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Barra do Choça e seus cafés
Localizada em Vitória da Conquista, na Bahia, a região é reconhecida pelo café commodity e conta com produtores que buscam investir no especial e ganhar notoriedade no mercado
Vitória da Conquista, cidade baiana, localizada a 1.455 quilômetros de São Paulo. Imagine, uma viagem de carro daria uma média de dezoito horas, mas, por sorte do destino, a cidade conta com um aeroporto novinho (inaugurado em julho de 2019, em substituição ao antigo Aeroporto Pedro Otacílio Figueiredo, no qual era possível apenas o pouso e a decolagem de aeronaves de pequeno porte), em que pousamos numa segunda-feira à tarde a convite de Luiz Melo, proprietário da Supernova Coffee Roasters, que lançou na cidade o documentário Café Não É Só Café.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Vitória da Conquista conta com uma população de 338.480 habitantes, o que faz dela a terceira maior cidade do estado, atrás de Salvador e Feira de Santana, e a quinta do interior do Nordeste, atrás de Feira de Santana, Campina Grande, Caruaru e Petrolina.
Situados no mapa e pensando onde encontraríamos café na região? Em um município chamado Barra do Choça. Caso nunca tenha ouvido falar, está aí uma oportunidade de conhecer, e aproveitar para se aventurar pelos grãos locais.
Barra do Choça está a 27 quilômetros de Vitória da Conquista e a 524 quilômetros de Salvador. O município tem um dos maiores e mais crescentes PIBs do interior da região Nordeste. É o sexto maior PIB baiano, com mais de R$ 6 bilhões. É a capital regional de uma área que abrange aproximadamente oitenta municípios na Bahia e dezesseis no norte de Minas Gerais.
Segundo o Mapa das Origens Produtoras do Brasil da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), Barra do Choça faz parte do Planalto de Vitória da Conquista, conta com uma altitude em média de 850 metros e a temperatura amena é ideal para o cultivo do arábica. Muitas propriedades nessa região da Bahia realizam a colheita seletiva (frutos maduros), o que favorece a produção do cereja descascado. A criação de cooperativas e associações foi importante para a obtenção da qualidade e do sucesso da agricultura familiar, predominante no estado. As características são de um café encorpado, aveludado e adocicado, de acidez cítrica. Notas de nozes e de chocolate caracterizam a bebida produzida na região.
Conhecemos três personagens locais, o senhor Idimar Barreto Paes, de 62 anos, cafeicultor e proprietário da Fazenda Ouro Verde – Grão da Barra; Eufrásio Sousa Lima, 62 anos; e Vinicius Dias Lima, filho de Eufrásio, de 24 anos, do Sítio Boa Vista.
Idimar e seu bom humor
Senhor Idimar, ou melhor, só Idimar. Sim, ele ficou bravo quando foi chamado de senhor. Idimar foi quem nos pegou no hotel e foi mostrando um pouquinho da cidade até chegarmos à Fazenda Ouro Verde – Grão da Barra.
Idimar nasceu na Paraíba, e com 9 anos se mudou para Salvador. Há 23 está em Barra do Choça. Conheceu sua esposa, Ana Cristina Correa Gonçalves Paes, e o pai dela – Enésio de Freitas Gonçalves, o pioneiro na cafeicultura de Vitória da Conquista, plantando café em 1972. “Eu comecei a mexer com café há trinta anos, meu sogro teve torrefação, foi precursor da época do zoneamento. Temos a fazenda até hoje, e produzindo muito bem”, aponta Idimar.
Idimar é engenheiro agrônomo, atualmente aposentado, e sempre dividiu suas funções com o café commodity. “O mercado de cafés especiais estava longe para mim. Quando me aposentei, eu e minha esposa decidimos que era hora de focar os especiais.”
Segundo ele, era necessário um estudo detalhado para começar a produção de café especial. Idimar sabia que tinha um bom café, vendido, porém, como tradicional e não era tão valorizado. “Quando eu resolvi fazer o especial, há quatro anos, comecei a perguntar o que precisava para produzir, fui visitar quem produzia por aqui. Falei com Eufrásio, amigos de Piatã, mas qual era o segredo? Essa era a grande dúvida”, aponta.
Idimar analisa que não devia existir muito segredo, uma vez que produzir café eles já sabiam. O necessário era o cuidado maior durante a colheita e a pós-colheita. Também precisava pensar em como apresentar essa mudança aos seus funcionários, além de incluir um despolpador melhor, terreiro suspenso, estufas e modificar a estrutura da fazenda.
