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Sobre cafés e cogumelos: conheça essa nova onda

Com promessa de aumentar o foco e a longevidade, a bebida funcional de cogumelos é a aposta da vez

Por Letícia Souza

Quem escuta pela primeira vez o termo “café com cogumelo” pode pensar que se trata de algo ilícito ou secreto – e que deve ser dito em voz baixa. Afinal, o fungo tem propósitos já muito conhecidos, como o de agregar o gosto umami a preparos culinários ou oferecer uma viagem mental intensa e lúdica por meio das variedades alucinógenas.

Nem uma coisa, nem outra: nos últimos anos, essa combinação – um café misturado a um extrato de cogumelo – tem chamado a atenção da indústria de café pelo viés da saúde. Com diversas marcas já disponíveis, os cafés com cogumelo, também chamados cogumelos funcionais, prometem melhorar o foco e dar mais energia aos consumidores, além de reduzir o estresse, regular a imunidade e, até, combater inflamações.

A demanda por esse tipo de produto vem na esteira de tendências saudáveis, de mudanças nas preferências de consumo e do crescimento de bebidas e comidas plant-based ou funcionais.

Para produzir o café funcional de cogumelo, as empresas vêm explorando diversos fungos, o que resulta em produtos finais com características sensoriais distintas na xícara.

As variedades reishi (Ganoderma lucidum) e juba-de-leão (Hericium erinaceus), além das do gênero cordyceps, são as mais usadas no café e são conhecidas como cogumelos adaptógenos. O termo refere-se a substâncias que aumentam a resistência física ao estresse, influenciando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (eixo HPA), o principal sistema humano de resposta ao estresse. Desde os anos 1970, pesquisadores interessam-se pelos potenciais benefícios à saúde dessas variedades.

O juba-de-leão, por exemplo, é fácil de cultivar e é encontrado em vários países – o que ajuda a reduzir os custos de produção da bebida. Na xícara, o sabor do fungo é descrito como adocicado. Já o chaga (Inonotus obliquus), de sabor terroso, acastanhado e doce, combina bem com café.

Café com cogumelo é uma dupla bem popular nos Estados Unidos e na Coreia do Sul e vem ganhando, também, o mercado brasileiro, impulsionado pelas bebidas alternativas ao café tradicional.

O que diz a ciência

Enquanto cresce a procura por alimentos e bebidas que prometem melhorar a função cognitiva, alguns profissionais da saúde têm visto o consumo de café com cogumelo com ceticismo. “Não há evidências científicas que demonstrem que o café com cogumelos pode melhorar a clareza mental mais do que o café sem cogumelos”, diz o microbiologista Nicholas P. Money, da Universidade de Miami. “É apenas uma trend – mas uma trend lucrativa para algumas empresas’’, destaca.

Em artigo de maio sobre o tema, o Medical News Today, site de saúde reconhecido por publicar conteúdos baseados em estudos científicos revisados por especialistas, destaca que benefícios como suporte ao sistema imunológico e propriedades anti-inflamatórias são promissores, mas reconhece que são necessárias mais pesquisas para confirmar esses efeitos em humanos. Também o Healthline, outro site global de saúde de renome, ressaltou, em texto de 2024, que muitas das alegações de benefícios à saúde dos cafés com cogumelos ainda carecem de evidências científicas robustas.

Money ressalta, porém, que a ciência vem dando atenção aos efeitos dos cogumelos no organismo. “Existem estudos interessantes sobre os efeitos de compostos químicos específicos, extraídos de cogumelos, no desenvolvimento de células nervosas cultivadas em cultura”, conta o microbiologista. Mas esses estudos, alerta, não têm qualquer relação com os benefícios de beber café com cogumelos.

O que reforça ainda mais a desconfiança do microbiologista e de profissionais de saúde é o efeito de outros ingredientes que também podem ser acrescentados à bebida, como canela, gengibre, cardamomo, pimenta-preta e extrato de guaraná em pó — todos com propriedades benéficas reconhecidas, resultantes da presença de ômega-3 e das vitaminas D e B12.

