Cafés funcionais são unanimidade entre especialistas e apreciadores?
Suplementos à base do grão viram moda em academias e são opção como estimulante físico
É comum a associação do café como bebida a movimentos e processos históricos na Europa do século XVIII, como o Iluminismo e a Revolução Industrial. Afinal, independentemente de seu aspecto “político”, uma das características que nunca despertou controvérsias desde os árabes é sua capacidade de fornecer foco e disposição a quem o consome.
Porém, no tempo cada vez mais veloz do século XXI, o café cotidiano não parece mais ser suficiente. Aí é que entram os chamados cafés funcionais, produtos em que o ingrediente é associado a outras substâncias para intensificar a capacidade de concentração e de performance em atividades físicas associadas ao bem-estar, como preconizam seus fabricantes.
A Caffeine Army, que fabrica o SuperCoffee e já está na versão 3.0, combina na bebida energética mais de 20 componentes, como triglicerídeos de cadeia média (uma gordura encontrada no óleo de coco), canela, gengibre, taurina, complexo de vitaminas B e colágeno, além da cafeína. “A ideia é ser um supercafé, ao adicionar outros benefícios e otimizar o café no corpo”, explica Murilo Allan, sócio e head de marketing da marca.
Além da Caffeine Army, outras empresas embarcaram nesse nicho. Basta uma pesquisa rápida na internet para encontrar cafés funcionais à venda on-line, em lojas de suplementos e em gôndolas de supermercados. Existe até funcionais para veganos, como a UltraCoffee, marca da Plant Power (do mesmo grupo de A Tal da Castanha e da 3Corações), com três opções de sabor à base de plantas (sem uso de leite).
A despeito das boas intenções dos fabricantes, os supercafés são vistos com cautela por profissionais de saúde. “Quem tem sensibilidade à cafeína pode ter taquicardia ao consumi-los. Como é um estimulante, pode ter efeito contrário e causar dificuldade de concentração”, alerta Priscilla Primi Hardt, mestre em nutrição pela USP, nutricionista clínica e funcional. Rafael Café Sforcin, professor de educação física, tem a mesma opinião. “Se um aluno meu quiser aumentar sua disposição, precisa ser avaliado por um profissional”, recomenda. “Às vezes é uma anemia e, no lugar de uma medicação adequada, o aluno engana o organismo com um produto termogênico, jogando cafeína em cima do problema”, analisa.
“Colocamos cafeína microencapsulada para liberar aos poucos a substância no organismo e não ter o pico usual dos cafés tradicionais”, explica Allan, que defende um consumo não exagerado do estimulante. “Assim, proporcionamos uma energia duradoura, mas não tão agressiva”, complementa ele sobre o produto, que ainda leva cafés verde (pela alta concentração de ácido clorogênico, um antioxidante) e solúvel – este, denominador comum de todas as receitas dos funcionais.
Versátil no preparo culinário e de bebidas, o café solúvel é uma potência no Brasil – somos o maior produtor e exportador mundial, com cerca de 10% da safra voltada à sua elaboração, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS). E, é claro, os fabricantes estão de olho nos supercafés.
“O volume não é muito elevado quando comparado a outros consumos”, comenta Eliana Relvas, barista e consultora da ABICS, que vê crescer o interesse pelos cafés funcionais no mundo todo. Para as indústrias, é uma maneira de estar nesse nicho de mercado, com alto valor agregado e ligado à saúde”, analisa. Em 2022, a Caffeine Army faturou R$ 106 milhões com a venda de seus rótulos nos Estados Unidos.
Embora assunto recorrente em academias e entre influenciadores fitness, o café funcional não é familiar entre especialistas e apreciadores da bebida. E, entre os poucos que o provaram, não há unanimidade. “Para quem busca qualidade sensorial, não recomendo”, opina Sforcin, que é apreciador de cafés de qualidade e ressalta a presença de adoçante natural (stevia) na maioria dos produtos. Já a jornalista e especialista em café Gi Coutinho considera o segmento atrativo para o mundo do café. “Pode virar uma bebida gostosa e palatável para o consumidor”, diz. Mas faz seu alerta: “Vejo muita gente nas redes sociais misturando café com café funcional, fazendo uma bomba de cafeína. Isso é preocupante”. Então, fica a dica: beba com moderação.
Reportagem publicada na Espresso #79 (março/abril/maio 2023).
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