Cafezal •
Você sabia que existe um cafezal urbano no meio da cidade de São Paulo?
Um cafezal no meio de São Paulo. Sim, é isso mesmo! Muita gente não sabe, mas, entre casas, ruas e muitos prédios, existe uma grande área verde. E nossa equipe foi visitar, durante uma manhã ensolarada de quarta-feira, o Instituto Biológico.
Por algumas horas parecia que nem estávamos na loucura de São Paulo. O espaço é considerado o maior cafezal urbano do País, com 10 mil metros quadrados e com as principais variedades desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC) – órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo – presentes em 90% do parque cafeeiro brasileiro.
O Instituto Biológico foi criado em 1927, exatamente para estudar meios de combater as pragas que atacavam as plantações de café. É um centro de pesquisa também vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, voltado para a produção, a difusão e a transferência de tecnologias e conhecimento científico nas áreas de agronegócio, biossegurança e atividades correlatas. Está localizado na Vila Mariana, na cidade de São Paulo, nos arredores do Parque Ibirapuera.
Harumi Hojo, pesquisadora do local, foi quem nos recebeu e mostrou cada detalhe. Ela, que está há quarenta anos no Instituto, conta que fez parte inicialmente da entomologia (área da Biologia dedicada a estudar as características físicas, comportamentais e reprodutivas dos insetos) por bastante tempo. “Quando eu entrei, todo o espaço do café já estava plantado. Há mais ou menos dezoito anos, a diretoria passou a ter um novo olhar para o café e passamos a reconduzir a produção e buscar por uma Certificação UTZ para validar a parte de sustentabilidade e melhorar cada vez mais as questões de trabalho”, explica.
Como começou
Ana Eugênia de Carvalho Campos, diretora-geral do Instituto Biológico, nos conta que, na década de 1920, apareceu uma broca nos frutos do café, causando danos severos na qualidade. “Assim, os cafeicultores perguntaram ao governador da época o que poderia ser feito e pediram uma saída. Ele reuniu pesquisadores e cientistas em busca da solução. Foi quando, então, surgiu o Instituto para trabalhar com a saúde dos vegetais, depois com a saúde dos animais. Tudo isso está até hoje dentro da nossa missão mais a preocupação com a proteção ambiental, sem resíduos de produtos químicos no nosso alimento, no solo e na água”, explica a diretora.
Segundo registros no site, foi Arthur Neiva quem levou à Assembleia Legislativa a importância da criação de um órgão que beneficiasse os agricultores. Em 20 de dezembro de 1926, o então presidente Carlos de Campos enviou à Câmara dos Deputados o projeto de fundação de um Instituto de Biologia e Defesa Agrícola. Apesar de aprovado no dia 27 do mesmo mês, o projeto não virou lei. No governo Júlio Prestes, quando Fernando Costa era o secretário de Agricultura, foi proposta a criação de um órgão ainda mais amplo, que, ao lado das pesquisas e medidas de defesa relativas à sanidade vegetal, também se dedicasse a objetivos semelhantes na área animal.
Em 1928, foi doada uma área de aproximadamente 239 mil metros quadrados para a construção do Instituto, um local pouco valorizado, conhecido como “Campo do Barreto”, e que, mais tarde, teve uma parte cedida ao Parque Ibirapuera. O nome inicial seria Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, e, em 1937, passou para Instituto Biológico. Localizava-se, inicialmente, em vários prédios adaptados e distantes uns dos outros.
O objetivo era desenvolver conhecimento científico e tecnológico e transferi-lo ao negócio agrícola nas áreas de sanidade animal e vegetal, suas relações com o meio ambiente, visando à melhoria da qualidade de vida da população.
O café em São Paulo
Nossa bebida predileta foi a responsável pelo desenvolvimento de São Paulo. A cultura do café, introduzida no Brasil no século XVIII, se disseminou pelo Sudeste e pelo Sul do País, gerando riqueza e recriando hábitos e costumes.
No final desse século, o café passou pelo Vale do Paraíba, região em São Paulo com boas condições para o cultivo; depois foi para o Sul de Minas e para o Paraná. O Rio de Janeiro foi o porto de escoamento do produto.
Com a chegada da família real, em 1808, ocorreu uma rápida expansão dos cafezais. D. João, então príncipe regente, mandou que viessem sementes da África e as distribuiu entre os fidalgos proprietários de terras no Vale do Paraíba.
Entre 1830 e 1840, o café já era o produto mais exportado e a produção aumentava cada vez mais. Toda essa situação implicou o aumento de mão de obra nas grandes regiões produtoras (São Paulo e Rio de Janeiro) e, com a abolição da escravatura, implicou também o início da contratação de mão de obra imigrante em São Paulo. O café na região paulista ganhou tal importância que as ferrovias se espalharam pelo oeste paulista.
O Porto de Santos passou então a escoar a produção daquela região. Durante quase todo o século XIX e parte do XX, a riqueza do Brasil se concentrou na economia cafeeira. Dessa forma, surgiram os barões do café – fazendeiros que, durante o Segundo Reinado (1840-1889), foram contemplados por D. Pedro II com títulos de nobreza e, portanto, detinham o poder econômico da região.
