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O mercado continua o mesmo?
Para falar da evolução do mercado de café no Brasil nos últimos quinze anos, é necessário separar o mercado de café comercial do mercado de café especial. Os cafés comerciais são vendidos nos supermercados e os únicos critérios para sua aquisição por parte do público são, em geral, o preço e a marca. Não é de estranhar portanto, que sejam cafés de qualidade inferior e resultado de processos produtivos deficientes e de resíduos da exportação. Há quinze anos essa era a única opção para o consumidor brasileiro.
Os cafés especiais, por sua vez, são fruto de processos mais criteriosos, como designação de origem e rastreabilidade, o que resulta em melhor qualidade e, consequentemente, preços mais altos. Os especiais eram inacessíveis, ninguém conhecia a palavra barista, espresso era escrito com “x”, e, embora já se soubesse que os bons cafés eram mandados para fora do País, ninguém se importava muito com isso. O surgimento dos “coffee lovers” foi, sem dúvida, a principal conquista desse período. As pessoas passaram a se interessar por métodos de preparo, nuances de acidez, amargor, doçura, por aromas frutados, achocolatados, caramelados e florais. Desde então, o café de microlotes, mono-origem, “terroir” e 90 pontos passou a ser uma espécie de Santo Graal, o El Dorado, algo como o “bom-senso” que todo mundo diz que tem, porém, é muito difícil de encontrar.
Do ponto de vista interno, isto é, das pessoas e empresas que vivem e trabalham com cafés especiais no Brasil, a evolução foi impulsionada por certificações, leilões, campeonatos, feiras, etc. Embora esses eventos tragam sempre novidades, ajudem no mapeamento da qualidade e criem um possível norte para o mercado, é fato que há um desgaste desse modelo e um distanciamento cada vez mais profundo do grande público.
A difusão das cápsulas de espresso marcou mais os hábitos de consumo que a entrada de grandes redes de cafeterias no Brasil. O crescimento do setor de cápsulas é inegável e o investimento em marketing veio “dourar a pílula” (cápsula), transformando as maquininhas em objeto de desejo e motivo de debates acirrados entre as características do café da cápsula verde ou da azul. Como resultado, a frivolidade e a conveniência distanciaram ainda mais o consumidor potencial da essência do verdadeiro café.
A meu ver, uma grande revolução ainda está por vir e será fruto de dois movimentos que já estão sendo prenunciados. Um deles afeta diretamente o mercado de cafés especiais. Trata-se do incipiente interesse pela microtorrefação. Assim como aconteceu com as cervejas artesanais, o consumo de café de qualidade no Brasil passará a outro patamar quando as pessoas tiverem acesso a cafés recém-torrados próximo de sua casa ou, graças à tecnologia, a cafés que estejam próximos do dia de torra. O outro movimento afetará mais o mercado de cafés comerciais e sofre grande resistência, inclusive para ser debatido. É sobre a liberação de importação de cafés verdes de outros países para torrefação no Brasil. Hoje, o consumidor brasileiro não tem o direito de escolha entre cafés do Brasil, Quênia, Colômbia ou Sumatra, por exemplo. É como ir ao supermercado e só ter vinho brasileiro na gôndola. Algo impraticável numa democracia neoliberal. Alega-se a proteção do pequeno produtor, a entrada de doenças, a proteção da indústria nacional, etc. Será mesmo? A quem isso realmente interessa? Em outras palavras, o mercado de cafés comerciais continua o mesmo de quinze anos atrás.
*Emílio Rodrigues é psicólogo, educador, barista e fundador da escola e torrefação Casa do Barista, no Rio de Janeiro (RJ).
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2018 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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