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Tomie Ohtake (1913-2015)
Em 2006, a Revista Espresso entrevistou Tomie Ohtake, em São Paulo. A artista morreu hoje, aos 101 anos, e aqui está nossa homenagem a esta brasileira, nascida no Japão. Conheça um pouco da história dela, que se dedicou à arte até o fim.
Sutileza e expressão na arte de criar
Ela aportou no Brasil em 1936. O que era só uma visita ao irmão, que “foi para longe da família para ter liberdade daquele rigor japonês”, se transformou em morada definitiva. Tomie Ohtake não imaginava, aos 23 anos, que aqui ficaria por toda a vida e construiria carreira tão brilhante no mundo das artes. Aos 92 anos, soma dezenas de obras representativas da arte contemporânea brasileira. Sua produção vai de quadros abstratos, gravuras, serigrafias (técnica de impressão em tecido), esculturas a instalações em espaços públicos. Sem deixar de lado a arte oriental: “essa influência se verifica na procura da síntese: poucos elementos devem dizer muita coisa”, afirma a artista.
A paixão pela arte surgiu ainda adolescente, porém só aos 39 anos “após o crescimento dos filhos” é que começou a pintar. Outro japonês, o artista plástico Keisuke Sugano a incentivou a percorrer o caminho das tintas. Nessa época, nos anos 50, Tomie pintava paisagens do bairro da Móoca, onde morava. Pouco depois, passou da arte figurativa para a abstrata, movimento que segue até hoje. Percorreu várias fases: ora pinceladas com duas ou três cores, quadros que exploravam a transparência; ora pinturas de cores mais vibrantes, tons contrastantes. Porém, prefere não classificar sua arte dentro de algum movimento artístico.
A primeira exposição individual ocorreu em 1957 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A partir daí, Tomie recebeu diversos prêmios, como o do Salão Nacional de Arte Moderna, nos anos 60; melhor pintora na década seguinte; além de participar de quase 20 bienais internacionais – a primeira em 1961, em São Paulo. Para ela “a arte mudou muito. Aquilo que era uma exposição de telas nas paredes, agora é acrescida de objetos, instalações, obras que vêm do teto” e alerta: acha as mudanças nas bienais “muito boas, se forem bem mostradas, se não, é perda de energia”.
O sol aflora o talento
De Kyoto, Japão, para São Paulo, Brasil, a então Tomie Nakakubo encontrou muitas diferenças culturais. Logo ao desembarcar no Porto de Santos, a jovem garota impressionou-se com o movimento de imigrantes e mercadorias indo e vindo pelo cais. O sol amarelo do país tropical imediatamente a arrebatou. De trem, a maioria dos recém-chegados seguia para a capital paulista ou para as fazendas do interior. Tomie, em visita ao irmão Masutaro, ficou em São Paulo. Entretanto, diferentemente de seus conterrâneos japoneses, que moravam no bairro da Liberdade, a família se instalou no reduto italiano da Móoca, zona leste da cidade.
Lá, sem poder voltar para a terra natal, pois “a Guerra do Pacífico impediu que houvesse muitos navios em trânsito e somente os passageiros absolutamente necessários viajaram ao Japão”, Tomie ficou no Brasil. Casou-se com o engenheiro agrônomo japonês Ushio Ohtake e teve dois filhos. Como dona de casa observava os movimentos do dia-a-dia da São Paulo dos anos 40 e 50. Quando a vontade de pintar veio forte, Tomie passou a integrar o Grupo Seibi, união de artistas plásticos japoneses que produziu importantes obras representativas do modernismo brasileiro e depois do abstracionismo – destaque para o pintor Manabu Mabe (1924-1997).
Como o talento aflorava, Tomie decidiu investir na carreira. Decisão nada fácil para uma mulher nos anos 70. Segundo ela, algumas importantes artistas plásticas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Maria Martins, Yolanda Mohalyi, Fayga Ostrower, Anna Letycia, Edith Behring e Renina Katz, abriram caminho para o gênero feminino atuar no campo das artes. Mas ainda assim, Tomie sentiu que em relação ao movimento abstrato: “o conservadorismo foi maior”.
Investimento no futuro
O amor pelo Brasil levou a japonesa Tomie a naturalizar-se brasileira em 1968. Além do carinho pelo país que a acolheu, a artista também gosta muito do movimento, das construções, da vida na cidade de São Paulo. Em 2001, para celebrar toda essa admiração, seus filhos Ruy e Ricardo criaram o Instituto Cultural Tomie Ohtake – espaço que reúne salas de exposição, ateliês, teatros e prédios de escritórios, além de centro de convenções onde funcionam restaurante, livraria, lojas e cafeteria – uma homenagem à artista que tanto pensa e contribui para que a arte no Brasil seja mais valorizada. “Quero que a arte seja bem escolhida e bem mostrada, e digo isto sempre aos meninos do Instituto. Nos últimos 15 anos, mudou a qualidade das exposições, para melhor.”
Assim, com o pensamento sempre no futuro, Tomie Ohtake passa seus dias. E, apesar de ter ultrapassado a barreira dos 90 anos, a artista não pára. Pinta diariamente por oito horas e faz planos para os próximos dois anos: “tenho em torno de seis obras públicas, esculturas, para pensar e organizar a execução. Sempre quero realizar o próximo trabalho”. E que assim foi por muitos anos.
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