Cafezal •
Josiane Cotrim
“Há mulheres na cafeicultura brasileira e elas trabalham muito”
Josiane Cotrim Macieira cresceu em uma fazenda de café na mineira Manhumirim e, há seis anos, dedica-se à causa da International Women’s Coffee Alliance (IWCA), a Aliança Internacional das Mulheres do Café, em português. Jornalista, mãe de duas meninas, Malu e Bebel, ela trabalhou por muitos anos na área de Comunicação até juntar-se a um grupo de mulheres do setor agroindustrial do café para criar o capítulo da IWCA Brasil, em 2011. Aos 56 anos, Josiane é casada com um embaixador brasileiro e já morou em seis países: Iraque, França, Irlanda, Suíça, Nicarágua e, agora, Noruega. “Eu brinco com meu marido que vou com ele para qualquer país, produtor ou consumidor de café.”
Apesar de voar muito por este mundo, Josiane é daquelas mulheres que estão enraizadas em seus valores e sabem muito bem conectar as pessoas para a construção daquilo em que acreditam. Nesta entrevista para a Espresso, ela fala a que se dedica em todos esses anos: “O empoderamento feminino contribui para a melhoria de vida da família e da comunidade. Vamos continuar perseguindo o nosso sonho de um mundo de oportunidades iguais para homens e mulheres para que as famílias que vivem do café tenham vida sustentável. Afinal, onde tem café, tem sapato no pé!” Leia os melhores momentos desta entrevista.
Qual é a sua lembrança de infância com café em Manhumirim? São muitas lembranças. Cresci numa fazenda onde a principal atividade era o café. Uma imagem muito viva na minha memória são as apanhadeiras de café na estrada, voltando do trabalho na época da colheita com feixes de lenha na cabeça. Ficava imaginando que elas chegariam em casa, ainda teriam de acender o fogo, cozinhar e começar tudo de novo no dia seguinte. Acho que essa imagem me motiva e inspira neste trabalho com as mulheres, porque sei que é um trabalho duro a produção de café.
Desde que geração sua família é de cafeicultores? Sou descendente, por um lado, dos imigrantes que chegaram ao Brasil no início do século XIX, gente muito simples, do meio rural da Suíça e da Alemanha, agricultores que aqui passaram a se dedicar ao cultivo de café. No início se instalaram em Nova Friburgo e as gerações seguintes adentraram o interior em busca de mais oportunidades. Minha mãe nasceu em Luisburgo, uma região montanhosa, terra de excelentes cafés.
Quando e como você começou a participar do movimento de mulheres? Sempre gostei de trabalhar em grupo. Em 1994, fui morar na França e participei de um grupo de mulheres que era mais voltado para a cultura e a literatura. Foi um aprendizado muito grande conviver com mulheres do mundo todo, de cultura e língua diferentes. Foi ali que perdi o preconceito que tinha com associações e grupos de mulheres.
Quando foi seu primeiro contato com a IWCA internacional? Foi em 2009, em Manágua. Eu tinha acabado de chegar à Nicarágua acompanhando meu marido no seu primeiro posto como embaixador. Meu primo, agrônomo e produtor em Manhumirim, o Sérgio Cotrim D’Alessandro, me falou de um simpósio, o Ramacafé. Fui até lá participar e fui muito bem recebida.
Era a primeira vez que morava em outro país produtor depois do Brasil e estava muito curiosa para conhecer o modo de produção dos cafés de lá, tão diferente daquilo a que eu estava acostumada. Gabriela Hueck, que organizava o evento com o marido, estava com um broche com a logo da IWCA, aquela figura feminina com o grão de café acima da cabeça. Achei muito bonito e significativo. Fiquei interessada, pois já vinha tentando fazer alguma coisa pelas mulheres da minha região. Quando minha mãe ficou viúva, eu me lembro de como foi difícil para ela manter a propriedade. Ela e sua melhor amiga, também viúva, eram sozinhas tentando levar o negócio em frente, sem muito apoio. Os cursos oferecidos eram de culinária, o que ela tinha feito por quarenta anos. Ela precisava aprender gestão, poda, prova. Para ter uma ideia, nas áreas rurais quando uma propriedade está muito descuidada, costuma-se dizer que “parece lavoura de viúva”. Nada respeitoso para com as mulheres.
Como surgiu a ideia de ter uma aliança de mulheres do café no Brasil? A IWCA nasceu na Nicarágua e foi muita sorte poder conhecer de perto como tudo começou; como um encontro de mulheres da indústria com produtoras, em 2003, deu origem a uma organização que hoje conecta mulheres de vinte países com o objetivo de criar oportunidades de aprendizado, contatos e negócios para que elas prosperem com suas famílias.
No início de 2010, fui com minhas amigas nicaraguenses à Guatemala para a Conferência Internacional do Café, evento que a Organização Internacional do Café (OIC) realiza a cada cinco anos. A IWCA teve um painel moderado por Sunalini Menon, pessoa que conhece café como poucas, além de um ser humano incrível. Nessa conferência, conheci várias líderes, inclusive a Mery Santos, hoje presidente da IWCA, que me disse que havia tempos elas tentavam incluir o Brasil. Margaret Swallow, que também conheci na ocasião, me disse que era impossível falar em café e mulheres sem ter o Brasil.
