdobramentos da imposição de uma taxa que atrapalha e pune os centenários negócios de café entre brasileiros e americanos”, escreveu em seu boletim diário Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, sobre a imposição que considera “tecnicamente incompreensível”. “É uma decisão que não tem ganhadores. Certamente os importadores americanos dos nossos cafés irão trabalhar conosco para tentar reverter essa decisão danosa para os cafeicultores brasileiros e para os consumidores americanos”, completa.

De fato, a medida pode reduzir a demanda americana pelos grãos brasileiros (os EUA consomem, anualmente, cerca de 24 milhões de sacas de café). “Apesar da recente queda nos preços, o consumo segue pressionado por fatores inflacionários e econômicos”, analisa Morya. “Um aumento de 50% nos custos pode agravar esse cenário, tornando o café um produto menos acessível ao consumidor final.” 

“Sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor norte-americano, e tudo que gera impactos ao consumo é ruim para o fluxo do comércio, é ruim para a indústria, é ruim para o desenvolvimento dos países produtores e consumidores”, afirma Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), que acompanha com atenção as discussões sobre as novas tarifas. 

Matos reforça que o café gera muita riqueza aos Estados Unidos, que agrega valor ao produto no processo de industrialização. O café representa 1,2% do PIB norte-americano e é responsável por 2,2 milhões de empregos no país. Para cada U$ 1 de café importado são gerados US$ 43 na economia americana. 

“Será crucial observar se a tarifa será implementada integralmente e por quanto tempo permanecerá em vigor, pois ela pode reconfigurar os fluxos do comércio internacional de café, com impactos para produtores, exportadores e consumidores”, acrescenta Morya. “Temos esperança de que o bom senso prevaleça”, diz Matos.

TEXTO Cristiana Couto

A onda bege: porque o auge do café RTD ainda pode estar por vir

Por Gustavo Paiva

O segmento de café pronto para beber (RTD, da sigla em inglês ready-to-drink) há muito é alvo de debates. Alguns dizem que já é uma realidade, apontando para a inovação do produto nos últimos anos, a quantidade de capital investido em P&D e comunicação e os hábitos de consumo atuais da Geração Z. 

Mas há quem seja ainda mais otimista e considere ainda os mercados emergentes na Ásia e na África, o aumento natural do poder de compra da Geração Z e sua influência sobre a Geração Alfa. Por fim, há os pessimistas, que consideram a alta nos preços, o fato de que gerações mais velhas e países produtores podem não estar abertos a esse tipo de consumo e que os mercados emergentes não tenham aumento substancial na renda para consumir em grande escala o café pronto para beber.

É praticamente impossível pensar em uma lata de café gelado e não pensar em algumas marcas precisas. Algumas empresas promoveram uma revolução na forma como o café é consumido dentro e fora de suas lojas. Mais do que isso, seu sucesso obrigou outras empresas tradicionais a repensarem suas estratégias e desenvolverem novos produtos para o segmento. As prateleiras refrigeradas dos supermercados exibem hoje uma ampla gama de latas de café pronto para beber até mesmo de companhias que nunca tiveram uma cafeteria. Então, podemos confirmar que isso já é uma realidade?

Não para aqueles que apostam que o melhor ainda está por vir. Segundo Caleb Bryant, diretor associado de alimentos e bebidas da Mintel, a Geração Z lidera a tendência de consumo deste produto. Outra pesquisa, da Suntory Boss Coffee, valida a visão de Bryant. De acordo com o levantamento, 88% da Geração Z já consome café pronto para beber, e entre os que ainda não consomem, 61% consideram experimentá-lo no futuro.

Considerando, a partir dos dados da empresa de inteligência de mercado Technavio, que mais de três quartos dos cafés prontos para beber são consumidos em latas ou garrafas de plástico, estas embalagens permitem uma maior customização, inovação e maneiras alternativas de consumo. Estas três características são essenciais para as novas gerações e irrelevantes para as mais vividas.

