Resiliência e xícara na mão: Como a cena de cafés em São Paulo tem enfrentado os desafios da pandemia?
Como está o setor das cafeterias na maior cidade da América Latina neste mais de um ano de pandemia de Covid-19? São Paulo já passou por diversas faixas neste período: amarela, laranja, vermelha, roxa. A cada mudança alteram-se as regras para os estabelecimentos, que oscilam entre os status “atendimento reduzido”, “apenas para viagem”, “só delivery” e “tudo aberto novamente”.
E neste vai e vem fecham-se comércios para sempre, como é o caso da Hey Coffee!. A cafeteria que disseminava (e democratizava) a cultura dos cafés especiais no centrão da cidade, mais precisamente na Rua Dom José de Barros, encerrou as atividades em janeiro de 2021. “Já tínhamos o sentimento de que as coisas não iriam melhorar no começo deste ano. E também tem todos os outros fatores, como negociar aluguel todo mês e trabalhar apenas com um funcionário na operação”, conta Tiago Munch, fundador da casa.
Devido à sua localização, a Hey Coffee! dependia muito do fluxo de pessoas que trabalhavam ou passavam pelo centro da cidade. Com o isolamento, a cafeteria perdeu forças, e por não ter a estrutura adequada, não conseguiu depender apenas do delivery. “Tivemos uma queda de uns 70% no movimento logo quando reabrimos, em junho. Como os escritórios seguiram fechados, assim como o SESC e a Galeria do Rock, todo aquele entorno que a gente alimentava deixou de existir. Isso impactou muito. Foi muito difícil ter que lidar com o estresse de tudo isso e ter que montar a operação de uma forma que ela sobrevivesse com o pouco de dinheiro que estivesse entrando”, lamenta o empresário. A economia do País, o aluguel alto, as contas e a segunda onda de contaminações resultaram na decisão do fechamento da cafeteria.
Pontos tradicionais que funcionavam há anos na cidade da garoa também se despediram dos paulistanos neste último ano. Na famosa Alameda Lorena, a unidade do Suplicy Cafés Especiais deu adeus em agosto de 2020. A decisão teve grande repercussão nas redes sociais, uma vez que a cafeteria servia xícaras da bebida no ponto desde 2003. “Nossos planos eram de reformar a unidade para que ela voltasse a ser nossa flagship, mas desistir deste sonho foi a forma que encontramos para manter os empregos do time de colaboradores da marca”, contou o proprietário Marco Suplicy em entrevista à Espresso. Leia mais aqui.
Além do Suplicy, outra perda importante foi a Octavio Café, que comunicou, no início de julho de 2020, o encerramento das operações das cafeterias da Faria Lima e do Shopping Cidade Jardim. De acordo com a rede, a crise gerada pela pandemia e o cenário incerto de reabertura das unidades foram fatores determinantes para a decisão do fechamento dos espaços. “Apesar do fim dessas operações, não abandonaremos o propósito de disseminar informação, educar e oferecer cafés especiais”, escreveu a equipe em post nas redes sociais. Os produtos da marca continuam sendo comercializados em supermercados.
A atual “dança das cadeiras” vivida em São Paulo foi sentida também pelo pessoal do Sofá Café. No final de abril de 2021, a rede comunicou que precisou entregar o ponto de duas importantes unidades: Pinheiros e Atrium. A unidade do bairro de Pinheiros, inclusive, foi a primeira loja da marca e simboliza o pontapé inicial dado há 10 anos. “Já foi o pior ano da história para nós que vivemos de café e de cafeteria por conta da crise e dos problemas financeiros. Manter as coisas é muito difícil. Justo este ano, que fazemos dez anos em julho, temos que sair das duas principais lojas do Sofá Café”, conta Diego Gonzales, fundador da rede. De acordo com ele, as quatro casas que compõem o terreno em Pinheiros darão espaço a um prédio.
Mas, nem tudo está perdido! A mudança da matriz foi feita para outro ponto na mesma rua, a Henrique Monteiro, e a inauguração aconteceu logo depois, no final de abril. Já a loja da Atrium será transferida para o bairro da Santa Cecília, mais especificamente atrás da Santa Casa. No local, além de cafeteria, também acontecerão as torras dos grãos e o projeto Fazedores de Café, que ensina e insere jovens da periferia no mercado dos cafés especiais. “Alugamos agora, aí é mais uns dois meses de obra até colocar tudo no lugar”, prevê Diego.
Alguns fecham, outros mudam e novos abrem!
Mesmo com a nuvem de incertezas pairando pelo País, a capital paulista tem ganhado alguns novos estabelecimentos de café. A IL Barista Cafés Especiais, por exemplo, lançou duas unidades este ano, dessa vez no Shopping Cidade Jardim e no CJ Shops Jardins. “Tivemos um break inesperado, longo e sofrido devido à pandemia, onde a forma de consumir café mudou, os coffee lovers ficaram mais em casa e o setor de cafeterias encolheu. Porém, continuo firme nos meus propósitos, investindo em modelos diferentes, sempre ressaltando a experiência de consumo e preparando a empresa para esses novos tempos”, comenta Gelma Franco, proprietária da rede.
Além de grandes marcas, pequenas casas também estão compondo esta “nova São Paulo”, como é o caso da Naif Café, na Vila Buarque; da Abóbora Café, do Café de Marte e do Juma Café, na Santa Cecília; do Pato Rei e do Moka Clube, em Pinheiros; da illycaffè, no Jardins; do Mesa Café, no Itaim Bibi; do Café do Beco, na Vila Leopoldina; do Bori Café, na Liberdade; do King of The Fork, na Vila Clementino; do Café Zinn, em Cerqueira César; entre outras.
Para além das cafeterias
As torrefações também foram abaladas nesses tempos pandêmicos. Com importante atuação na capital paulista, a Isso É Café, que funcionava na Santa Cecília, também encerrou as atividades em 2021. “Vamos continuar firmes e fortes no mercado do café, porém somente com cafés crus pela FAFCoffees, nossa empresa de café verde, e pela nossa Fazenda Ambiental Fortaleza. Na Santa Cecília, a Isso É Café deixará de operar. Agradecemos a todos vocês que nos apoiaram e que foram parceiros. Seguimos nossa expertise, a produção e curadoria de cafés especiais brasileiros. E vamos juntos fazer São Paulo realizar a sua vocação, se tonar a cidade do café!”, escreveu a equipe em post nas redes sociais no final de março.
Mas, assim como as cafeterias, entre fechamentos há inaugurações. E o povo de São Paulo continuará tendo café fresquinho a qualquer hora! Tanto na capital quanto nas cidades próximas, algumas novas microtorrefações já deram as caras de 2020 para cá, como é o caso da Rua 3 Café, no bairro do Tatuapé; da J. Café, na Vila Leopoldina; e do Centro de Torra da Um Coffee Co., no Bom Retiro.
A vida é feita de ciclos. Nestes 467 anos, entre perrengues e alegrias, chuva e sol, a capital da garoa já foi enredo de muitas e muitas histórias. Facilmente a frase “Põe casaco, tira casaco”, do icônico filme Karatê Kid, se aplica a nós, moradores e frequentadores desta grande metrópole. Assim como a sua mudança de clima que contempla (incrivelmente) as quatro estações em 24 horas, São Paulo segue na sua mudança de enredo, de personagens e de café.
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