Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

A ruína das altas cotações

Por Celso Vegro

Nas duas últimas safras de café no Brasil, observou-se cotações do café nas bolsas de mercadorias em contínua elevação, alcançando para arábica, recentemente, patamares acima de US$ 4,00 por libra-peso (em Nova York, oscilando desde então ao redor desse nível de preços. Provocada pela escassez global do produto, houve, também, ascensão dos preços do canéfora no mercado interno, que alcançaram o patamar de R$ 1.500 a saca.

Desde a safra de 2020/21, em que se contabilizou colheita ao redor das 65 milhões de sacas, a rentabilidade na atividade não se mostrava satisfatória, especialmente em decorrência dos distúrbios climáticos que intervieram no andamento da safra (granizo, altas temperaturas, veranico e geada).

Ademais, muitos cafeicultores que praticavam a gestão de risco, contratando hedge de preço –, porém, sem seguro (esse último elemento de garantia de participação do cafeicultor na alta) –, tiveram dificuldades em honrar seus contratos, seja por frustração de safra, como por interesse em se beneficiar dos altos preços que passaram a vigorar após a geada de 2021.

Nesse contexto inicia-se um agravamento da arquitetura financeira desenvolvida, visando pleno funcionamento desse mercado (compartilhamento do risco). Surge um trade-off para os exportadores comprometidos com entregas futuras aos seus clientes, que, devidamente travados tanto na cotação do café como no risco cambial, não apenas ficaram sem o produto, como também, foram ainda demandados pelas corretoras a aportar margem aos contratos não quitados.

As altas cotações também criaram outro comportamento oportunístico. Contratos de compras futuras realizadas por exportadores são quitados com produto de bebida inferior e/ou maior número de defeitos, comparativamente ao previamente estabelecido (adquiriu Fine Cups ou Good Cups e recebeu Rio Minas ou, ainda, contratou com 10% de cata e recebeu produto com o dobro disso). Tal comportamento implica a necessidade de aquisição no mercado spot (que está invertido), exigindo do exportador um desencaixe adicional de recursos para cumprir com seus embarques.

Sim, houve má gestão de poucas empresas exportadoras na condução de seus negócios (construção de pirâmides), mas a maior parte delas encontra-se sob fluxo tenso, ou seja, entre a necessidade de cumprir as entregas internacionais e a insegurança quanto ao recebimento do produto, nos preços e qualidades ajustados entre as partes. Situação agravada pelo encolhimento da oferta de crédito por parte do sistema financeiro, destinado às empresas exportadoras, devido aos riscos atualmente por elas carregados.

O desmonte da arquitetura financeira de gestão do risco da comercialização do café trará desafios econômicos para os cafeicultores. A perda de liquidez por aversão dos investidores a esse mercado torna mais instáveis as cotações (aumento da volatilidade) e os fenômenos incompreensíveis, como preço do físico acima das cotações futuras (inversão mencionada). Sem essa estrutura financeira operando, reduzem-se os horizontes econômicos para o planejamento da atividade.

Bons preços favorecem a expansão da cafeicultura do mundo todo. No Brasil, viveiristas contabilizam como principal destino das mudas os novos plantios frente a talhões em processo de renovação. Ademais, os bons resultados econômicos obtidos permitiram a expansão das tecnologias aportadas às lavouras, como irrigação, nutrição e sanidade de alta eficiência agronômica e podas de condução – que, em conjunto ou isoladamente, prepararão a cultura para incrementar a oferta de curto prazo do produto. Ou seja, o contexto atual prepara o seu oposto, representado pelo inevitável ciclo de baixa.

Tanto o governo capixaba como o rondoniense aceleram seus programas de expansão do plantio de canéfora (conilon e robusta). Em São Paulo, há imenso esforço público, que se soma ao privado, pela expansão da oferta local de robusta. Há estimativas consistentes de que, na próxima década, o Brasil passe a deter também o título de maior produtor de canéfora do mundo, ultrapassando as 30 milhões de sacas vietnamitas.

Ainda que a procura pela bebida seja incrementada por taxas superiores e possibilidades e capacidades de ampliação da oferta (considerando que os distúrbios climáticos já estejam afetando a potencialidade das lavouras), tal ritmo de expansão do cultivo empurrará as cotações para baixo – ainda mais, com a força adicional do segmento canéfora.

Uma marca consolidada dos mercados de commodities está em seu regime cíclico de preços. Sendo uma cultura perene, a lavoura cafeeira exige entre três e quatro anos para que se obtenham colheitas significativas e, considerando o prazo de produção tanto da obtenção das sementes como da formação das mudas, esse ciclo ainda pode contabilizar ondas de cinco a sete anos entre os picos de preços e seu acentuado declínio.

Tanto exportadores como cafeicultores terão que reposicionar suas estratégias e seu planejamento comercial. No primeiro caso, buscar por mecanismos de garantia de suprimento futuro por meio de contratos e por outros mecanismos de aproximação com os cafeicultores. Para o segundo grupo, somente melhorar a qualidade e a produtividade das lavouras para incrementar a competitividade do produto. Felizmente, a cafeicultura brasileira tem sido capaz de dar mostras de que, com tecnologias agronômicas e aplicação de protocolos de sustentabilidade, alcançará patamares produtivos ainda mais robustos.

Como limitação dessa análise, deve-se alertar que a construção de cenários plausíveis a partir das tendências pregressas ficou seriamente comprometida após o surgimento da pandemia de covid-19. Muitos indicadores perderam aderência ao funcionamento real das estruturas socioeconômicas, dificultando muito as possibilidades de projetar o futuro desse ou de qualquer outro mercado.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

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