Mercado

Nova percepção de valor de um especial

O lançamento do novo protocolo de degustação da SCA, programado para 2025, promete transformar o mercado dos cafés de qualidade

Após três anos de pesquisa, a SCA (Specialty Coffee Association) desenvolveu um novo protocolo de avaliação de cafés especiais, o Coffee Value Assessment ou CVA (avaliação do valor do café, em português), previsto para ser lançado em 2025. O novo protocolo traz uma abordagem inovadora ao integrar métodos modernos de análise sensorial às descobertas da psicologia, do neuromarketing e de conhecimentos sobre o mercado consumidor.

O Coffee Value Assessment, ainda em fase beta (de testes), atualiza uma ferramenta crucial de avaliação de qualidade em café – o protocolo SCA – ao levar em conta a demanda do mercado de especiais. Vale lembrar que o protocolo SCA utilizado atualmente tem raízes em 1984, quando Ted Lingle escreveu o manual de degustadores de café e a roda de aromas.

Como instrutora autorizada da SCA, fiz em 2023 o curso sobre o CVA conduzido por Mario Fernandez Alduenda, técnico responsável pela divulgação do novo protocolo.

Pouco depois, ao dar uma palestra sobre o assunto em Belo Horizonte, na Semana Internacional do Café 2023, percebi inquietações na plateia. As alterações feitas em uma ferramenta tão sensível como é o protocolo de prova e degustação de cafés da SCA provocou apreensão naqueles que fazem uso dela, especialmente quando são informados de que atribuir pontuações a um café já não é mais o objetivo principal do novo protocolo.

Neste texto para a Espresso, faço meus comentários quanto ao CVA a partir de dois pontos de vista: o de pesquisadora e o de aluna. Como pesquisadora em neuromarketing gastronômico – disciplina que combina neurociência, psicologia e marketing para compreender o comportamento de consumidores e, assim, incrementar estratégias de marketing –, pude avaliar como o consumidor de café percebe a qualidade do grão na xícara e quais os fatores relevantes para o incremento dessa percepção. Em meu estudo, feito na Espanha em parceria com a fusiónLab, especialista em neuromarketing aplicado, utilizei ferramentas e técnicas bastante específicas.

Como resultado, descobrimos que consumidores habituais de café tradicional conseguem identificar a qualidade superior do café especial. Também demonstramos que, mesmo em recipientes feitos de diferentes materiais, a percepção de qualidade se mantém e que o storytelling da origem e do processamento do café é o principal fator na experiência do consumidor com especiais, elevando sua apreciação. Este é um resultado surpreendente, pois quebra a ideia de que o hábito não supera a
qualidade de um produto. E que, mais importante que o recipiente que acondiciona o café é o cuidado na sua apresentação.

Já como aluna, fiquei curiosa em saber em que parâmetros o protocolo CVA difere dos métodos atuais de avaliação de cafés. De acordo com o CVA, as características de um grão têm impacto em nossa compreensão quanto ao seu valor tanto em termos de qualidade (intrínseco) como em relação a fatores externos, como a origem e a história da fazenda. Esse valor depende muito do mercado consumidor e de sua percepção do grão. O que define o CVA, portanto, é que a pontuação tradicional do protocolo SCA não tem mais o mesmo peso na avaliação de valor de um grão de qualidade.

O CVA baseia-se, assim, em atributos de sabor e de valor do café. Nessa nova avaliação, consideram-se duas classes de atributos: os intrínsecos e os extrínsecos. Os intrínsecos incluem perfil sensorial, torra, tamanho do grão e pontuação, enquanto os extrínsecos consideram a origem do café, as certificações que ele possui e a identificação da fazenda onde foi cultivado, assim como a do produtor e a da marca. Esses atributos, por sua vez, organizam-se em quatro pilares: avaliação física do grão, avaliação dos seus atributos sensoriais de sabor, avaliação afetiva de impressão de qualidade dos atributos de sabor e avaliação extrínseca – este último, embora já seja utilizado pelo mercado de especiais, agora tem a oportunidade de estar documentado como um fator de peso. Quanto mais atributos forem somados, mais especial será o café.

Portanto, são duas as grandes novidades do CVA: a separação entre avaliação sensorial descritiva e avaliação afetiva (impressão de qualidade do atributo sensorial) e a incorporação de fatores extrínsecos (que contribuem muito para o valor do café). A avaliação descritiva inclui a lista CATA (check all that apply, que significa “verifique tudo o que se aplica”). Já a avaliação afetiva serve para verificar a qualidade dos atributos registrados na descrição – se ela é positiva ou negativa. Assim, o CVA, a partir dessa reordenação, tornou-se mais fidedigno à análise sensorial moderna.