Segundo dados da National Coffee Association (NCA), existem vários fatores determinantes para que as gerações mais velhas não se aproximem dos cafés prontos para consumo. E isso não necessariamente tem a ver com hábitos antigos e estabelecidos. Para a NCA, os principais fatores para o consumo dos cafés prontos para beber seriam a comodidade, a conveniência e a possibilidade de ‘levar para viagem’. Além disso, os cafés prontos para beber envolvem um marketing ligado à qualidade do grão e à sustentabilidade da produção, fatores que não são decisivos para as gerações mais velhas. Por último, o café como ritual de preparação dentro de casa ainda é decisivo para consumidores Baby Boomers – aqueles nascidos entre 1945 e 1965.

Contudo, ao analisarmos os países produtores de café, especialmente na América Latina, percebemos que o poder de compra vem crescendo pouco e o consumo de café parece mudar a passos bem mais lentos. No Brasil, maior produtor de arábica e segundo maior consumidor de café, a previsão é de que o consumo de café pronto para beber cresça apenas 2,8% entre 2024 e 2029. Ainda, as mudanças climáticas, a inflação e o aumento nos preços do café terão um impacto notável em uma região onde o poder de compra está estagnado e grande parte da população já luta para não reduzir o consumo de café.

Naturalmente, há grandes expectativas para os mercados asiáticos emergentes. Considerando apenas China, Indonésia e Índia, são nada menos que 3,1 bilhões de pessoas com renda crescente e adotando hábitos ocidentais, como o consumo de café.

Se considerarmos outros países asiáticos ou até africanos, com populações menores mas com crescimento econômico igualmente impressionante, não deveríamos ter motivos para o pessimismo. Importante lembrar que países de consumo tardio tendem a absorver as tendências contemporâneas dos mercados estabelecidos. Ou seja, até mesmo as gerações mais velhas que se dispusessem a tomar café nestes novos mercados, começariam a fazê-lo copiando hábitos de consumo das gerações mais novas de consumidores dos países tradicionais, portanto, incluindo em sua cesta de consumo os produtos prontos para beber.

A consultoria Fortune Business Insights estima que o valor do mercado de café de qualidade seja de US$ 101 bilhões, enquanto o valor do mercado de cafés prontos para beber seria de apenas US$ 3,1 bilhões, mas com perspectiva de crescer 22% até 2032. A América do Norte seria responsável pela maior parte deste crescimento.

Segundo a gigante do setor, Sucafina, a pandemia poderia ter desferido um golpe importante neste tipo de consumo. Mas o que aconteceu foi o contrário:  a empresa identificou um aumento significativo neste tipo de consumo durante os anos de 2020 até 2022. A explicação poderia ser de que cafés RTD reproduzem em casa o estilo de bebida consumidos nas cafeterias, que estiveram fechadas ou com capacidade reduzida durante o lockdown. 

Este aumento expressivo no consumo também é corroborado pela consultoria Nielsen, que identificou um aumento de 61% no consumo de bebidas prontas de café no Reino Unido desde 2020. Por último, a Technavio chegou a conclusões parecidas com as demais pesquisas, porém, ainda mais otimista em relação ao valor de mercado de nicho em questão. Ela estima que as bebidas prontas já movimentem US$ 15 bilhões e prevê um crescimento de quase 9% nos próximos cinco anos, vindos principalmente da América do Norte.

Todos os mercados têm a necessidade e uma certa tentação natural de querer prever o futuro e enxergar o que vem pela frente. Existe uma particularidade no mundo do café: contar ondas para evidenciar alguns marcos nos hábitos de consumo. Mas eu não cairei nessa armadilha, e não ousarei contar as ondas desse mar misterioso. Mas podemos ter a certeza de que, em alguns lugares, existe uma onda bege se aproximando. E talvez seja uma onda gigante.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Paiva

Mercado

“O Brasil tem tudo para aumentar sua liderança no mercado mundial de cafés”, diz Eduardo Carvalhaes

Para o sócio do tradicional Escritório Carvalhaes, de análises, corretagem e serviços no comércio e exportação de café, o país reúne clima, história, conhecimento, pesquisa e técnica, mas corre riscos se não investir em pesquisa, visão estratégica e legislação clara

