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Bebidas funcionais à base de café: inovação como ferramenta de resiliência do setor cafeeiro
O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo, com destaque para países como Estados Unidos, Brasil, nações pertencentes à União Europeia, e crescentemente, algumas regiões asiáticas como China, Japão e Índia, e possui um mercado avaliado em mais de 27 bilhões de dólares e projeções de crescimento anual em torno de 6,7% até 2023. No ano de 2019, o ciclo de produção 2018/2019 chegou a aproximadamente 174,5 milhões de sacas de 60 kg de café no mundo, com preço avaliado em média de US$ 100,47 por saca. Contudo, com a chegada da covid-19 nos países ocidentais, fez-se necessária a restrição da circulação de pessoas em diversos destes, e como consequência o fechamento de estabelecimentos comerciais, observando queda nos mercados globais, assim como uma baixa no consumo geral da população em quase todos os países. Este impacto econômico, segundo o Fundo Monetário Internacional, poderá levar a retração de 3% do PIB mundial neste ano.
Como consequência das incertezas do mercado global, o mercado do café sofreu impacto logo no início da pandemia com a diminuição de 3,9 % das exportações nos primeiros 6 meses do ano cafeeiro de 2019/2020 (19/10 a 20/03). O preço da saca de café também tem apresentado alta volatilidade no mercado de commodities, após ter atingido uma baixa próxima aos US$ 96 no começo de fevereiro, conseguiu uma recuperação ao final de março, cujo valor chegou aos US$ 130, seguido por uma nova queda, ao valor próximo a US$ 102, no final de maio. Com a situação econômica conturbada, estudos da Organização Internacional do Café (OIC) estimam que uma queda de um ponto percentual no crescimento do PIB é associada a uma redução no crescimento da demanda global por café de 0,95 pontos percentuais ou 1,6 milhão de sacas de 60 kg. Contrariamente, em publicação no mês de maio, a Comunicaffe International avalia que a demanda de café não reduzirá, mas passará por alterações associadas às mudanças no comportamento do consumidor, com crescente demanda por misturas ou marcas de preços mais baixos, além de substitutos da cafeína e complementos.
Além do isolamento social, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria, 4 em cada 10 brasileiros perderam o poder de compra desde o início da pandemia, forçando o comércio a estabelecer novas estratégias de venda e maneiras de atrair o consumidor. Com isso, novas formas de consumo e o estreitamento da relação fornecedor da matéria prima x varejista/indústria x consumidor final, já podem ser observados. Tratando-se da parcela do setor mais prejudicada pela covid-19, cafeterias e coffee shops têm adotado sistema de take away, onde o próprio consumidor retira o produto na loja, ou delivery, onde o produto é entregue na casa do cliente. Marcas de café, que durante a pandemia optaram pelo investimento no e-commerce, registraram um aumento de 250% nesse tipo de venda e hoje recebem cerca de 80% de seus pedidos dessa forma. No consumo residencial, devido ao trabalho home office, maior tempo disponível e ambiente psicologicamente confortável, os consumidores têm relatado um aumento no consumo de cafeína, além de maior apreciação e prazer pelo produto, o que tem promovido a valorização de cafés especiais como nunca visto antes.
Outra estratégia comumente utilizada pelas indústrias de alimentos é a incorporação de ingredientes funcionais em suas formulações, e considerando que aproximadamente 65% dos consumidores bebem café diariamente, de acordo com o relatório National Coffee Drinking Trends (NCDT), o café é um candidato óbvio a aprimoramentos, especialmente com sua lista crescente de benefícios à saúde. As bebidas de café infundidas com ingredientes funcionais para fornecer alegações nutricionais estão alinhadas às demandas dos consumidores, que mais conscientes de sua alimentação, buscam bebidas com múltiplos benefícios.
