Vietnã, franceses e sua rica cultura cafeeira
Desde a minha primeira visita ao país, há três anos, fiquei inebriado com a cultura local, seus costumes, tradições, crenças e sua gastronomia. O Vietnã é um país fascinante, com história riquíssima, na qual muito de seu legado vem de invasões de outros povos, como a dos chineses, que durou cerca de mil anos, mongóis, japoneses, russos, franceses, entre outros, que, de alguma maneira, fizeram dessa amálgama um país encantador e único.
Os franceses deixaram três grandes heranças: a escrita, que tem como base o latim, a arquitetura e, principalmente, a gastronomia. E foi na comida e na bebida que tive as melhores surpresas, descobrindo a rica cultura do café no país. Ao longo da última década, o Vietnã se tornou uma potência mundial na produção cafeeira, sendo hoje o segundo maior produtor mundial de grãos, com pouco mais de 14% do total.
Para poder explicar a história do café no Vietnã, é preciso entender a narrativa da colonização francesa no país e na região, que durou cerca de oitenta anos. Além do Vietnã, os franceses ocuparam dois países do Sudeste Asiático: Laos e Camboja. Os três formariam a chamada União Indochinesa, referente não só ao poderio colonial do império francês, mas a essa região que ficava entre a Índia e a China, a Indochina.
Em parte da Europa, incluindo a França, já existia a cultura cafeeira desde o século XVII, e boa parte desse consumo era garantido por suas colônias, principalmente no Caribe, onde eram produzidos dois terços do café mundial. Após revoltas de escravos, essas colônias perderiam sua capacidade de cultivo; iniciava-se então um ciclo de novos produtores, como a Indochina.
A planta de café local
A lavoura de café foi introduzida na região em meados do século XIX, trazida de Bourbon, e, embora o Laos e o Camboja tenham sido os primeiros a produzir café, foi no Vietnã que a produção cresceu, principalmente no início do século XX, quando já era uma das principais fontes de renda para o país, o que se mantém até hoje.
O Vietnã tem uma topografia e uma paisagem complexas, que variam desde belíssimas praias e planícies, ideais para o cultivo de arroz (a segunda maior produção mundial), passando por florestas tropicais, até encostas, planaltos e montanhas com até 3.600 pés de altitude. Toda essa diversidade gera microclimas regionais ideais para o cultivo de diferentes espécies de café, por isso, em seu parque cafeeiro, são produzidas arábica (catimor), excelsa (ou chari), libérica, e, principalmente, robusta, que representa 45% da safra mundial, sendo o maior país produtor desse tipo de grão.
Além disso, os vietnamitas são conhecidos por produzir um café bem exótico e atualmente o mais caro do mundo: o café obtido pelas fezes do weasel, a doninha. Ele é basicamente obtido através do processo de digestão das fêmeas, no qual as enzimas fazem com que os grãos tenham um aroma parecido com baunilha, o que os torna menos amargos e bastante saborosos. O curioso é que ele existe desde a chegada do café ao país, quando a bebida era considerada de luxo, apenas disponível para colonos franceses e nobres da dinastia Nguyễn. Por isso, os agricultores só tinham acesso ao café que era digerido pelas doninhas. Hoje existem fazendas de doninhas domesticadas e um processo rigoroso de higiene.
Métodos vietnamitas
No geral, o processo de torra, estabelecido há décadas no país, é longo, lento e resulta em grãos de cor mais escura, com um toque de baunilha ou cacau, como se fossem caramelos.
Independentemente do grão ou blend escolhido, os vietnamitas têm como principal método o coffee dripper, em porções individuais e em um filtro que só existe lá, chamado de phin, cujo preparo é bem simples: basta colocar o café moído direto no filtro, posicionar o êmbolo com os furinhos por cima do café e pôr água quente. Lembra um pouco a prensa francesa.
A alta porcentagem do grão robusta na maioria dos blends, a torra escura e a baixa temperatura de fermentação resultam em um café bem amargo, que acaba sendo equilibrado com leite, açúcar ou leite condensado (cà phê sữa nóng), tão comum por lá que é um símbolo do país, chamado pelo resto do mundo de “café vietnamita”, no qual o leite condensado já vem no fundo da xícara e o café é filtrado nela, misturando-se naturalmente.
Bebe-se muito café gelado também, puro ou com leite (cà phê sữa đá), uma vez que o clima é muito quente, principalmente ao sul, em Ho Chi Minh (antiga Saigon). Já no norte do país, na capital Hanói, um dos cafés mais populares é o egg coffee (aliás, um dos meus favoritos), que é uma mistura de gemada bem cremosa com café. Existem outros preparos inusitados e comuns no país, como o café com iogurte, smoothie ou frutas.
Seja como for, é impressionante ver como a cultura do café faz parte do país, e é cada vez mais comum a presença de cafeterias especializadas, com baristas bem treinados e opções de diferentes métodos, além, é claro, do tradicional. A tendência é que o mercado interno cresça cada vez mais.
Esse é o Vietnã moderno, que tem arraigado na sua história a cultura cafeeira. Se você, como eu, é um apaixonado por café, só isso já vale a viagem. Saúde.
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