Eduardo Carvalhaes – Foto: Agência Ophelia

Por Cristiana Couto e Caio Alonso

Com mais de 40 anos no setor cafeeiro e à frente, com o irmão Nelson, do centenário Escritório Carvalhaes, em Santos, Eduardo Carvalhaes é uma das vozes mais respeitadas da cafeicultura brasileira. Na conversa com a Espresso, ele analisa as mudanças que transformaram o comércio do café, o novo papel do exportador e os impactos das novas tecnologias e novas exigências globais. Testemunha ocular da história recente do grão no país, ele acompanhou o fim do Instituto Brasileiro do Café, o surgimento do mercado livre, os anos de inflação alta e a estabilização da economia com o Plano Real.

Entre dados, memórias e visão de futuro, Carvalhaes comenta sobre o Brasil, seu papel como liderança mundial e seus desafios, e revela o sonho de ver os 300 anos da chegada do café ao Brasil sendo devidamente comemorados. Para ele, o país reúne clima, cultura, pesquisa e técnica, mas corre riscos se não investir em pesquisa, leis claras e visão estratégica para enfrentar a realidade do mercado atual. Confira a entrevista a seguir, feita ao vivo em Santos.

Espresso: O Escritório Carvalhaes tem mais de cem anos. Como começou essa história?

Eduardo Carvalhaes: Na década de 1880, meu tio-tataravô, produtor de café no sul de Minas, montou uma comissária exportadora em Santos. Meu bisavô, José Ildefonso Carvalhaes, tornou-se sócio da Vicente Carvalhaes Comissária e Exportadora em 1887. Por volta de 1914, com uma grande inundação no Porto de Santos, o negócio quebrou, e não havia seguro nem nada. Meu avô e seus irmãos, então, entraram na história. Já tinham conhecimento, um nome no mercado de café, e a economia do Brasil era o café. Eles começaram a trabalhar com prestação de serviço, em corretagem, porque não tinham capital para serem exportadores. Foi assim que nós começamos.

Quais são as linhas de negócio do Escritório Carvalhaes?

Hoje, atuamos principalmente com corretagem especializada em cafés de qualidade, com exportação, prestação de serviços para exportadores e cooperativas e com análise de café. Nosso Boletim Semanal circula desde 1933, sem interrupção. Fazemos amostragem, análise sensorial e física de café. Nosso Lab Carvalhaes possui certificação ISO 9001 desde 2003, auditado anualmente pela Fundação Vanzolini, e é credenciado pela Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café] para seu Programa de Qualidade de Café. Orientamos, técnica e comercialmente, produtores e compradores de café que buscam um produto diferenciado.

Eduardo Carvalhaes em seu escritório, consultando antigas publicações da empresa – Foto: Agência Ophelia

Como você começou a trabalhar com café?

Sou engenheiro químico e trabalhei por oito anos em um escritório de projetos industriais em São Paulo. Vim para o café em razão da hiperinflação dos anos 1980, que prejudicou a engenharia de projetos industriais brasileira. Na época, 1983, o café estava indo bem e decidi experimentar. Acabei gostando e fiquei.

Eu e meus dois irmãos, Sergio e Nelson, que já estavam no Escritório Carvalhaes, começamos a trabalhar juntos. No final dos anos 1980, o sistema de cotas de exportação acabou, e foi possível registrarmos uma exportadora de café. A nossa foi uma das primeiras, e se chamava Porto de Santos.

Como construíram a parceria com a illycaffè?

No início de 1990, recebemos a visita de Ernesto Illy, presidente da illycaffé, que queria montar um negócio de café diferente. A illy, em termos mundiais, não era grande, mas era muito respeitada pela qualidade de seus cafés. Ernesto disse que comprava café brasileiro, um dos melhores para espresso. Ele vinha ao Brasil, experimentava o café, comprava, e o que chegava lá era diferente. Disse que pretendia fazer um concurso de qualidade para café no Brasil, para localizar e estimular a produção de cafés de qualidade para espresso, e que precisava de uma empresa que comprasse esses cafés.