“Um dia cheguei e disse: a partir de hoje vamos começar a produzir cafés especiais. Os funcionários perguntaram: ‘O que é isso’?” Tive que explicar sobre as etapas, dizer que era um mercado diferente, com lotes menores, e que para isso seria preciso adotar procedimentos-padrão, principalmente na colheita e na pós- colheita”, conta.
Idimar disse que teve que aprender detalhes com as outras propriedades, como a atenção à seca, o despolpamento, o tempo no despolpador, o modo de tirar os grãos do despolpador, a secagem em terreiro suspenso, o acompanhamento por ficha sensorial, “coisa que não tinha no dia a dia da nossa colheita. Cada lote do especial colhido é um lote, não tem mistura”, explica o agricultor.
Um ponto com que os produtores de Barra do Choça se preocupam é a irregularidade da chuva, pois há mês em que chove 300 mm e no outro, nada. “Por exemplo, chove no inverno, quando o café não precisa de chuva, o que na época da colheita é um desastre!”
Idimar afirma que contou com a ajuda dos degustadores, classificadores e revendedores de café Carlos Novaes e Iury Mares, da empresa de corretagem (empresa que conta com profissionais que possuem conhecimento do grão de café e podem orientar o produtor sobre a qualidade da mercadoria) JC Cafés, e de Vinicius Lima (Eufrásio Cafés) na parte de classificação do café e na avaliação para saber se o grão era bom ou não, e o que podia ser destacado de cada café. “A nossa região ainda precisa de pessoas capacitadas para provar os cafés”, conclui.
Em 2018, Idimar teve a oportunidade de visitar a Semana Internacional do Café (SIC), feira especializada do setor que acontece todo ano em Belo Horizonte (MG). Ele disse que ficou encantado com o evento e ali descobriu coisas que nem imaginava sobre o café especial. “Cheguei à feira e encontrei pessoas gritando para outras que preparavam o café (ele visitou o evento no ano em que houve três Campeonatos Mundiais de Barismo), e o pessoal era tratado como jogador de futebol. Os nomes dos produtores estavam nas embalagens de café, queria isso para mim”, completa.
Foi então que Vinicius separou o café de Idimar e o enviou a Eystein Veflingstad, norueguês residente no Brasil, que desde 1998 é barista, mestre de torra e proprietário da 3ª Onda Consultoria em Café. Com humor, Idimar conta que pelo nome da pessoa já sentiu confiança no trabalho. “Se ele falasse que o café era bom, devia ser mesmo. E ele confirmou, então acreditei cada vez mais que estávamos no caminho certo.”
No primeiro ano de produção do café especial, eles participaram do concurso da 3corações e atingiram uma nota de 91,5. “Tinha que me acostumar que o café especial rende pouca saca”, aponta Idimar, além de expressar a satisfação quando vendeu o café a uma cafeteria, e seu nome estava na embalagem. “O importante é o reconhecimento, a valorização que o café especial nos traz.”
Idimar não pensa em entrar no ramo do torrado. “Não quero torrar café, colocar no pacote. Hoje quero trabalhar um pouco menos. O ramo do torrado e moído exige muito da sua presença no mercado, quero viajar na minha moto com minha esposa”, brinca.
Pai e filho juntos pelo café
A simplicidade no olhar de quem, desde 1993, tem o seu espaço e cultiva o seu café. Este é Eufrásio Sousa Lima, que, com a ajuda do seu filho Vinicius Dias Lima tem conquistado prêmios pelo Brasil.
Eufrásio é do sertão de Anagé, 51,6 quilômetros distante de Vitória da Conquista. Chegou à região e começou a trabalhar até que, treze anos depois, conseguiu comprar seu sítio, que leva o nome de Boa Vista, com 2 hectares, e começar a sua plantação de café. “Já tinha experiência com o grão e passei a cultivar nesse espaço.”
Ele conta que na época eles tinham problema com o clima e tiveram que adaptar muita coisa. Fizeram, por exemplo, uma cobertura para proteger o café para que ele não tomasse chuva. A dúvida de muitos era como fazer para um café ser considerado especial. “A ideia do café especial é nova para a gente, surgiu há uns vinte anos, quando os concursos começaram a chegar à região. Tinha muita coisa para aprender e modificar na estrutura da fazenda”, afirma Eufrásio.
