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O empoderamento do produtor
Em casa de ferreiro, o espeto é de pau, diz a expressão popular. O provérbio é muito usado pelo Brasil, não na mesma quantidade em que bebemos café diariamente. Mas ele serve perfeitamente de exemplo para o fato que contarei agora. Em andanças pelo Brasil e nas visitas a fazendas e sítios, uma coisa é fato: muito cafeicultor não conhece o próprio café. A hospitalidade do povo da roça é algo maravilhoso, mas, normalmente, o bolo é melhor que o café, o queijo é melhor do que o café, o suco, a rosca doce, e por aí vai. Depois de comer de tudo um pouco (motivo dos quilos a mais), a gente até esquece o café que amargou a boca. “Esse café é aqui da fazenda?” – vem a pergunta. “Não, esse aqui eu comprei no mercado.” Momento de reflexão e análise. Mas por que será que eles compram o café? Sempre pensei. Eles são produtores do fruto, trabalham debaixo do sol, colhem, secam, beneficiam e não tomam? Pois é, muitos não tomam o próprio café que produzem.
Esse é o primeiro sinal da complexidade dessa bebida. Se todo brasileiro pudesse conhecer uma fazenda de café, com certeza ele mudaria completamente a forma de valorizar o que toma. Se todo produtor tomasse o próprio café, ele transformaria o que cultiva. Pode ser utopia, mas acredito que contribuiria em muita coisa.
A primeira dificuldade para o produtor tomar o próprio café consiste numa etapa crucial pela qual passa o grão: a torra correta. Se o sítio tem um torrador, normalmente é um manual, com poucos recursos, que acaba queimando o café. Além, claro, do trabalho que dá para ele depois moer o grão para preparar a bebida. Por isso a realidade da maioria dos produtores é nunca ter provado seu café na sua melhor performance.
Porém, tenho percebido mudanças nos cafeicultores que passam a focar a produção de cafés especiais quando têm acesso ao conhecimento. Há um interesse enorme – um misto até de curiosidade – em identificar os aromas e os sabores de seus grãos. Um momento de redescoberta do seu produto. Muitas iniciativas de capacitação dos cafeicultores pipocam pelo Brasil afora em provas profissionais, eventos, palestras, concursos, etc. Isso os ajuda a entender o que eles têm nas mãos. O que os leva, muitas vezes, a investir em equipamentos mais apropriados e até a pensar em empreender um pequeno negócio de venda do seu produto na região, de forma mais intimista, muitas vezes.
Oportunidades que antes se restringiam à colheita e ao manejo do produto cru passam a agregar valor. Isso ajuda os produtores a negociar melhor a venda para os torrefadores nacionais e internacionais, agrega aprendizado de outra etapa da cadeia do café e ainda os faz ter orgulho daquilo que produzem. O empoderamento do produtor e da produtora de café vem tornando esse profissional mais exigente e capaz de, já na colheita, entender por que ele deve priorizar os frutos maduros, mexer o café no terreiro várias vezes ao dia, evitar a umidade, e tantas outras etapas importantes.
O sentimento de orgulho de algo, de mostrar e fazer brilhar os olhos é o que nos move diariamente. Como os pais e mães vão convencer os filhos a permanecer no campo se eles não puderem mostrar, por meio do exemplo, que há oportunidade de crescer e alcançar objetivos claros com um produto cultivado no campo? Só havendo essa conexão, acredito, poderemos dizer que vale a pena tanto esforço. A rapadura é doce, mas não é mole.
MARIANA PROENÇA é jornalista. Em 2006 assumiu a direção de conteúdo da Espresso e, meses depois, o café já tinha virado uma paixão, que dura até hoje. Nesta coluna ela aborda diversos temas e experiências sobre a profissão barista. Fale com a colunista: mariana.proenca@cafeeditora.com.br
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