Cafezal

“Robótica e automação reduzem dependência de trabalho humano no café”, diz especialista em IA

Em entrevista à Espresso, Anderson Rocha explica o que é revolução de convergência e suas diversas aplicações na agricultura cafeeira

Por Cristiana Couto

Você conhece a revolução de convergência? Se nunca ouviu falar deste conceito, esta entrevista vai te ajudar a entendê-lo. “Essa revolução tem um impacto profundo na forma como vivemos, trabalhamos e enfrentamos desafios globais, como mudanças climáticas e segurança alimentar”, garante Anderson Rocha, professor titular no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com destacada atuação nas áreas de IA e aprendizado de máquina. 

Cofundador e coordenador do Laboratório de Inteligência Artificial, Recod.ai, da Unicamp, seu trabalho sobre IA tem sido reconhecido internacionalmente. A seguir, ele explica o que é a revolução de convergência e suas aplicações em várias áreas de conhecimento, especialmente na agricultura cafeeira.

Espresso: O que é a revolução de convergência?

Anderson Rocha: Revolução de convergência refere-se à integração de várias tecnologias emergentes – como inteligência artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), biotecnologia, nanotecnologia, robótica e blockchain – para criar soluções interdisciplinares que resolvam problemas complexos e transformem setores econômicos. Essa convergência vai além de avanços isolados; ela potencializa o impacto de cada tecnologia ao combiná-las, permitindo inovações que eram impossíveis anteriormente. Essa revolução tem um impacto profundo na forma como vivemos, trabalhamos e enfrentamos desafios globais, como mudanças climáticas e segurança alimentar.

Quais as áreas que estão sendo mais impactadas por essa interação de tecnologias e por quê?

Na agricultura, com IoT e IA, sensores monitoram lavouras em tempo real, otimizando o uso de recursos como água e fertilizantes, bem como detectam problemas no solo e nas plantações como pragas e doenças, permitindo a tomada de decisão orientada a dados. Blockchain garante rastreabilidade, enquanto drones e robótica automatizam operações agrícolas. Nesse sentido, por exemplo, temos trabalhado em parceria com a Psyche Aerospace, empresa 100% brasileira, que tem a missão de revolucionar a agricultura a partir da inteligência artificial, robótica (com drones e hovers) e internet das coisas. 

Na área da saúde, a biotecnologia e a IA estão transformando diagnósticos, tratamentos personalizados e o desenvolvimento de medicamentos. Aqui, por exemplo, a hub de inteligência artificial para saúde e bem-estar, Viva Bem, ligada à Recod.ai, nosso lab de IA, procura detectar os primeiros sinais de problemas de saúde para promover o bem-estar. Trabalhamos com a detecção precoce de stress, ansiedade, hipertensão, diabetes e outros problemas.

Tecnologias como IA e IoT melhoram, também, a eficiência das redes elétricas e facilitam o gerenciamento descentralizado de energia renovável. Outro exemplo está numa exploração mais adequada, segura e objetiva do pré-sal brasileiro. Temos pesquisas para o pré-sal em que desenvolvemos soluções para identificar problemas de forma eficiente, resolvê-los pontualmente e maximizar a produção. Tudo a partir de sensores (IoT) e IA.

Já no ramo da indústria e manufatura, a robótica, combinada com IoT e IA, está criando “fábricas inteligentes”, mais eficientes e sustentáveis. Na área das finanças, ainda, a blockchain está revolucionando pagamentos, contratos inteligentes e cadeias de valor globais.

Essas áreas são impactadas porque enfrentam desafios que exigem maior eficiência, automação e transparência, algo que a interação de tecnologias pode oferecer.

De que maneira as tecnologias envolvidas na revolução de convergência podem ser (ou são) aplicadas para melhorar a eficiência e a sustentabilidade na produção do café?

A convergência tecnológica oferece diversas soluções. Uma delas é o monitoramento do solo e do clima a partir da IoT e da IA: sensores e algoritmos preveem padrões climáticos e necessidades do solo, permitindo irrigação e fertilização mais precisas, reduzindo desperdícios, como a Psyche Aerospace busca fazer, por exemplo. Outra solução está no uso de blockchain para a rastreabilidade, que é garantir que o café siga padrões de sustentabilidade e qualidade ao longo da cadeia de suprimentos, aumentando a transparência e fortalecendo o valor do produto para consumidores conscientes. Mais dois exemplos: na automação de colheita e manejo, máquinas inteligentes (robótica e drones) podem realizar a colheita com maior eficiência, reduzindo custos e perdas. Por fim, em termos de redução de impactos ambientais, a IA pode modelar práticas agrícolas que otimizam o uso de energia e reduzem emissões, enquanto a biotecnologia desenvolve variedades de café mais resistentes a pragas e mudanças climáticas.Essas tecnologias melhoram tanto a produtividade quanto a sustentabilidade, respondendo às demandas de consumidores e reguladores.

Quais desafios da agricultura em geral, e da cafeicultura em particular, poderiam ser melhor abordados pela integração de tecnologias emergentes? Há exemplos no Brasil ou globalmente?

Na agricultura, de modo geral, as tecnologias podem ajudar a prever e mitigar impactos climáticos, como secas ou temperaturas extremas. Ao mesmo tempo, soluções baseadas em IoT e IA combatem o uso ineficiente de recursos, ao otimizar o uso de água, energia e insumos. Outro desafio é o desperdício na cadeia de suprimentos, e o uso de blockchain aumenta a eficiência e reduz perdas ao longo do transporte e armazenamento.

Entre os desafios específicos da cafeicultura, a biotecnologia e a IA podem prever surtos de pragas e doenças e desenvolver plantas resistentes. Blockchain e sensores garantem, por sua vez, a manutenção da qualidade nos cafés, via rastreabilidade e padronização. Outra questão importante relaciona-se à sazonalidade e à mão de obra, e a robótica e a automação podem reduzir a dependência de trabalho humano em períodos críticos. No Brasil, o melhor exemplo é a startup Psyche Aerospace, que usa IA e IoT para monitorar condições agrícolas e otimizar a produção de diferentes culturas. Em termos globais, empresas como IBM Food Trust utilizam blockchain para rastreabilidade em cadeias alimentares, incluindo o café.

Uma das tecnologias emergentes é a blockchain, já utilizada na rastreabilidade do café. Mas o que é, como ela funciona e por que é tão importante?

Blockchain é uma tecnologia de registro descentralizado que armazena informações de forma imutável em blocos encadeados. Cada bloco contém dados, um timestamp (marcador de tempo) e um link para o bloco anterior, formando uma cadeia.

Todas as transações são transparentes, ao serem registradas em um livro-razão público ou privado. A tecnologia utiliza criptografia para proteger os dados, tornando quase impossível alterar ou hackear o sistema. Além disso, ela não depende de um único servidor ou autoridade central, o que torna a tecnologia descentralizada. Ela é importante na rastreabilidade do café por que dá transparência, ao permitir que se saiba a origem do café, desde a fazenda até o consumidor final, confiança, ao reduzir fraudes e certificar práticas sustentáveis, além de valorizar o produto, já que dá às marcas uma vantagem competitiva ao promover sustentabilidade e qualidade.

Uma cooperativa de café no Brasil, por exemplo, pode registrar no blockchain informações sobre práticas de cultivo, transporte e certificações, permitindo que compradores internacionais confiem na origem e na qualidade do produto.

TEXTO Cristiana Couto

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