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Conectados na Origem
O Brasil recebe o Barista & Farmer 2016, o único reality show de café no mundo, que integra baristas e produtores em dias de vivência constante na fazenda e de muito aprendizado
Em 2015, em Seattle, durante a feira norte-americana de cafés especiais, a SCAA, encontrei o barista Francesco Sanapo, que falou bem alto, com seu estilo italiano: “Brasil! Preciso falar com você!”. Naquele momento, ele havia resolvido que realizaria o Barista & Farmer no maior país produtor de café do mundo. Em parceria com a O’Coffee, por meio do CEO Edgard Bressani, o evento tomou forma e reuniu no último mês de maio um reality show que leva baristas internacionais de diferentes países para conhecer uma região produtora de café e realizar diversos aprendizados na área técnica de prova, torra e preparo.
A ideia surgiu quando Francesco visitou pela primeira vez a fazenda San Pedro, em Porto Rico, da produtora Rebecca Atienza. “Lembro exatamente o momento em que eu vi pela primeira vez um fruto de café no pé. Foi uma enorme emoção e, naquele instante, pensei como seria importante outros baristas pelo mundo vivenciarem a mesma experiência.”
A primeira edição do programa aconteceu em 2013, na própria fazenda, com doze baristas da Itália, terra de origem de Francesco, proprietário da Ditta Artigianale. Depois, em 2015, em Honduras, a ideia tomou fôlego de projeto, com maior estrutura e com a decisão de que o evento seria anual e realizado mundialmente, em diferentes lugares.
Brasil, 2016
Neste ano a fazenda parceira foi a Nossa Senhora Aparecida, do grupo O’Coffee, em Pedregulho, na Alta Mogiana (SP). Durante onze dias, baristas de dez origens estiveram em uma produção de café, muitos deles pela primeira vez. O objetivo principal do Barista & Farmer é propagar conhecimento para os profissionais, que o levarão para seus países de origem juntamente com a experiência que vivenciaram no evento. Neste ano, participaram por seleção e votação popular, depois de 200 inscritos por vídeo, os baristas Agnieszka Rojewska (Polônia), Nikolaos Kanakaris (Grécia), Daniel Rivera (Porto Rico), Raphael Ferraz de Souza (Brasil), Miguel Vera (Venezuela), Olga Kaplina (Rússia), Amy-Nare Manukyan (Armênia), Evani Jesslyn (Indonésia), Guido Garavello (Itália) e Rosey Hill (Austrália).
A dinâmica do evento é um misto de provas de colheita, plantação, brincadeiras, testes técnicos em laboratório, além de pontuações extras por atitudes positivas durante a convivência em grupo. A Espresso acompanhou alguns dias de provas na fazenda, todas avaliadas pelos juízes Andrej Godina (professor certificado da SCAE), Sonja Bjork Grant (juíza principal do Campeonato Mundial de Barista), e Tabatha Creazo (Gerente de Qualidade e Treinamento do Octavio Café).
De acordo com Sonja, “o Barista & Farmer ajuda muito os baristas, pois, ao chegarem em casa, eles estarão de volta ao trabalho e contarão aos clientes o que eles aprenderam ou viram pela primeira vez, como uma plantação de café, a colheita. Esse é o exemplo perfeito de como espalhar a cultura do café de qualidade”.
Equipes Papaya Power e Free Mandela
O projeto tem como um dos objetivos criar uma atmosfera saudável de competição entre os baristas. Para isso, eles são divididos em duas equipes, que pontuam de acordo com as provas. Nesta edição, as turmas escolheram os nomes de Papaya Power e Free Mandela. Diariamente, eles tinham que acordar às 5 da manhã para colher café e, só depois, no período da tarde, tinham aula técnica e teórica sobre a bebida.
A estrutura da O’Coffee permitiu que eles pudessem testar o benefício do café natural, cereja descascado e até lavado. Segundo o participante brasileiro Raphael, “é uma oportunidade de eles conhecerem toda a produção do café brasileiro. Eles não conheciam muito o processo natural e isso eles viram aqui como funciona”.
Além de conhecerem a produção, os baristas inteiraram-se das atitudes sustentáveis da propriedade, como as certificações e o respeito e valorização do trabalhador da fazenda. Segundo Edgard Bressani, da O’Coffee, “temos muitos projetos para os nossos colaboradores. Eu trabalho para manter todos comigo, para tornar a vida deles melhor, porque eles ajudam no crescimento da empresa e, portanto, nós buscamos pagar-lhes mais do que os outros produtores da região. Estamos crescendo muito e vamos continuar a fazê-lo porque temos sempre uma demanda maior para o nosso produto, mas vamos passo a passo, tentando fazer a diferença”.