Naquela época, já trabalhávamos no mercado de café gourmet. Inicialmente, fizemos um contrato para comprar os cafés do concurso e Nelson ficou à frente da nossa exportadora. Paralelamente, enviávamos amostras de cafés brasileiros finos para ele, e o negócio cresceu. A illy foi a primeira a comprar cafés descascados brasileiros, ainda nos anos 1990. Comprávamos pequenos lotes, pagando um preço acima do pago para os naturais. Embarcávamos tudo separadamente, e eles faziam os blends. Com os bons preços, a produção de CD foi aumentando, e o Ernesto, comprando, e outros compradores começaram a adquirir os nossos CDs, e produção e exportação cresceram rapidamente. Dos anos 1990 aos 2000, a illy pagava os maiores preços do mercado, estimulando a produção de cafés finos no Brasil.

Qual foi a grande transformação que aconteceu no mercado nas últimas décadas?

Foi o fim do Instituto Brasileiro do Café [IBC], em 1989, no dia da posse do Fernando Collor como presidente. Até 1960, mais de 50% da nossa receita vinha do café. O fim do IBC desmanchou uma rede de armazéns e técnicos de qualidade. A parte boa é que liberou o comércio de café no Brasil, e nossa produção e exportação cresceram exponencialmente. Muitos quebraram, gente que vendia seus estoques e produção para o governo, e muito cafeicultor saiu do negócio. Mas quem se adaptou, cresceu. Houve força para extinguir o IBC porque o Brasil já não dependia mais só do café. A industrialização avançava e a produção agrícola e a economia diversificavam. Essa decisão do Collor mudou tudo. Em 1999, o Brasil atingiu 20 milhões de sacas exportadas, depois 30 milhões em 2009, em 2019, 40 milhões e, no ano passado, mais de 50 milhões. Isso mostra como a liberdade de mercado e a qualidade do café elevaram a competitividade dos cafés do Brasil.

Foto: Agência Ophelia

Santos já foi uma grande praça de comercialização. Hoje, esses lugares estão mais próximos das plantações?

Digo que a história do comércio de café é a história da evolução da comunicação e sua velocidade. Temos uma fotografia de Santos, do início da década de 1950, na rua XV [de Novembro], lotada de gente durante o dia. Era assim porque era na rua que a gente tinha a informação. A comunicação com o interior era feita somente por telegrama, que demorava para chegar e para voltar – levava uma semana, no mínimo, para completar. Só então podíamos vender o café. Às vezes, o mercado já tinha mudado.

Nós tínhamos uma ordem para vender por X e o valor já estava em “X mais dois”; vendíamos por “X mais dois” e entregávamos o dinheiro para o produtor. Mas havia quem vendesse por X e embolsas se o “mais dois”. Muitos fizeram fortuna assim. Também, não havia cooperativas no interior, mas existia o maquinista, alguém com capital que fazia esse papel. Ele comprava o café de produtores pequenos, rebeneficiava, fazia um lote grande e mandava para o corretor dele.

Só produtores maiores negociavam diretamente com o exportador. Na praça santista, o exportador era o primeiro a ter a informação, e comprava. Levava um tempo para a notícia se espalhar. O maquinista punha um rádio nos escritórios dos corretores, ficava sabendo o que acontecia no mercado e comprava. Me lembro de acordar e dormir com meu pai ao telefone, porque as linhas eram poucas e viviam congestionadas. Depois, vieram o DDD, o aparelho de telex, o computador, o fax, o e-mail, o whatsapp, a comunicação em rede, instantânea e a custo quase zero. Agora, convivemos com a inteligência artificial. Na pandemia, descobri que só preciso estar fisicamente no escritório para provar e analisar café. Fomos pioneiros no mercado de café no uso do computador, do telex, do fax, do celular. A cada ano, a grande praça de comercialização de café é a internet, as redes sociais. Hoje, trabalhamos com produtores e compradores de café de todo o Brasil. A nova rua XV do comércio de café é a internet.

E aí, com essa movimentação toda…

Naquela época, os sindicatos eram fortes. Tinha sindicato para quem carregava as sacas de café, para quem costurava as sacas, para quem fazia as sacas… Os sindicatos não perceberam que as coisas mudavam com as mudanças na comunicação. Esses serviços começaram a ficar caros, e as cidades do interior queriam fazer esses serviços. Já tínhamos as ferrovias e a via Anchieta. E, um por um, os armazéns foram embora da praça de Santos.

