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A receita de sucesso dos cafés prontos para beber nos Estados Unidos: quais são as oportunidades para o mercado brasileiro?
O café RTD (Ready-to-drink, em inglês) é hoje o principal formato de crescimento para a categoria de café no varejo nos Estados Unidos. Isso é altamente incomum e inspirou pessoas ao redor do mundo a perguntar se o sucesso do segmento americano de RTD pode ser replicado em seus próprios países.
O café RTD tem sido uma categoria que historicamente tomou formas muito diferentes em todo o mundo. No Japão era tradicionalmente vendido em latas, barato e muito focado em funcionalidade, enquanto na Europa tendia a ser fortemente moldado pela indústria de laticínios, com base no leite e geralmente encontrado em recipientes de plástico.
O café RTD norte-americano não provém de nenhuma dessas abordagens. Ele surgiu quando a PepsiCo começou a trabalhar com a Starbucks nos anos 90 para disponibilizar bebidas populares da Starbucks nos canais de varejo. Essa ideia básica de tornar o café RTD uma extensão do café no varejo continua sendo o cerne da abordagem norte-americana do café, aceita tanto pela PepsiCo quanto por seus principais rivais.
Mas, isso não foi suficiente, por si só, para criar as taxas de crescimento explosivo vistas nos últimos anos. Na verdade, exigiu alguns fatores adicionais.
O segredo do sucesso para o café RTD nos Estados Unidos
O rápido crescimento do café RTD norte-americano aconteceu devido a três tendências que aconteceram ao mesmo tempo: mudanças nas tendências de saúde que prejudicaram muitas outras categorias de bebidas frias, anos de cafeterias estimulando agressivamente as opções de café frio e grandes investimentos de empresas locais. Foi a combinação das três tendências ao mesmo tempo que transformou o RTD no componente fundamental do café americano que é hoje.
Cafeterias são extremamente comuns na maior parte dos Estados Unidos e isso foi um gatilho para uma mudança no foco da indústria, que deixou de abrir novas unidades para atrair os consumidores com mais frequência às lojas que já existem. Esta mudança foi feita considerando as vezes em que as pessoas estavam menos propensas a ir a uma cafeteria, ou seja, quando o tempo estava quente. O café gelado já era popular há muito tempo nas cafeterias nos Estados Unidos, mas depois ganhou um reforço da técnica cold brew e, mais recentemente, o nitro, para dar aos consumidores um fluxo constante de abordagens novas e inovadoras ao café frio. Isso funcionou tão bem que muitos consumidores agora bebem café frio o ano todo e há poucas lojas que não oferecem pelo menos uma destas opções.
Ao mesmo tempo, os consumidores estavam comprando menos bebidas frias em geral – especialmente refrigerantes – do que antes no varejo por motivos de saúde. Eles não queriam cortar completamente o açúcar, mas queriam diminuir o consumo. O café RTD era a solução ideal e, em sua forma gelada, era o tipo de indulgência ocasional que os consumidores ainda estavam dispostos a beber, enquanto a versão fria, ou cold brew, era uma alternativa saudável para refrigerantes e energéticos que ainda proporcionavam uma boa fonte de energia.
A maior parte das empresas de bebidas reconheceu isso e também notou que a PepsiCo e Starbucks dominaram o mercado por décadas com pouca concorrência e que havia espaço e oportunidade para novos produtos. A maior rival da Pepsi, a Coca-Cola, dedicou-se especialmente a esta área, lançando produtos com marcas conhecidas de serviços alimentícios como Dunkin Donuts e McCafe, bem como de marcas próprias como a Far Coast, visando uma ampla variedade de ocasiões possíveis. Enquanto isso, o número três em refrigerantes americanos, Dr. Pepper, fundiu-se com Keurig Green Mountain para criar uma empresa com experiência em café e bebidas frias. A nova Keurig Dr Pepper vem explorando novas áreas como shots de café para desenvolver ainda mais esse segmento.
A oferta maior de bebidas frias nas cafeterias significava que havia pouca necessidade de educar os consumidores sobre esses novos produtos. Eles já conheciam o café frio e sabiam de que tipo gostavam. Os principais players precisavam apenas disponibilizá-lo aos consumidores de uma forma que eles achassem atraente. Isso, claro, foi exatamente o que eles fizeram.
Este sucesso pode se repetir no mercado Brasileiro?
Ao contrário do mercado dos EUA, no Brasil, o tímido mercado de cafés gelados (respondendo por menos de 1% do americano) é altamente concentrado e dominado por empresas especializadas em café. Seus produtos são muito mais parecidos com as versões europeias, com base de leite e com distribuição limitada apenas para os principais varejistas.
Enquanto o mercado brasileiro atende plenamente à primeira condição de sucesso no mercado norte-americano – uma mudança em direção a novas categorias de bebidas não alcoólicas e consumidores se afastando das opções muito açucaradas – pouco ou nenhum investimento tem sido feito no canal Food Service, que responde por mais de 32% do volume total de café no país. Os raros casos de cafeterias que investiram em uma versão de café frio se posicionaram com preços unitários muito altos, tornando-a inibitiva para a maioria dos consumidores. A falta de familiaridade com o conceito não contribui para o desempenho positivo nas poucas ocasiões em que finalmente a bebida chegou às prateleiras dos varejistas, levando a um ciclo infinito de resultados negativos.
Como aconteceu com grãos, cápsulas e café solúvel, não se espera que a versão RTD substitua o tradicional café torrado e moído, preferido entre os brasileiros. Em vez disso, é muito mais provável que ele crie novas ocasiões de consumo e contribua para aumentar ainda mais a penetração do café em todos os lares brasileiros. Essa oportunidade pode não ser óbvia agora, mas será altamente disputada quando o potencial se consolidar – talvez não apenas entre os fabricantes de café, mas também entre as empresas de refrigerantes e bebidas não alcoólicas. Os early adopters terão, sem dúvida, uma vantagem na criação de reconhecimento de marca e até se tornarão potencialmente sinônimos de categoria.
Se o sucesso do café RTD norte-americano é replicável para o mercado brasileiro, é difícil determinar, especialmente porque as preferências e os comportamentos culturais desempenham um papel fundamental na democratização de um novo produto. As mesmas preferências e comportamentos culturais, no entanto, já provaram que os brasileiros amam café e apreciam a maior parte de suas variações. Há potencial suficiente para criar um mercado totalmente novo para o café RTD que não precisa se parecer com o de qualquer outro país. A questão agora é: quem será o líder desta revolução no país? Grandes fabricantes de bebidas não-alcoólicas ou produtores tradicionais de café? Se o mercado brasileiro de café vai, de fato, permanecer dominado por empresas essencialmente voltadas para o café, isso é algo que só saberemos com o tempo. O potencial está aqui.
*Matthew Barry e Angelica Salado são consultores da Euromonitor International.
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