Pelo Mundo por Gustavo Paiva

A próxima crise na produção de café

Por Gustavo Paiva

As mudanças recentes na Etiópia, país de grande relevância no mercado do café, tanto no consumo como na produção, trazem muitas dúvidas para a sua política externa, já que o país vem demonstrando querer influenciar seus vizinhos e, até mesmo, buscar novos territórios.

O primeiro-ministro Ahmed Abiy não nega as ambições expansionistas, como tampouco esconde sua insatisfação com o fato do país não ter acesso ao mar e aos poucos recursos hídricos. A consequência disso é um aumento de tensões com os vizinhos do leste, por conta da saída para o Golfo de Aden, mas também com países ao norte, como Sudão e Egito, pelo controle dos recursos hídricos do Nilo.

Enquanto a Etiópia entende que a construção da Grande Barragem do Renascimento é vital para o seu desenvolvimento econômico, egípcios e sudaneses ficaram extremamente preocupados com a possibilidade de perder uma parte da água proveniente das montanhas etíopes.

Além disso, logo após a vitória do conflito na região do Tigray, novos conflitos internos emergiram nas regiões de Oromia e Amhara – nada menos do que duas das maiores regiões do país. Nestes casos, diferenças étnicas, baixa presença do governo e problemas econômicos são as principais causas de confrontos.

Em um primeiro momento, a desorganização e a instabilidade causadas por esses conflitos terão impacto direto na produção de café local, já que a região de Oromia é uma das principais produtoras do país e conta com uma das maiores cooperativas do mundo em número de associados.

Segundo, há uma grande questão quanto à exportação do café. Com uma logística que já é complicada em tempos relativamente estáveis, levando por volta de três semanas para exportar o café através do país vizinho, o Djibuti, a Etiópia segue dependente de um porto estrangeiro para escoar sua produção.

Terceiro, tanta instabilidade tem como consequência a dificuldade de planejar e investir na produção. A renovação dos cafeeiros do país se mostra urgente. E por último, a inflação, que é uma consequência direta de todos estes problemas. No país, a renda per capita, ajustada pelo poder de compra, é de US$ 3 mil anuais – pouco mais de dez por cento da renda brasileira, que atualmente está em US$ 20.500, segundo dados do Banco Mundial.

Portanto, mais um outro conflito ligado à uma saída etíope para o mar, envolveria Somália, Eritréia, Djibuti e se somaria a outras crises regionais, como as do Iêmen, do Irã e do Sudão, com a totalidade dos Estados da região em algum tipo de instabilidade.

Por ser um conflito aberto contra paramilitares internos em Oromia e Amhara, e um conflito não declarado com os vizinhos, a questão parece não levantar muito interesse internacional, talvez porque ainda não tenha afetado as rotas de navegação pelo mar Vermelho.

Mesmo que algo maior na Etiópia aconteça, o envolvimento de países externos tende a ser menor. Apesar de a Otan possuir três bases militares em Djibuti, o conflito ucraniano é a prioridade no momento. E os Estados Unidos têm se mantido indiferentes à situação na região desde a eleição de Donald Trump.

O presidente norte-americano tem sido enfático ao demonstrar sua falta de interesse em países do continente, com exceção daqueles que possam providenciar recursos naturais como petróleo, gás e terras raras, o que não é o caso da Etiópia.

Até agora, todas estas instabilidades parecem não alterar a cadeia do café etíope, já que, segundo estatísticas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e da Organização Internacional do Café, a produção tem se mostrado resiliente, chegando até mesmo a aumentar nos últimos anos.

Se por um lado parece inevitável que o conflito escale, por outro a cadeia do café local parece se mostrar não só estável como próspera. Pode-se perguntar, portanto, se os agricultores locais possuem uma resistência heróica, se os envolvidos na cadeia local já aprenderam a trabalhar sob a pressão das crises ou se as estatísticas que demonstram um crescimento estão equivocadas. Nada impede que mais de uma alternativa seja correta.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Magalhães Paiva

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