Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

Café onipresente: otimismo no mercado brasileiro pós-crise

Foto: Érico Hiller

Embora existam diferentes opiniões acerca da atual classificação do mercado brasileiro de café no modelo mundial das “ondas” – há quem diga que o país se encontra na segunda, por conta da importância das cafeterias, e há também quem defenda a já completa transição para a terceira, por conta da inovação cada vez mais relevante – um fato é certo: desde 2014 o Brasil ocupa a posição de líder mundial em volume total de vendas de café como bebida quente, de acordo com a pesquisa da Euromonitor International, empresa global em pesquisa de mercado.

Esta conquista teve, de fato, uma pequena ajuda do mercado norte-americano, que desde 2014 apresenta queda constante no volume de vendas no varejo, já que a maior parte dos consumidores tem concentrado seu consumo fora dos lares. No entanto, o principal fator não apenas para colocar o Brasil nesta posição de liderança, mas também para manter-nos lá deste então, é o crescimento consistente das vendas no país, independente da crise econômica.

A expectativa para 2019 é que seja vendido 1,2 milhão de toneladas de café, um crescimento de 4% em relação a 2018. O que pode parecer um crescimento tímido se comparado a outras categorias emergentes, na verdade é bastante expressivo – a diferença entre os anos 2018 e 2019 é equivalente ao mercado total do México. O crescimento vem alavancado não só pelas vendas no varejo, mas também por uma aceleração nas vendas fora do lar, especialmente em cafeterias, mesmo sendo tímidos os sinais de recuperação econômica.

Nem todos os tipos de café, no entanto, apresentam o mesmo ritmo de crescimento. Embora os brasileiros estejam bebendo mais café do que antes, criando novas ocasiões de consumo e experimentando mais formatos, a concorrência pelo espaço na mesa dos consumidores está cada vez mais acirrada. Neste artigo, destaco os diferentes desafios que podem ser esperados para cada tipo de café.

Xícara meio cheia ou meio vazia: desafios e oportunidades por tipo de café

O café torrado e moído – culturalmente o mais forte para os brasileiros – deve se manter como o mais importante em vendas totais ao longo dos próximos anos, com pelo menos 77% do mercado. Este cenário reforça que, embora muitos fabricantes tenham planos de investir em novos formatos e diversificar seus portfólios, o torrado e o moído continuam sendo uma porta de entrada neste mercado e carro-chefe no consumo dos brasileiros. Para ressignificar a experiência do consumidor a partir deste formato, iniciativas incluem a emergência e consolidação do chamado drip coffee, versão individual do café torrado e moído, já porcionado em um filtro individual para preparo diretamente na xícara. Marcas que já investem neste formato incluem Orfeu, Santa Monica e Café Brasileiro, mas outras devem seguir o mesmo caminho ao longo dos próximos anos.

Foto: Felipe Gombossy

Já o café em grãos vem ganhando cada vez mais adeptos dentro e fora das cafeterias. Espera-se um aumento no volume total de vendas 5% em 2019. A profusão de pontos de venda oferecendo o serviço de moagem na hora tem contribuído para que, mesmo aqueles que não dispõem do moedor em casa, possam fazer uso deste formato. Os cafés em grãos têm ganhado força principalmente por meio do posicionamento em relação à origem já que, cada vez mais, os consumidores querem entender a história e o processo produtivo de suas marcas preferidas. É um formato de café que ganha destaque sobretudo ao reforçar o processo de preparação da bebida e a criação de um ritual para o consumo, transformando a experiência do começo ao fim.

As cápsulas, por sua vez, devem continuar enfrentando alguns desafios relacionados ao modelo de negócios ao longo dos próximos anos. Embora continuem crescendo a um ritmo médio ao ano de 7% até 2024 – a mais alta taxa entre todos os formatos, no mercado brasileiro – a performance projetada é muito inferior à dos anos anteriores, onde o crescimento chegava a 20% ao ano. Isso porque o modelo de vendas de cápsulas no Brasil ainda está intrinsecamente ligado à aquisição das máquinas, altamente promocionadas e, em geral, acompanhadas de um grande volume de cápsulas para experimentação. Como a maioria dos fabricantes não consegue fazer uma gestão direta da sua base de consumidores por conta dos intermediários na cadeia – e, portanto, trabalhar o relacionamento com a marca no longo prazo – a conexão acaba se perdendo e torna-se muito mais difícil estimular a recompra. Para que se mantenha a perpetuidade do mercado de cápsulas no Brasil, é fundamental que as marcas atuantes consigam repensar o modelo de negócios, fomentando a penetração pelas cápsulas e não exclusivamente pelas máquinas – caso contrário, a relação de cápsulas consumidas por máquina instalada tenderá a ser cada vez menor.

Foto: Beatriz Cardoso

Por fim, o café solúvel recupera o fôlego de crescimento, registrando um aumento de 2% nas vendas totais em 2019, representando cerca de 2,5% do mercado brasileiro. A performance mais positiva – quando comparada aos anos interiores – está diretamente relacionada ao reposicionamento do produto no mercado. Investimentos tem sido feitos para encorajar os consumidores a criarem novas ocasiões de consumo para o café solúvel, que vão deste a criação de bebidas compostas (como cappuccinos, por exemplo), até drinks alcoólicos. O conceito de versatilidade que a indústria tenta, cada vez mais, imprimir na categoria é o que torna o mercado brasileiro diferente de outros da América Latina, onde o café solúvel em geral é percebido como de baixo valor agregado.

Otimismo sim, planejamento também

A retomada do fôlego econômico deve contribuir positivamente para as vendas totais de café no Brasil a partir de 2020, acelerando o crescimento em quase todos os formatos. A resiliência nas vendas, no entanto, não deixa de requerer análise estratégica do mercado de café brasileiro, especialmente porque a concorrência é cada vez maior entre formatos, marcas e canais.

Os diferentes estágios de desenvolvimento do mercado local com base nos diferentes formatos de café tornam ainda mais imperativa esta análise. Isso porque o modelo de classificação das “ondas de café” abarca cada vez menos os desafios divergentes que cada tipo de café tem enfrentado. Assim, o otimismo para a performance do mercado brasileiro de cafés no pós-crise se mantém – desde que a indústria continue se reinventando e se dedicando ao planejamento estratégico de seus investimentos. Mais do que a qualidade do café ou a força da marca – é o quanto a indústria se prepara para o futuro que determinará se a xícara segue meio cheia ou meio vazia.

TEXTO Angelica Salado, Gerente de Pesquisa da Euromonitor International

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