A economia cafeeira ajudou em muitos aspectos no processo de urbanização e industrialização da região Sudeste, mas, no início do século XX, surgiram os primeiros sinais de crise. Em 1902, a superprodução de café originou estoques e baixou os preços. Para enfrentar a crise, os governadores dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro reuniram-se em 1906 no chamado Convênio de Taubaté, que definiu uma política para a valorização do produto: os governos estaduais comprometiam-se a comprar toda a produção e usar os estoques para impedir quedas e oscilações no preço.
Por volta de 1920, a cidade de São Paulo passa a ser reconhecida como o mais importante centro industrial do Brasil. A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, forçou a queda no preço internacional do café. Milhões de sacas foram queimadas pelo governo, só em 1947 os preços voltaram aos níveis anteriores.
Se, na década de 1960, São Paulo e Paraná detinham a maioria dos pés de café do País, em meados de 1980 o estado de Minas Gerais concentrava mais de um terço do total nacional, seguido por São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Bahia. Todos esses estados tinham, juntos, 92% dos 3,5 bilhões de pés existentes no País.
Café e o Instituto
Na metade da década de 1950, foram plantados próximo ao edifício cerca de 2500 pés de café com a finalidade de servir como pesquisa científica e preservação da memória da instituição.
“Desde 2017, a produção é totalmente orgânica, tendo passado por um período de transição. No ano passado, conseguimos que até o beneficiamento fosse efetuado mantendo as características de produção orgânica”, ressalta a pesquisadora Harumi Hojo.
São mil pés de café divididos entre as variedades mundo novo (500 serão colhidos neste ano) e catuaí (500 que foram esqueletados e só produzirão no ano que vem. A última renovação do cafezal havia ocorrido na década de 1980) mais 1500 pés de café de outras seis variedades: catuaí vermelho IAC 99; catuaí amarelo IAC 62; IAC 125 RN; bourbon amarelo IAC J10; IAC catuaí SH3 e mundo novo IAC 379-19.
Atualmente o propósito do cafezal é ser um instrumento de educação ambiental, didático, histórico e cultural, destinando-se às pessoas que desejam conhecer uma plantação de café, sua história e outras particularidades, além dos princípios das boas práticas agrícolas, sustentabilidade e agricultura regenerativa.
Segundo o Instituto, a variedade mundo novo teve a sua origem a partir da seleção de plantas derivadas de um cruzamento natural entre as cultivares sumatra e bourbon vermelho. Seu desenvolvimento ocorreu no IAC. A variedade catuaí também foi desenvolvida por eles. Ela produz frutos de coloração vermelha ou amarela, produtivas e de porte baixo.
A colheita é toda manual. A secagem dos grãos é realizada ali mesmo, em terreiros suspensos, por um tempo em torno de quinze a vinte dias. A torra é realizada por um parceiro do interior de São Paulo, que segue os protocolos em relação ao café orgânico. Parte dos grãos é doada ao Fundo Social de São Paulo e parte fica para pesquisas.
Sabor da colheita
Desde 2006, o Instituto Biológico realiza a cerimônia que marca o início da colheita do café no estado de São Paulo e comemora o Dia Nacional do Café (24 de maio). O local recebe visitantes e todos podem participar da colheita simbólica e entender sobre as técnicas de produção. Neste ano, o evento disponibilizou um espaço para que alguns produtores apresentassem seus cafés, e o público ainda pôde tirar dúvidas sobre preparo com os baristas.
Apoio Nescafé
Em 2021, a marca global adotou a lavoura do local, o que foi um fortalecimento para o trabalho desenvolvido pelo IB, como as pesquisas e a produção de grãos orgânicos, além da abertura de uma nova frente, o Centro da Cafeicultura do Futuro, laboratório vivo que mira técnicas sustentáveis para a elaboração de um conceito inovador do cultivo cafeeiro.
Entre as ações do projeto estão os tratos culturais e o manejo de pragas e doenças dentro do modelo sustentável de produção, além da implantação de uma nova espécie de café e de colmeias de abelhas sem ferrão com fins regenerativos – a partir da polinização das flores do cafezal, ocorre um incremento na produtividade e na qualidade dos frutos de café.
“O IB, com mais de noventa anos de expertise em pesquisa, e a Nescafé, com seus programas que garantem tecnologia e inovação aos produtores rurais, trabalham em conjunto para gerar e compartilhar conhecimento para milhares de pessoas, que poderão visitar o cafezal e ter acesso a um programa de educação ambiental e agronômico, ao mesmo tempo complexo, em termos de informação, e simples, pela forma como será apresentado”, destaca a pesquisadora do Instituto Harumi Hojo.
“A parceria é super importante para nós, especialmente pelo fato do Cafezal Urbano ser uma grande vitrine e laboratório da cafeicultura que entendemos ser a do futuro. Ter um cafezal tão pertinho da população, nos ajuda a mostrar de maneira bem prática as boas iniciativas feitas no campo, e que muitas vezes estão longe da realidade do consumidor. O Cafezal já pratica uma agricultura de baixo carbono e implementa ativamente pilares importantes da agricultura regenerativa, como o uso de cultivares melhoradas, e a preservação da biodiversidade e polinização através das abelhas”, Taissara Martins, gerente de marketing e sustentabilidade de cafés da Nestlé.
O Cafezal do Instituto Biológico pode ser visitado! Basta agendar através do e-mail cafezalurbanoib@biologico.sp.gov.br. Ele fica na Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 1.252, na Vila Mariana.
Deixe seu comentário