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O futuro das cápsulas no Brasil: recuperação econômica e novo modelo de negócios
Entra crise, sai crise e um dos produtos mais resilientes da cesta de compras dos brasileiros continua sendo o café. Mesmo em 2016, no pior ano de consumo durante a recessão, o item continuou registrando aumento de 3% em volume total de vendas, acima do crescimento médio mundial. Engana-se, no entanto, quem acha que só aumentam as vendas dos cafés com baixa penetração: mesmo o tradicional café torrado e moído, comum em quase todos os lares brasileiros, segue em crescimento – foram 2% de aumento em 2018. Mas e as cápsulas?
Se no mercado de café como um todo, o Brasil ocupa posições de liderança, quando o assunto são as cápsulas, o cenário é outro. O país é o nono maior mercado do mundo em volume total de vendas em 2018, mas apenas o 24° em consumo por lares – atrás não apenas de potências como os Estados Unidos, mas também mercados mais tímidos, como a Nova Zelândia.
Que existe interesse pelo produto, isso é inegável. Aspectos como conveniência, praticidade e até a percepção de status são fatores chave para aumentar, cada vez mais, a base de interesse pelas cápsulas nos lares brasileiros. Enquanto as máquinas de café em cápsula devem continuar crescendo a uma taxa média anual de 12% e presentes em até 15% dos domicílios brasileiros até 2023, o grande desafio para a manutenção das vendas na categoria de cafés parece estar justamente no modelo de venda do produto. Muitos fabricantes e varejistas independentes optam por oferecer a máquina a preços muito baixos – especialmente em datas comemorativas como Dia das Mães, Black Friday e Natal – e ainda complementando com um grande volume de cápsulas de brinde na compra, buscando aumentar a experimentação. Sendo as cápsulas um tipo de café complementar ao já tradicional torrado e moído dentro dos lares, os consumidores geralmente levam um longo tempo até acabarem com seus estoques e precisarem fazer a recompra.
Eis o problema: fidelização – não de marcas, mas de produto. Pouco ou nenhum laço de longo prazo é criado com o consumidor, para grande parte dos fabricantes. Não existe relacionamento ativo, é baixo o nível de interação na pós-compra e este cliente desamparado dificilmente faz a recompra. Dados da Euromonitor International mostram que o número médio de cápsulas usadas ao ano por máquina instalada nos lares brasileiros vem caindo: eram 350 em 2015 e devem chegar a cerca de 200 em 2023.
Ainda considerada um sinônimo de categoria, e não à toa, o modelo Nespresso ainda se coloca como um dos mais sustentáveis no longo-prazo. A criação de um clube de clientes, com dados históricos de pedidos – possível graças ao modelo de negócios centralizado -, estímulo à experimentação de novos produtos nas lojas da marca e comunicação constante são aspectos-chave. Estar presente no dia a dia do consumidor, seja mental (por meio da lembrança de marca) ou fisicamente (no ponto de venda, na experimentação, etc.), é fundamental para garantir um relacionamento no longo prazo. Estudos de neurociência do consumo mostram que menos de 5% da atividade cerebral e das decisões que tomamos no cotidiano são, de fato, conscientes. Ou seja, as pessoas decidem de maneira irracional e depois buscam atributos conscientes para justificar suas compras. Se não existe um laço forte entre a marca e o cliente, como garantir que a marca seja lembrada no momento da compra se nem ele mesmo percebe que está tomando uma decisão?
E o cenário tende a ficar cada vez mais desafiador. Conforme os brasileiros evoluem no consumo de café, saímos da tradicional segunda onda – marcada pela consolidação das cafeterias, democratização do café espresso e experimentação em diferentes formatos – para iniciar a caminhada rumo à terceira. Projeta-se, desta forma, um cenário de consumo doméstico muito mais focado em uma experimentação consciente: o brasileiro buscando entender mais da história daquele café específico, dedicando mais tempo e cuidado ao preparo da xícara de café, criando um ritual de degustação da bebida, com um interesse que vai muito além da conveniência. Questões envolvendo sustentabilidade ambiental e da cadeia de produção, com gestão eficiente dos resíduos gerados, também ganham relevância. E é por isso que formatos como torrado e moído, e os próprios grãos, continuam em ritmo acelerado de crescimento até 2023, enquanto as cápsulas perdem o fôlego.
Isso significa que não há oportunidades de investimento neste mercado no futuro? De forma alguma. Especialmente neste cenário desafiador, a oportunidade está, justamente, na reinvenção do modelo de negócios. A evolução para um mercado totalmente voltado para o consumidor final é fundamental para garantir a consistência nas vendas do longo prazo, com a concorrência cada vez maior não apenas em marcas, mas também em formatos de café. E isso não significa trabalhar para garantir que café em cápsula seja o tipo mais utilizado nos lares, mas sim para mapear com clareza as ocasiões de consumo de cada modelo, quais as dores ao utilizar o produto e como tornar a experiência tão ou mais orgânica e fluida como a do próprio café torrado e moído.
E a (iminente) recuperação econômica não diminui a necessidade desta reinvenção. Ao contrário, faz com que seja ainda mais determinante para o sucesso da categoria. Com uma das mais severas crises econômicas pelas quais o Brasil já passou, os hábitos de consumo dos brasileiros tiveram de ser repensados. Foram grandes choques na renda disponível das famílias, forçando muitas a escolherem quais produtos seriam mantidos e quais seriam descartados. Com tantas mudanças, não se pode esperar que o mesmo modelo de negócio, as mesmas ofertas, a mesma comunicação ainda atinja os brasileiros da mesma forma que o faziam antes da crise. E, por fim, aqueles que esperam a recuperação econômica estabelecida para começar a fazer a mudança, já estão atrasados. A criação de um novo posicionamento na mente do consumidor é um processo, e quanto antes começado, mais fácil será garantir um espaço na mesa – e no bolso – dos brasileiros.
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