Para Francesco, o objetivo de realizar o encontro no Brasil foi também para mostrar que, “além de a O’Coffee ser uma grande indústria de café, ela é bem organizada, com muita tecnologia e conhecimento, principalmente no setor dos cafés especiais”.
Outras paradas
Além de estarem na O’Coffee, os participantes foram à cidade de Lambari (MG) para conhecer o projeto de pequenos produtores realizado pela Lavazza e Giuseppe e Pericle Lavazza Onlus Foundation, intitulado ¡Tierra!, que, desde 2002, em conjunto com a Rainforest Alliance, investe na melhoria das condições sociais e ambientais para a produção de café dessa comunidade. Eles, então, novamente colheram café e participaram de cuppings e de outras provas.
Depois de Lambari, foi a vez de visitar Santos, onde os participantes puderam conhecer o porto de saída dos cafés e também a área histórica, como o atual Museu de Santos e os arredores da antiga Bolsa do Café. Pedro Mendes, guia-educador do museu, explicou para os baristas a importância do café para a nossa história: “O café permitiu o desenvolvimento do País em todos os níveis. Há, portanto, uma ligação profunda entre a Europa e o Brasil e nós simplesmente não podemos falar sobre a nossa história sem falar de café. Para nós, ele é insubstituível”.
Em São Paulo, já perto do fim da competição, os baristas tiveram uma prova no Mercado Municipal, onde, com R$ 50, cada grupo recebeu a missão de comprar ingredientes para elaborar um drinque com café. Além de ser um desafio encontrar os sabores dentro dos milhares de opções do Mercadão, havia a barreira do idioma, que proporcionou momentos engraçados. O melhor drinque será incluído no cardápio da cafeteria Octavio Café.
O grande campeão
No último dia, anunciou-se o grande vitorioso da competição. O projeto é filmado o tempo todo, fotografado, e registra as reações dos baristas. Os juízes avaliam o conjunto da obra e pontuam os profissionais ao longo dos onze dias. Ao final, todos, na verdade, viram uma grande família e ao que menos se dá valor é ao fato de ser o vencedor propriamente. O anúncio foi cheio de suspense e muita emoção, com todos dando o depoimento sobre como tinha sido importante participar do projeto, que, segundo Rebecca, uma das criadoras, “é uma oportunidade única na vida de aprender e vivenciar tantos bons momentos”.
Três baristas foram finalistas: a russa Olga Kaplina, o brasileiro Raphael de Souza e o grego Nikolaos Kanakaris. O grande campeão, anunciado durante a premiação, no Octavio Café, foi o grego Niko: “Eu descobri o café por acaso —, quando eu estudava e houve uma greve de seis meses e então me vi trabalhando atrás do balcão. E eu nunca mais parei desde então. Não há palavras para descrever essa experiência, mas devo confessar que vencer não é realmente tão importante assim. O importante são as relações que construímos com as pessoas que conhecemos graças a este projeto, e que estarão sempre no meu coração”.
O projeto, realizado em colaboração com a Rimini Fiera — SIGEP (Salone Internazionale Gelateria Pasticceria e Panificazione Artigianale), será transformado em vídeo, que vai ser apresentado durante o Campeonato Mundial de Barista, em Dublin, na Irlanda, de 22 a 25 de junho, e também circulará pelo mundo em festivais de café. Vida longa à conexão entre produtores e baristas.
Ficha técnica
FAZENDA O’Coffee: fazendas Nossa Senhora Aparecida, São José, Santa Adélia, Santa Rita, Santa Maria e Fazendinha
LOCALIZAÇÃO Pedregulho e região REGIÃO Alta Mogiana (SP)
ALTITUDE MÉDIA até 1.100 metros
PRODUÇÃO ANUAL 35 mil sacas (média atual)
ÁREA TOTAL 3,5 mil hectares
ÁREA PLANTADA 1000 hectares
NÚMERO DE CAFEEIROS 4 milhões de pés
COLHEITA manual e mecanizada
PERÍODO DE COLHEITA de maio a agosto
PROCESSAMENTO via seca e úmida (naturais, descascados, desmucilados, despolpados)
SECAGEM terreiros suspensos, estufas e secadores mecânicos
VARIEDADES bourbon amarelo, icatu amarelo, mundo novo, catucaí vermelho, catuaí amarelo, obatã e acaiá
CERTIFICAÇÕES Rainforest Alliance, Utz Certified e AMSC
PROJETOS mais de dez projetos sociais na fazenda e comunidade e Projeto Buriti de Reflorestamento: 800 mil árvores de espécies nativas
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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