Durante minha palestra na SIC, os principais questionamentos do público diziam respeito ao fato de que o CVA não considera mais apenas a pontuação de um café para definir sua qualidade. Sim, é verdade. Isso, porém, não significa que este quesito vai ser eliminado, mas, sim, que ele vai ser diferente do que foi até agora (80 a 100 pontos), aproximando-o da pontuação utilizada na avaliação sensorial de vinhos (0 a 100 pontos). E será o mercado que irá definir quais os atributos que mais pesam na hora de determinar o valor de um lote. Essa adaptação visa atender a diferentes mercados consumidores, que desejam diferentes perfis de cafés, pois a pontuação já não define mais um lote.

Quanto à segunda novidade, mensurar os atributos extrínsecos do grão (que contribuem significativamente para o seu valor) fornece ao mercado uma visão holística das características do café, o que, por sua vez, permite que compradores e vendedores avaliem seu valor de mercado de forma mais abrangente. Ou seja, se avaliar a qualidade sensorial da bebida na xícara é fundamental para aqueles que apreciam cafés especiais, a decisão de compra dos grãos também leva em consideração os elementos extrínsecos.

Pesquisas recentes destacam o interesse cada vez maior dos consumidores em saber a origem do café e seus atributos relacionados à sustentabilidade, como práticas orgânicas de cultivo e certificações de comércio justo. A história do lote e da fazenda onde ele foi cultivado também interfere na percepção de qualidade e nas preferências de consumidores e mercados, influenciando as decisões de compra.

Vale reforçar que se trata de um protocolo em fase beta, o que significa que ele pode sofrer adaptações até seu lançamento. Além disso, colocá-lo em prática vai ajudar a SCA a fazer ajustes que, porventura, surjam pelo caminho. De qualquer modo, a inclusão dos atributos extrínsecos na valoração de um grão de qualidade irá melhorar a comunicação voltada aos consumidores, que conseguem identificar qualidade quando é informado a eles a história por trás daquela xícara. É fundamental, porém, que essa nova maneira de atribuir valor aos cafés chegue, também, aos produtores. Há cada vez mais pesquisas sobre o universo dos cafés de qualidade e, também, um consenso de que o produto evoluiu significativamente nos últimos 20 anos. Assim, o novo protocolo de degustação dos grãos especiais deve refletir essas novas conquistas.

Ferramentas de neuromarketing

Existem várias ferramentas e técnicas utilizadas em neuromarketing para obter insights sobre respostas emocionais e cognitivas dos consumidores. Algumas delas são:

Ressonância Magnética Funcional (fMRI): Esta técnica de neuroimagem é usada para medir a atividade cerebral enquanto os participantes respondem a estímulos de marketing, como anúncios ou produtos. Ela oferece informações sobre áreas específicas do cérebro ativadas durante experiências diferentes.

Eletroencefalografia (EEG): O EEG registra a atividade elétrica do cérebro, proporcionando uma visão, em tempo real, das respostas cerebrais às diferentes estimulações. É frequentemente utilizado para medir atenção, emoções e níveis de envolvimento dos participantes de um experimento.

Eye Tracking (Rastreamento Ocular): Monitora os movimentos oculares para determinar para onde os
participantes estão olhando. Isso ajuda a identificar áreas de foco em anúncios, embalagens de produtos e outros elementos visuais.

GSR (Galvanic Skin Response): A GSR mede as mudanças na condutância da pele, indicando variações no nível de excitação ou estresse dos participantes diante de estímulos específicos.

Medição de Ritmo Cardíaco: A frequência cardíaca pode ser monitorada para avaliar o nível de excitação ou ansiedade em resposta a estímulos de marketing.

Técnicas de Resposta Emocional: Incluem métodos como o Facial Coding, que analisa expressões faciais para avaliar as respostas emocionais dos participantes.

Pesquisas Implícitas: Usam tarefas indiretas para capturar reações subconscientes, como associações
automáticas entre conceitos e emoções.

Realidade Virtual (VR) e Realidade Aumentada (AR): Permitem simular experiências de compra dos participantes ou sua interação com produtos em um ambiente controlado para captar essas reações.

Texto originalmente publicado na edição #83 (março, abril e maio de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Josiana Bernardes é fundadora do Idcoffeelab, na Espanha, especialista em neuromarketing gastronômico e instrutora autorizada da SCA. • FOTO Agência Ophelia

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