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Washington reedita Acordo de Taubaté
Por Celso Vegro
Em 1905, o então quinto presidente da República Federativa do Brasil, advogado e juiz de direito Francisco de Paula Rodrigues Alves (que já havia sido governador da Província de São Paulo), assinou uma emenda à lei do orçamento federal autorizando o ente federativo a entrar em acordo com os estados em que a produção cafeeira era a principal atividade econômica para regular o mercado de café (aval federal aos empréstimos concedidos aos estados) e promover o aumento do consumo da bebida.
A contrapartida dos estados consistia em oferecer depósitos em ouro suficientes para garantir o montante principal acrescido de juros incidentes aos empréstimos concedidos. Naquela altura, o Brasil exportava 16 milhões de sacas, possuindo quase o dobro em estoques. O cenário era de forte baixa nas cotações, com cafeicultores à beira da ruína financeira devido ao endividamento com as casas de corretagem.
Em fevereiro de 1906, reuniram-se em Taubaté os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro para referendar o Convênio de Taubaté: valorizar o produto por meio da administração de seu comércio. Recorrendo a empréstimos internacionais, seriam adquiridos os excedentes para restringir a oferta (£15 milhões) de café, pressionando as cotações do produto. Concomitantemente, houve a imputação de impostos mais altos aos que fossem implantar novas lavouras e, ainda, a regulação da paridade cambial, que permitisse uma conversão (desvalorização) abaixo da vigente no mercado livre e a cobrança de imposto de exportação.
Por meio dessa arquitetura politicamente costurada entre as diferentes autoridades e banqueiros, promoveu-se o primeiro esforço de valorização do café no Brasil. Inicialmente, apenas São Paulo se empenhou no esforço de valorização do café. Minas Gerais, Rio de Janeiro e o governo federal somente se associaram ao programa dois anos mais tarde, devido às incertezas sobre as reais possibilidades de sucesso do programa. Aqui evidencia-se a sinalização do que viria a ser o futuro do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, em que o interesse privado, na defesa de suas vantagens individuais, se sobrepõe à preocupação republicana.
O esquema começou a funcionar em 1909, com real avanço dos preços para o café, que perduraram por três safras. Em 1913, o endividamento foi quitado, encerrando-se o programa de valorização. Avaliou-se que, durante sua vigência, houve um surto de crescimento econômico no país (construção de ferrovias, infraestrutura nas cidades e industrialização paulista) – portanto, a pujança econômica foi, em alguma medida, decorrente daquele convênio de 1906.
Encerrada essa longa digressão histórica, saltemos 119 anos para o momento atual. O tarifaço de agosto de 2025, incidente sobre as exportações de café para o mercado estadunidense, se traduz como um completo embargo aos embarques brasileiros destinados àquele mercado. Ao mesmo tempo em que é completamente sem sentido econômico, já que os EUA produzem apenas 1% de todo o café de que necessitam para o suprimento de seu mercado consumidor. Considerando a típica inelasticidade da demanda pelo produto, os apreciadores da bebida serão aqueles que arcarão com os custos dessa política.
Assim como no passado, o convênio na origem foi o determinante na valorização das cotações do café. Atualmente, o fechamento, embora parcial (já que o suprimento poderá advir de outras origens), do maior mercado mundial para a bebida, tende a pressionar os preços, pois consiste em outra intervenção que desestabiliza a lei da oferta e da procura no momento em que os estoques se encontram apertados, o consumo mundial cresce ao menos 2% ao ano e as safras andam de lado – inclusive a de arábica brasileira.
Evidentemente que os mercados são muito mais interconectados que no passado e, além disso, há ao menos uma dezena de outros países significativos na produção cafeeira destinada ao suprimento global. Assim, possivelmente, o ciclo de preços altos, sob vigência do despautério estadunidense, deverá ser menos prolongado, ainda que amparado por um dólar mais fraco. Todavia, sob a vigência das mudanças climáticas, esperar que a oferta de países concorrentes do Brasil se expanda consiste em uma aposta, além de improvável, demasiadamente arriscada.
A reconfiguração do comércio internacional está em curso – uma verdadeira dança das cadeiras. Canadá, México e Uruguai possivelmente ampliarão suas aquisições de café brasileiro, que terão por destino final o mercado estadunidense (a chamada triangulação). O movimento de sacoleiros nas fronteiras dos EUA repetirá o que acontece na fronteira do Brasil com o Paraguai, tendo o café como principal item das compras para consumo próprio e revenda. A economia subterrânea típica das repúblicas das bananas irá a todo vapor, pois o lucro está garantido.
Nenhum dos objetivos programáticos pretendidos pela autoridade estadunidense serão obtidos por meio da guerra tarifária desencadeada. O déficit comercial não será mitigado (muitos componentes de mercadorias destinadas à exportação são importados – drawback); a reindustrialização do país, na melhor das hipóteses, produzirá ineficiências maiores que as potenciais vantagens em tarifar itens importados, e diminuir o déficit fiscal até pode ocorrer no curto prazo, mas a elevação dos preços e, em consequência, o recrudescimento da inflação, pressionará a demanda e a arrecadação tributária associada à desvalorização do dólar frente às demais moedas. Conceitualmente, se trata da temida estagflação.
As perdas para a economia estadunidense, decorrentes da dificuldade em substituir o café brasileiro, irão se fazer sentir. Os importadores, industriais da torrefação e solubilização, os varejistas e os negócios que têm por base a venda da bebida (cafeterias, bares e lanchonetes, hotéis, restaurantes) já ameaçam com demissões e encerramento de atividades. Esses são os atores econômicos aliados do agronegócio dos Cafés do Brasil capazes de reverter a sinuca em que o destrambelhado governo os colocou. Por enquanto, é necessário aguardar e aproveitar a maré de bons preços que o mercado poderá oferecer.





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