Para Money, a única maneira de saber se gengibre ou cardamomo têm efeitos diferentes dos extratos de cogumelo no café é fazer experimentos nos quais um desses ingredientes esteja ausente. Ainda que taxativo, ele não acha que o uso de café com cogumelos deva ser proibido. “Se o cliente acredita que esse placebo tem efeito positivo sobre ele e se sente melhor após consumi-lo, tudo bem”.

A tendência bilionária do bem-estar

O fato de não haver comprovação científica sobre os efeitos fisiológicos do café com cogumelos parece não ter afetado as finanças dos que investem na sua comercialização. Segundo relatório da Strategic Market Research, em 2023, o segmento de café com cogumelo foi avaliado em US$ 2,3 bilhões e pode atingir US$ 4,5 bilhões até 2030 – o que representa uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 9,8% entre 2024 e 2030.

Outro levantamento, feito em 2024 pela IndustryARC, estima um cenário futuro mais modesto: US$ 4 bilhões até 2030, com crescimento anual de 4,2% no mesmo período.

Lançada em 2024, a marca brasileira Cafellow comercializa cafés com cogumelos sem aditivos. Depois de conhecer o produto nos Estados Unidos, a proprietária Paula Veloso estudou o mercado cafeeiro brasileiro e decidiu comercializá-lo por aqui. À época, conta ela, não havia nenhuma marca do gênero. “Aqui existem diversas marcas de café. Se quisesse me diferenciar delas, teria que criar um produto original – afinal de contas, os cafés da minha família são vendidos lá fora, então eu tinha que pensar em algo que fosse diferente, pra valer a pena’’, conta ela, cujos familiares têm cafezais na região do Cerrado Mineiro.

A ideia da empresária incluiu a comercialização do produto em sachê. “Ele é bem mais prático, você pode fazer dentro do avião, por exemplo. O drip você tem que rasgá-lo, ajustar na borda da xícara e passar o café. O sachê, você mergulha diretamente na água quente’’, diz ela, que processa os saquinhos, feitos à base de milho, na fábrica da família, em Carmo do Paranaíba (MG), e vende-os online em seu site.

“Pessoas que não abrem mão de um bom café ou que estão começando a tomá-lo, depois que provam o nosso, adoram e dizem que o sabor é muito suave, que quase não dá pra notar o cogumelo’’, garante Paula.

As normas regulatórias da Anvisa, porém, permitem apenas extrato da variedade Agaricus bisporus, o popular champignon, como suplemento alimentar.

Entusiasta de um estilo de vida mais saudável, a psicóloga brasileira Marina Camargo, CEO da Mushin,
acompanhou de perto o mercado norte-americano de café com cogumelos ao viver no país e decidiu explorá-lo no Brasil. “A marca surgiu com foco em comunidade, saúde mental e sustentabilidade. Isso precedeu a ideia do produto, que leva outros ingredientes funcionais na composição”, explica ela, que abriu a empresa de suplementos funcionais à base de cogumelos em 2022.

Mas, em lugar de atribuir aos cogumelos uma melhora na concentração humana, a marca prefere atribuir o benefício a outros ingredientes acrescentados à bebida, como cacau, extrato de guaraná e gengibre, além de a própria cafeína do café. “Acredito na ciência”, diz ela, ao concordar que, quanto à maioria das variedades, não há nada que comprove melhora em foco ou concentração. “De acordo
com as pesquisas que estão começando fora, o único cogumelo capaz disso, pois contém uma molécula relacionada a esses dois atributos, é o juba-de-leão. Mas no Brasil, essa variedade não é permitida’’, comenta a CEO. “Os estudos sobre cogumelos estão avançando muito, é só uma questão de tempo para que a gente  tenha mais opções disponíveis no mercado’’, aposta.

O café da Mushin vem de um pequeno produtor no interior de Minas Gerais, e o extrato de cogumelo, de uma empresa da Filadélfia. O processo de refinamento torna seu sabor e aroma praticamente imperceptíveis. Isso ajuda na fabricação de café funcional que, segundo Marina, lembra um cappuccino.

Texto originalmente publicado na edição #88 (junho, julho e agosto de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Letícia Souza

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