O que mais interfere no preço do café? Clima, câmbio ou política?

Tudo. O mundo globalizou. Se Donald Trump insistir na tentativa de desglobalização, pode tirar os Estados Unidos da liderança do mundo. Acho que não vai acontecer. A globalização, com esse nível de comunicação, não anda para trás.

O clima também mudou. São tantas variáveis que não é possível enxergar a resultante delas. Como toda essa mudança na economia mundial, por exemplo, vai influenciar o consumo? No tempo do IBC, o Brasil tinha estoques enormes. Quando houve a geada de 1975, nós tínhamos mais de uma safra estocada. Mas era outro mundo, não adianta olhar para trás e querer repetir a mesma coisa.

Com o consumo crescendo, o que vai acontecer a médio e longo prazos com os preços?

A produção de café no Brasil tem concorrência e disputa por terras com outros produtos agrícolas. E ele é muito mais trabalhoso do que outras culturas. Você não pode ser produtor de café como há 40 anos, morando na cidade e indo à fazenda só no fim de semana. Tem que estar presente, senão vai perder dinheiro. Por isso, acho que se não tivermos bons preços para o café, muitos podem migrar para outras culturas. O investimento em café é alto, e a maioria dos produtores está diversificando.

Tem também o clima. Termos saído de 20 milhões para 50 milhões de sacas em 25 anos acabou com nossos estoques de café. Nesse tempo, tivemos safras boas e ruins, e sempre crescemos porque havia estoque. Agora não temos mais. E quanto temos de estoque de passagem da safra 2024? Os exportadores acham que existe mais do que eu acredito, e as cooperativas reconhecem que os armazéns nunca estiveram tão vazios.

Antes, havia café de 10 anos guardado. Hoje em dia, é raro. O produtor vende tudo na safra, ou guarda um pouco se a próxima for pequena. O problema é que não temos estoques, nem aqui nem no restante do mundo, e o clima está irregular. Todo o resto deriva disso.

Além disso, não existe mais aquele pregão tradicional, nem nas bolsas de valores, nem nas de café. Tudo é eletrônico. E o que interessa para as bolsas é gerar corretagem: para isso, facilitam o giro. Existem milhares de pequenos investidores no mundo, e não dá para prever como vão reagir. Sai uma notícia nas redes sociais de que o Trump vai fazer algo e já começa a mudança de posição para garantir os lucros. Isso é novo.

Vejo análises com gráficos e projeções de mercado em bolsa, mas acho isso perigoso. O mundo mudou. As análises atuais consideram padrões que já não servem mais, ou servem muito pouco.

Foto: Agência Ophelia

Como você vê o papel do Brasil nessas próximas décadas?

Há uma grande oportunidade para o Brasil. Nós temos terra, temos clima. Temos que continuar investindo em pesquisa. Vamos continuar crescendo. Se trabalharmos direito, vamos chegar a 50% da produção mundial. Não vejo, nos outros países, um movimento assim. Temos novas regiões, novos produtores, como em Rondônia. Existem, claro, barreiras. Há dificuldade de fazer com que os filhos voltem para o campo, e temos, também, que resolver os problemas da legislação trabalhista. Agora, se resolvermos esses problemas, vamos continuar sendo o celeiro do mundo. O mundo vai precisar de alimento. E o Brasil tem tudo para estar entre os principais produtores. No café, sabemos produzir, temos a cultura de produção, conhecimento e história.

Qual a sua opinião sobre os efeitos globais da EUDR?

Isso é uma guerra econômica. A grande maioria dos nossos cafeicultores segue a lei. O Cecafé [Conselho dos Exportadores de Café do Brasil] divulga regularmente no mercado uma lista denunciando produtores que não seguem a lei, para que exportadores não comprem deles, mostrando que está trabalhando nisso. São poucos, se considerarmos o universo de produtores. A EUDR vai ficar mais branda, mas temos que mostrar números. Sempre falamos em agregar valor ao café brasileiro. Mas até para prova de café e selo de qualidade, estamos mandando dinheiro para fora do Brasil.

