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Sílvia Magalhães: “Só vejo expansão para o mercado de cafés especiais”
Sem teorizações complexas, Sílvia Magalhães se consagra na área do café com projetos bem-sucedidos, mas sobretudo com a ponderação de que há mercado capaz de acolher toda sorte de consumidores
Se não fosse por um ajuste de última hora no valor do câmbio de um contrato de exportação, talvez Sílvia Magalhães tivesse “perdido o timing” para entrar na área de café, sabe-se lá. Era noite de 11 de março de 2001, os amigos estavam comemorando o aniversário dela sem nenhum sinal da aniversariante, que apareceu muito tempo depois. A festa em questão era na casa dela mesmo. “Aquela situação só potencializou o sentimento de que já não fazia mais sentido seguir a carreira em um banco”, relembra.
Bastou contar para um e outro que estava em busca de novos caminhos e logo recebeu o convite de amigos (que trabalharam no mesmo banco de investimentos) para ser gerente do Cafezim, um “blend de negócios” que envolvia uma cafeteria e a representação de uma marca de café para os mercados daqui e de fora, ideia inovadora para os idos de 2002. “Eu cuidava do business até me encantar com o preparo do café e toda a trajetória por trás de uma boa bebida”, diz.
Por mera curiosidade – ou intuição? –, ela aproveitava o treinamento dos baristas para extrair espressos e preparar coados. De tão disciplinada, Sílvia chegava às melhores xícaras, e para ser escalada para participar do Campeonato Brasileiro de Baristas, em 2002, foi um pulo. “Fui tranquila, sem nenhuma ambição, pois também era uma oportunidade para mostrar a cara do negócio”, afirma.
Mas ela levou o prêmio e constatou que já havia encontrado sua nova profissão. Só não tinha prestado atenção. Ao longo de quase 20 anos de carreira, Sílvia Magalhães foi tricampeã brasileira (2002, 2003 e 2007) e, com um sexto lugar, a barista do País que chegou mais longe no Campeonato Mundial de Barista, em 2007, no Japão. No seu modo de ver, títulos são bacanas, um reconhecimento, “mas nunca trabalhei em função deles”, afirma.
A forma direta de lidar com as situações (mas não menos afetuosa) é um traço reconhecido de sua personalidade. “Poderia enumerar muitas qualidades profissionais dela, mas o que mais admiro na Sílvia é sua forma verdadeira de se relacionar com a vida”, comenta Edgard Bressani, sócio-diretor da Capricornio Coffees, que foi seu parceiro de trabalho na Octavio Café e na Associação Brasileira de Café e Barista (ACBB); e que é, principalmente, seu amigo.
Alargando fronteiras
Sílvia Magalhães poderia ter escolhido transitar apenas entre seus pares de café especial. Seria um ambiente confortável para uma trajetória com tantas especializações — morou em Londres, fez cursos na Suíça, na Dinamarca e nos Estados Unidos, criou um “café com leite gelado” para o mercado japonês e esteve à frente de trabalhos de porte, como o da implantação da Octavio Café, em 2007, responsável por atividades que iam da formação de baristas à escolha do formato da xícara.
Mas ela quis ter experiências no “outro lado do balcão”. Foi trabalhar na Italian Coffee, para aprender sobre o universo das máquinas, e no Café Bom Dia, marca popular. “Torrávamos carretas de café num só dia, enquanto na Octavio isso era feito de pouco em pouco”, compara. Conviver em negócios tão díspares ajudou-a a não perder o pé da realidade, acredita. “Só vejo expansão para o mercado de cafés especiais, mas a gente não pode tratar com preconceito quem não está inserido nele, seja na cadeia, seja como consumidor”, analisa.
A propósito, desde que criou a empresa que leva seu nome, em 2015, Sílvia prepara blends para uma rede de lojas de conveniência (400 no total) que atende a todas as regiões do País. Em algumas, o cliente aceita uma bebida com características diferentes, um pouco mais ácida, noutras não dá para escapar muito do tradicional, mesmo que os grãos sejam selecionados e a torra, bem cuidada. “Falamos muito em paladar. Mas convém não esquecer que cada um tem o seu”, diz.
A maior lição que aprendeu em relação a isso foi bem no início da carreira. Com o primeiro título no bolso, ela abriu em 2003 a Bun Café, de cafés especiais. “Quebrei a cara porque o consumidor não estava preparado para esse tipo de produto”, relembra. Ao contrário do consumo de hoje em dia, quando o mercado de cafés especiais nacional movimentou, em 2016, R$ 1,7 bilhão, ou 2,8% do total de volume de cafés (varejo e foodservice), segundo a consultoria inglesa Euromonitor. O índice parece pequeno diante do gigantismo da commodity, mas é bastante significativo em relação ao passado.
Para um futuro breve, assim que a filha Carol crescer um pouco, Sílvia pretende retomar o que sempre gostou de fazer mais: sair pelas regiões produtoras, escolher os grãos e comprar direto do produtor, buscar a torra precisa e contar um pouco das histórias dos cafeicultores e de seus lugares através de cada embalagem. Enquanto isso, ela pretende seguir a vida do novo jeito que escolheu, “mais na boa, sem ser tão cheia de regras como antes”, diz. Sobre continuar sendo a fonte de inspiração para novas gerações, ela reage com largo sorriso e brilho nos olhos. “A Sílvia é uma referência para os baristas, sou muito agradecido a ela por ensinar tantas coisas, inclusive, a gostar de café”, diz Thiago Sabino, bicampeão brasileiro de barista (2014 e 2018) a sua mestra, com carinho.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses março, abril e maio de 2018 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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