Entre os anos de 2002 e 2003, a Associação dos Produtores de Café da Bahia (Assocafé) realizou um concurso de qualidade na região, o que instigou Eufrásio, que passou a enviar suas amostras. Hoje ele coleciona alguns prêmios, como no Concurso de Qualidade Cafés da Bahia (2010 ‒ 8º lugar; 2011 ‒ 7º lugar; e 2012 ‒ 5º lugar); Concurso Nacional de Qualidade de Café da Abic ‒ Safra (2013 ‒ 1º lugar; e 2017 – 5º lugar); Concurso Florada Premiada, promovido pela 3corações em parceria com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), em que conquistou, em 2019, o Prêmio Regional Planalto de Vitória da Conquista.
“Quando participamos pela primeira vez de um concurso, ficamos entre os dez primeiros. Isso foi nos incentivando e motivando a cada vez mais nos especializar no café especial. Vimos que dava certo; melhoramos a estufa, adaptamos o terreno e aos poucos fomos aprendendo”, conta Eufrásio.
Ele explica que tem todo o cuidado com a sua plantação e com a sua colheita seletiva, para buscar a qualidade. “Neste ano a expectativa é que a gente colha entre 220 e 240 sacas. Se eu conseguir tirar 40% de café especial, para mim já será maravilhoso”.
O café passa por processos que dependem muito do clima, o que, como já afirmamos antes, preocupa produtores da região. Eufrásio explica que, se chover muito, o café cai mais rápido, e, se o clima for muito quente, ele “murcha” e perde a qualidade. Por isso a atenção sobre a produção.
“Temos um período de quatro meses em que colhemos, voltamos ao lugar e repassamos cada etapa, Por isso nossa colheita acaba ficando um pouco mais cara, já que o trabalhador não vai conseguir uma quantidade grande de grãos no primeiro dia, visto que o objetivo é separar o melhor café”, explica.
Com relação à região, Eufrásio acredita que Piatã está entre os melhores cafés do mundo e com grandes produtores, o que destaca cada vez mais os cafés locais. “Se vinte, trinta produtores de Barra do Choça começarem a produzir bons cafés, nós conseguiremos chamar a atenção para a região. Acho que os produtores precisam acreditar no que produzem aqui e focar a qualidade.”
Eufrásio também cita o degustador e classificador Carlos Novaes, que deu muito apoio e força para que ele investisse nos cafés especiais. “Aqui a gente rebola para conseguir um bom café, mas aos poucos estamos obtendo sucesso”, completa.
Vinicius Dias Lima é o caçula de quatro filhos de seu Eufrásio e está sempre por perto, atento a cada detalhe e com ideias a todo instante. Como ele diz, nasceu no café, mas foi com 14 anos que sentiu o despertar para entrar de cabeça no universo cafeeiro.
“Quando começamos a receber visitas de fora da Bahia, foi o start para mim de que algo bacana estava acontecendo lá fora e que eu gostaria de conhecer melhor.”
Tim Wendelboe, barista que participou de vários campeonatos e importa cafés de diferentes lugares, foi uma das pessoas que visitaram o Sítio Boa Vista, em meados de 2010. Foi então que Vinicius criou uma conta no Twitter e começou a questionar o profissional sobre o café especial; sobre o que era a ficha de avaliação da Specialty Coffee Association (SCA); e passou a estudar mais sobre o mercado.
De dois anos para cá, eles adquiriram um torrador e criaram a embalagem do café. Tudo é realizado no sítio – plantação, torra e embalagem. “Nossa ideia é atingir o cliente final. Já vendemos o café cru, torrado e microlote na internet. Nosso intuito é conquistar as cafeterias.”
Vinicius conta que sempre teve vontade de aprender a provar café e busca pelo certificado de Q-Grader (o termo se refere a uma certificação mundial dada a profissionais de classificação e degustação de cafés). “Comecei a visitar o Carlos Novaes e acompanhar a prova de café especial. Leio muito sobre o assunto. Pego cafés com produtores e provo. Durante a SIC também busco criar alguns contatos e conhecer o café do pessoal. No final de semana passo as tardes na cooperativa provando amostras, e assim vou ganhando bagagem e me aperfeiçoando”, explica.
O objetivo de Vinicius é levar o café de Barra do Choça para todo o Brasil. “Temos muito produtor na Bahia, em geral, que tem ótimos cafés, mas não consegue vender por causa da nossa distância. É difícil para as pessoas virem para cá, minha ideia é auxiliar os produtores de alguma forma, criar uma conexão com quem produz e quem quer comprar cafés, enaltecendo cada vez mais os grãos locais.”
“Café é o futuro, meu futuro, da minha família, da minha região. Quero poder contribuir para que a gente cresça e seja reconhecido!”
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