Os grãos de café apresentam uma composição complexa composta por fitoquímicos como compostos fenólicos (ácidos clorogênico e caféico), ácido nicotínico, fibras e cafeína, que possuem potencial antioxidante, anti-inflamatório. Muitos estudos têm associado o consumo desses compostos com a redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis como câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, doença de Parkinson e doenças hepáticas. As quantidades dos compostos fitoquímicos são determinadas diretamente pela composição do grão de café verde, da técnica de fermentação e pelas mudanças que ocorrem durante a torrefação do café. Os resíduos gerados através do beneficiamento do café são muito abundantes, causando um grande problema ambiental global, contudo, com as devidas tecnologias podem ser bem aproveitados pela agroindústria do café e auxiliam a agregar valor ao produto. O endocarpo (pergaminho) e o espermoderma (silverskin), que podem compor até 50% dos resíduos do café, concentram altas quantidades de compostos bioativos como o ácido clorogênico (CGA), cafeína e fibras alimentares com potencial prebiótico que podem aumentar significativamente o número de bactérias benéficas como Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp.
No mercado norte-americano, os principais fatores que estão promovendo o crescimento do mercado funcional do café são a conveniência e a funcionalidade. Os consumidores estão desenvolvendo uma afinidade por bebidas funcionais na sua versão pronta para beber, pois oferecem maior conveniência e são alternativas mais saudáveis aos refrigerantes. Em pesquisa realizada pela Mintel, uma conceituada agência de inteligência de mercado do mundo, segundo consumidores americanos, um café frio pronto para beber ideal deveria conter compostos antioxidantes, anti-inflamatórios, probióticos ou que promovam a saúde do cérebro, anti-inflamatórios ou probióticos. Segundo o Euromonitor International, embora o mercado brasileiro tenha fornecido alternativas para a redução no consumo de bebidas açucaradas, comparado ao mercado dos EUA, o mercado nacional de café pronto para beber ainda é pequeno, sendo dominado pelas principais keyplayers do setor no país. Ainda assim, estima-se que o mercado brasileiro de café pronto para beber deverá registrar um crescimento de 2,8% no período de 2020-2025.
Em 2016, a empresa de sucos prensados a frio do Brooklyn-NYC JÙS by Julie®, conquistou o primeiro lugar no mercado americano com o lançamento do cold-brew coffee (café filtrado gelado) na versão tradicional ou baunilha, com infusão de cepas probióticas de Bacillus Coagulans (GanedenBC30®). Desde então, outras empresas lançaram produtos similares no mercado americano, como a Joefroyo® com cold brew adicionado de probióticos e proteína, a Danone® com a linha de cold brew adicionados de proteína ou MCT (ácidos graxos de cadeia média) e em janeiro deste ano a Starbucks® lançou uma linha de cafés que podem ser adquiridos moídos ou em cápsulas, adicionados de vitaminas do complexo B ou de Golden Tumeric, que consiste em um blend de cúrcuma, canela e gengibre. A marca Probiotics Australia® lançou em 2019 o café em cápsula Podbiotic Postbiotic Barista Blend, que além de compatível com a máquina Nespresso®, contém 25 bilhões de bactérias em todas as cápsulas e que não altera o paladar. A região Ásia-Pacífico é a área que mais cresce nas vendas de café instantâneo funcional, com Indonésia, Índia e Vietnã sendo os mercados de café funcionais que mais crescem no mundo. No Brasil há crescimento de novas marcas, como a Puravida®, BetterLifeBR®, +Mu®, Densinchá®, CaffeineArmy® e Wolfs® que investem na produção de cafés solúveis ou prontos para beber, voltados principalmente para o público fitness, com o conceito Bulletproof Coffee ou com a alegação de bebida termogênica e energética.
Nesse contexto, conclui-se que a utilização do café e seus resíduos, seja em sua forma convencional ou em novas apresentações como o café solúvel ou pronto para beber, mostra-se alinhada ao consumo crescente de bebidas com propriedades funcionais e pode servir como uma ferramenta de enfrentamento aos desafios que deverão ser impostos pela indústria e setor cafeeiro após a pandemia de covid-19.
*Por Paula Thaís S. Soares1, Yasmin J. D. Sales2; Fernando J. B. Correa2; Mariana T. C. Machado2; Mônica M. Pagani1; Erick A. Esmerino1,2
1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Departamento de Alimentos, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
2 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Tecnologia, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Seropédica, Rio de Janeiro
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