Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

O bebedor infiel

Qual é o melhor café do mundo? Quem trabalha no setor é sempre, sempre mesmo, questionado com esta pergunta. O hábito de conversar sobre café é coisa muito nossa. O interesse em saber mais sobre a bebida mostra que há um amadurecimento do atual consumidor.

De uns anos para cá esse interesse do público geral cresceu muito. É bem perceptível a forma como as pessoas abordam baristas e outros profissionais da área para falar de café. Antes essas mesmas pessoas não tinham ideia de que a bebida guardava diferentes sabores e variedades. Hoje, além de entenderem um pouco mais, surge o que considero importante: as dúvidas.

Algumas são perigosas e é necessário estar preparado para respondê-las. Uma delas: “nossa, café hoje é algo chique, né?” Acredito que esta pergunta acende um alerta muito grande. Será que a mensagem de incentivo ao consumo do café de qualidade parece ser algo muito inacessível para o público comum apreciador de café? A imagem de algo chique elitiza um produto tão acessível a nós. Por isso que adoro o modo como baristas de algumas cafeterias e cursos apresentam a diferença entre um café tradicional e um de qualidade. Eles trazem à mesa os dois juntos, para que o consumidor faça um comparativo entre as xícaras. Conclui-se então que: não é chique, é melhor mesmo.

Dentre a série de perguntas, normais, afinal é um mercado muito novo, tem também aquela clássica: “não pode colocar açúcar nesses cafés, né?” Essa resposta é uma grande discussão que levaria dias. A ditadura do sem açúcar é muito ruim, primeiro porque afasta o novo apreciador, segundo porque cria regras desnecessárias neste momento de ganhar consumidores.

Mas mesmo estas perguntas secundárias não vencem aquela campeã de audiência: “em sua opinião qual é o melhor café?” Sempre que início a resposta tenho a impressão de que as pessoas esperam uma rápida definição, com dois ou três nomes de cafés que são encontrados nas gôndolas dos supermercados e pronto. Daí a minha resposta é oposta. Sempre vem acompanhada de um “veja bem, não existe o melhor café do mundo…” a pessoa se assusta, claro, porque afinal a resposta deveria ser tão simples quanto a pergunta. Mas não é. Isso porque café é um alimento – sempre dizemos isso por aqui nessas páginas – que sofre muitas alterações até chegar à xícara. E, além de tudo, a cada safra e, portanto, a cada ano há regiões, marcas, fazendas e cafeterias investindo em grãos de qualidade para esse novo consumidor.

Essa pergunta, acredito, também está acompanhada de uma vontade do apreciador de café de optar por uma única marca “muito boa” e permanecer fiel a ela por anos. É um misto de nova cabeça para provar o diferente, mesclada com a atitude tradicional de escolher um café para chamar de seu. Quando não tínhamos muitas opções, vá lá, mas hoje não podemos validar essa atitude.

Esses dias fui abordada mais uma vez com a tal pergunta. Expliquei à pessoa que existem ótimos cafés e não apenas um. “Mas me fala um pelo menos…” Daí citei uns dez nomes e a pessoa ficou me olhando, ainda em dúvida. Alguém interrompeu a conversa e continuamos falando de outros assuntos. Na hora de ir embora, a pessoa comentou: “você pode até trabalhar com café e entender, mas você não compartilha informação”. Olhei assustada: “é, você não fala qual é o melhor café”. Dei risada e disse: “mas não existe o melhor café, existem vários ótimos cafés”.

Desde então decidi: vou aconselhar as pessoas a serem infiéis. Esta história de monogamia faz mal. E mais, comecei imediatamente a presentear amigos com diferentes cafés. E ouvi de um deles dia desses: “sabe este café que você me trouxe? Estou apaixonado por ele”. Fiquei contente, claro. Mas antes que ele se apegue, certamente, vou apresentar outras opções. Hoje o café bom também fica no Brasil e precisamos incentivar cada vez mais esta cadeia sustentável. E viva os bebedores infiéis em busca da diversidade! Viva!

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos dezembro, janeiro e fevereiro de 2014 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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