Temos de reunir todos os segmentos – indústria, produção, comércio, exportação – e atualizar as provas e normas da Classificação Oficial Brasileira, para provas do tipo SCA, com notas. Outra coisa é selo de qualidade. Temos as leis trabalhistas mais rigorosas do mundo, e elas precisam ser claras. Também temos as leis ambientais mais rigorosas. Temos que criar um selo dizendo que aquele café que embarcamos é de um produtor que segue as leis brasileiras. Com a informatização, ficou muito fácil fazer rastreabilidade, já estamos fazendo. No começo, podem não aceitar os selos, mas com o tempo, trazendo compradores e imprensa para as fazendas, isso mudará. Mas precisamos de leis claras.

Então, no fundo, a EUDR é uma oportunidade para o Brasil.

Acho que é. Temos que ver quais são as intenções deles. Estamos numa situação boa em relação a nossos concorrentes, e temos que mostrar isso para o mundo.

Mas precisamos melhorar, sempre. E temos condições. Todo café embarcado passa por agências que emitem certificado de origem, comprovando que o café foi produzido no Brasil. Se montarmos um sistema de fiscalização, essas agências podem emitir o certificado de sustentabilidade, com rastreamento.

O que me entusiasma é ver as regiões produtoras começando a montar certificações de origem. Embora o prêmio ainda seja pequeno, estão construindo algo sólido para a próxima geração. É um movimento mais demorado, mas acho que o Brasil tem tudo para liderar nessa área.

A sustentabilidade no café é só um movimento de marketing ou é uma necessidade?

Alguns fazem por necessidade, mas as novas gerações acreditam nisso. Há um movimento, de uma geração para outra. As fazendas estão mantendo áreas de proteção. E o rigor da lei é bom, é um estímulo a mais. Temos exemplos belíssimos, como a Daterra. Conhecemos bem a Daterra, cuidamos, desde o início, dos serviços em Santos para suas exportações. Eles são um exemplo de sustentabilidade de verdade, de vontade. Eles exportam pacotes de 20 quilos para pequenas torrefações e cafeterias. É um modelo muito bom. E existem outros. Sustentabilidade é uma necessidade, não pode ser só discurso. É prática, no dia a dia, é fiscalização, é clareza nas regras e princípios.

Como você vê o papel do exportador no futuro?

Acho que as rápidas mudanças nas comunicações devem mudar a arquitetura comercial do café. Para grandes torrefações do mundo, o exportador sempre vai ser importante, porque é ele quem compra grandes volumes de café, monta os blends, cuida do embarque. O exportador de café, hoje, está preparando os embarques de daqui a três meses. Mas, com a facilidade de comunicação, surgem produtores que se transformam em pequenos exportadores, e isso está crescendo. Se você tem uma pequena torrefação dominando uma região ou uma pequena rede de cafeterias, você tem que ter um produto diferenciado, para os clientes irem até você e não até uma grande rede como a Starbucks. A cada dia ouve-se falar mais de pequenas indústrias de fora que estão estabelecendo contatos com produtores no Brasil. Esse movimento, de ir atrás de exclusividade, deve continuar. Nesse sentido, os concursos de qualidade de cafés foram muito importantes, e os de barista também. Levaram a imagem de qualidade do café brasileiro para fora.

Você tem algum sonho que ainda gostaria de realizar com o café?

Minha preocupação maior hoje é com a sucessão nas entidades de que faço parte, como o Museu do Café. Passar o bastão para as novas gerações. É preciso treinar as próximas gerações. Isso vale também para as fazendas. Em algumas regiões, há dificuldades para convencer os filhos a voltarem para o campo. Em outros setores, houve renovação.

Se quero algo, é ver essa transição acontecer. Outro sonho de curto prazo é comemorarmos dignamente os 300 anos da chegada do café no Brasil [em 2027]. Já estamos trabalhando nisso.

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TEXTO Cristiana Couto e Caio Fontes • FOTO Agência Ophelia