O Sérgio Parreiras me ajudou a identificar lideranças com a sua rede de contatos do setor e me pôs em contato com líderes de diferentes regiões, como a Brígida Salgado, de Piatã, a atual presidente da IWCA Brasil, a Maria Helena e as filhas Ilana e Amanda, do Café Helena, de Dourados, e Débora Fortini, da Academia do Café. O Aymbiré Ferreira e a Maria Amélia Ferrão me instruíram com as estatísticas e a realidade da nossa cafeicultura. Eu conhecia a realidade da minha região, mas não tinha noção do resto do País. Então aceitei o desafio de criar a IWCA no Brasil.
E como foram os primeiros encontros? Meses depois da conferência da Guatemala, visitei minha família em Manhumirim. Meu primo Sérgio me convidou para o lançamento de um projeto, o Foco Competitivo, embrião do Matas de Minas. Ali conheci a Priscilla Lins, do Sebrae MG, que entendeu logo o que eu dizia. Guiado pelo profissionalismo dela e da equipe do agronegócio do Sebrae, esse projeto foi tomando forma para ser um sucesso no 6º Espaço Café Brasil, em outubro de 2011. Antes, em abril, o Brasil foi o país homenageado no evento da SCAA em Houston. Fui convidada para o café da manhã anual da IWCA e lá conheci a Jackeline Uliana do Espírito Santo, além de produtoras da Bahia. E não foi difícil concluir que precisávamos envolver o Brasil inteiro e não apenas o Estado de Minas. O desafio ficou ainda maior.
Por indicação do Marcos Reis, na época no Sebrae, entrei em contato com a Café Editora. Fui a São Paulo e lembro-me perfeitamente desse encontro no Suplicy Cafés, na Alameda Lorena. Caio Fontes, Mariana Proença
e eu tomamos um espresso preparado pela Daniela Capuano. A sinergia foi rápida e mal acabamos o espresso, já estava tudo “alinhado”. E o seminário foi um sucesso. Foram dois dias intensos de muito aprendizado e trabalho conjunto. Linda Smithers (ex-presidente da SCAA), que, junto com Mery Santos, coordenou o seminário, disse à época que em dois dias fizemos o que muitas tinham levado dois anos.
A prova de cafés, o cupping, foi uma experiência única. Mulheres que trabalhavam com café a vida toda e nunca tinham provado. É incrível como o aprendizado contribui para a autoestima; saímos do encontro com muita energia. Mais de sessenta mulheres de diferentes regiões se conhecendo, trocando ideias, muito emocionante. Um ano depois, em 2012, no 7º Espaço Café Brasil, assinamos o Memorando de Entendimento com a vice-presidente da IWCA, Johanna Bot, que viajou especialmente de Houston para isso. Estava criada a IWCA Brasil.
Como avalia a atuação das mulheres depois da IWCA Brasil? Acredito que a visibilidade lhes deu espaço para demonstrar a força que possuem. O fato de pertencerem a uma entidade de cunho internacional, que respeita e reconhece a todas como parte importantíssima da indústria do café, contribui muito para que as mulheres sejam mais pró-ativas, com autoestima e confiança nelas mesmas. Elas sabem que não estão sozinhas. As mulheres estão indo atrás dos recursos que existem e que podem ser acessados, formaram a demanda necessária para que os treinamentos certos cheguem às pessoas certas. Isso porque atuamos em rede e as experiências positivas vão sendo divulgadas e influenciando outras regiões.
A comunicação e a troca de informações vão inspirando a todas. Hoje todas estão conectadas pelas redes sociais não só com o Brasil, mas também com o mundo. E não apenas virtualmente. Participam dos eventos de café de outras regiões e recebem visitas de membros da IWCA internacional.
E, claro, a Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte, é o principal ponto de encontro. É a nossa SCAA, onde realizamos o café da manhã, como no evento norte-americano, o que permite maior integração, e faz com que todas possam apresentar o trabalho que desenvolvem na sua região.
O que considera essencial para o empoderamento feminino no café? É a geração de negócios, sem dúvida. Sempre achei que produzir café era difícil. Na verdade o mais difícil é comercializar. Estamos chegando lá. Já temos casos de empoderamento feminino graças a treinamentos com impactos consideráveis nas comunidades dessas mulheres.
É preciso acessar o mercado, vender bem o produto para aumentar a renda, para que as condições de vida melhorem e que se possa investir mais no negócio. Isso é um processo. Primeiro vem o conhecimento, o aprendizado, a informação, os treinamentos, os contatos, a mudança de comportamento.
Qual sonho já realizou e qual ainda gostaria de ver realizado? Quando começamos o trabalho de mobilização das mulheres no Brasil, meu sonho era mostrar ao mundo que, sim, há mulheres na cafeicultura brasileira e elas trabalham muito na colheita, na pós-colheita, no barismo, nas cooperativas. Enfim, tornar nossas mulheres visíveis, pois a ideia é que no Brasil a cafeicultura é toda mecanizada e que as mulheres trabalham pouco na lavoura e na colheita. Hoje não há dúvidas de que não é bem assim. Demonstramos isso e posso dizer que realizei meu sonho.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui)
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