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Francês sem frescura
A coluna desta edição da revista Espresso foge, um pouco, da sua proposta original. Em sua estreia, me propus a apresentar, a cada edição, como cada chef, brasileiro ou não, busca trilhar seu caminho em busca de uma cozinha de caráter mais autoral, caminho este pautado por certas tendências culinárias.
A cozinha atual, aqui e praticamente no mundo inteiro, pressupõe a interrogação, a reflexão e a pesquisa de matérias-primas (principalmente locais), bem como a aplicação de novas técnicas culinárias para a consolidação deste novo momento gastronômico. No Brasil, esse movimento de chefs, jovens em sua maioria, foi apelidado pelo crítico gastronômico da Folha de S.Paulo, Josimar Melo, de “cozinha bossa-nova”, num esforço de nomear tal renovação da cozinha brasileira.
O chef Chico Ferreira, entretanto, vai na contramão desta tendência. Jovem como tantos protagonistas da cozinha bossa-nova, o cozinheiro buscou numa velha fórmula o segredo de seu sucesso. Com filas de espera diariamente na porta, o Le Jazz, do qual é sócio ao lado do jovem Gil Carvalhosa Leite, destaca-se no cenário gastronômico paulistano. “Quando optei por cozinhar, fiquei em dúvida de qual dos tantos modelos de cozinha seguir”, conta Ferreira. “Sempre me cansou esse universo de restaurante onde tudo é caro. Algumas cozinhas são muito bacanas, mas muito caras de se fazer, e a sua clientela se restringe aos ricos”, completa.
Assim, na via contrária à da cozinha de vanguarda, surgiu o Le Jazz Brasserie. Inaugurado no final de 2009, o Le Jazz foi inspirado nos bistrôs parisienses, cidade em que Chico Ferreira construiu sua prática culinária. A fórmula é simples, sem pompa ou circunstância: pratos franceses simples e baratos, servidos sobre jogos americanos de papel, ilustrados com ícones do jazz. O cardápio é povoado de ofertas clássicas, como moules et frites (mexilhões com batatas fritas), boudin noir (linguiças de sangue à moda francesa), filet au poivre (com pimenta e acompanhado de batatas fritas), cassoulet (cozido de feijão e carnes, servido aqui apenas nos fins de semana), escargots, terrines, quiches, omeletes. “Tentei reproduzir no Le Jazz meus pratos prediletos, o que eu comia em Paris”, conta o cozinheiro. Pois, em sua experiência na capital francesa, o cozinheiro não comeu, nem tampouco trabalhou, em restaurantes de alta gastronomia. “Em Paris, trabalhei num bistrô e percebi que não tinha nada em São Paulo parecido com aquela comida, aquela informalidade”, explica. “Foi assim que surgiu a ideia de montar um pequeno restaurante francês, que fugisse da nouvelle cuisine”.
O sucesso do Le Jazz não pode ser explicado apenas pela comida, descomplicada e bem-feita, mas por um conjunto de fatores. Ele vai na contramão dos preços, cada vez maiores, praticados pelos restaurantes paulistanos. Foge, também, de uma certa formalidade excessiva de muitos de seus salões: o Le Jazz é um lugar despojado, barulhento e agitado (além de apertado, no caso da matriz), como um boteco – ou um bistrô parisiense. Tem guardanapos de papel, água de graça e vinhos em taça. Bem diferente dos românticos (e caros) restaurantes fraceses, tradicionais na cidade. Há, ainda, o ponto, na movimentada rua dos Pinheiros, no bairro de mesmo nome. “Queria um restaurante numa rua que tivesse fluxo de pedestres, gente de bairro”, comenta Ferreira. E, para arrematar, tem a presença constante da dupla e um bom time. “Investimos muito na equipe. Meu subchefe entrou aqui lavando pratos. O crescimento do Le Jazz está muito relacionado a essas pessoas”, diz o cozinheiro. O sucesso gerou crescimento. Hoje, a dupla tem mais duas casas em São Paulo, no shopping Iguatemi e nos Jardins. “Durante algum tempo, muitos jovens cozinheiros almejaram esse universo da cozinha de vanguarda e seu glamour. Mas cabem dez Alex Atala em São Paulo?”, questiona Chico. Provavelmente não. Mas, com certeza, cabem ainda muitos restaurantes como o Le Jazz na capital paulista.
*Cristiana Couto é jornalista especializada em gastronomia e autoria de Arte de Cozinha – Alimentação e Dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVI-XIX), Senac São Paulo, 2007. (sejabemvinho.blogspot.com.br). Fale com a colunista pelo e-mail nacozinha@revistaespresso.com.br
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