Em setembro, plataforma global traz primeiras pesquisas da economia circular do café

A economia circular está em crescimento na cafeicultura como uma resposta sustentável aos desafios associados à produção e ao consumo de café. Uma das dificuldades, porém, é a falta de informação e troca de conhecimento entre os elos da cadeia. É o que constatam os especialistas do recém-criado Center for Circular Economy in Coffee (Centro de Economia Circular para o Café).

Lançado em setembro de 2023 durante a 5ª Conferência Mundial do Café (WCC 2023), organizada pela OIC (Organização Internacional do Café) em Bangalore, na Índia, o Centro de Economia Circular para o Café é a primeira plataforma colaborativa global dedicada a aprimorar e acelerar a transição para a economia circular no setor cafeeiro, ou seja, transformar resíduos de café em energia renovável. O objetivo vislumbrado é que a cadeia reduza sua dependência de combustíveis fósseis e se torne um agente ativo na desaceleração do aquecimento global.

Segundo especialistas do Centro entrevistados pela Espresso, há três desafios principais para o setor: falta de conhecimento das possibilidades concretas da economia circular no café, falta de financiamento e apoio (tanto público quanto privado) e pouca coordenação entre os elos da cadeia, especialmente entre o setor privado e a academia.

O Centro é formado por uma rede global de colaboradores, como Fundação Giuseppe e Pericle Lavazza, Politécnico de Turim, Centro de Comércio Internacional (ITC), Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e Universidade de Ciências Gastronômicas de Pollenzo, além da OIC. A nova plataforma, sediada em Turim, tem como objetivo compartilhar pesquisas com o setor cafeeiro, desenvolvimentos e inovações conduzidas pelas empresas e organizações envolvidas.

Para a enorme tarefa, ele já reuniu mais de 150 pessoas de mais de 25 países por meio da rede colaborativa do Guia do café. Essa rede, por sua vez, é responsável pela publicação da 4ª edição do guia e, também, por fornecer consultorias ao centro.

“É urgente que mais informações sobre economia circular sejam compartilhadas, para ampliar o debate“, alerta Katherine Oglietti, coordenadora de uma rede de especialistas em café do ITC, agência conjunta das Nações Unidas com a Organização Mundial do Comércio.

Esse compartilhamento perpassa a definição de economia circular. Segundo o Guia do café (publicado pelo ITC em 2022 em versão online, gratuita e em português), a economia circular permite que os resíduos do café sejam reutilizados, tanto em termos biológicos quanto técnicos: borras podem virar biocombustíveis, cascas podem se transformar em energia para a seca mecânica do grão, enfim, soluções inteligentes do ponto de vista climático para melhorar a qualidade do produto, a fertilidade do solo e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de CO2. “Ela é um meio de ampliar a sustentabilidade do setor de forma colaborativa”, acrescenta Katherine. “A inspiração na biologia e na natureza é o cerne da economia circular”, completa Dario Toso, gestor de sustentabilidade e economia circular da Lavazza.

Ao mesmo tempo, é preciso tirar a cadeia do que Katherine chama de “isolamento”, pois, segundo ela, acadêmicos, setor produtivo e consumidor ainda não conversam entre si ou não se informam sobre o que acontece nos outros níveis da cafeicultura. Por isso, a discussão sobre economia circular é crucial, já que o princípio que fundamenta o conceito é o uso eficiente de recursos, reduzindo desperdícios. “Com a diversificação da cultura e dos processos de produção do café, estas metas sustentáveis podem ser atingidas”, garante a especialista.

O processo começa pela transformação da percepção do café em si, que deve deixar de ser considerado apenas um produto e tornar-se algo maior, que represente toda a sociedade. “É uma mudança de mentalidade não somente da nossa relação com o café, mas também com o consumo e sobre o nosso lugar na sociedade”, diz Katherine.

Essa mudança de mentalidade reflete-se, por exemplo, na atribuição de valor para o que antes era visto como lixo. No caso do café, significa valorizar os rejeitos resultantes da produção do grão nas fazendas e, também, o que é abandonado pelos consumidores da bebida. Esta iniciativa, a de agregar valor ao “lixo” gerado pelos países que produzem café (e o consomem), pode ser um grande aliado no combate às mudanças climáticas.

Toso projeta que, se houver uma mudança completa para um modelo de economia circular, o conceito de desperdício não estará mais presente na cadeia de valor do café. “A maioria da biomassa que atualmente é descartada para produzir uma xícara da bebida irá se transformar em novos produtos e oportunidades de negócios, capazes de tornar a cadeia de valor mais resiliente e justa”, explica ele. As embalagens, por exemplo, serão reutilizadas e, depois, recicladas, assim como as borras de café irão produzir cosméticos, produtos farmacêuticos, alimentos e materiais inovadores.

Mas, para isso, é preciso informar. “É urgente que mais informações sobre o tema sejam compartilhadas a fim de ampliar o debate”, resume Katherine que, a partir de enquetes, debates e diálogos com mais de 320 pessoas, descobriu que 75% delas admitem ter pouco ou limitado conhecimento sobre a economia circular no setor. Além disso, apenas um terço afirmou fazer algo ou conhecer alguém que esteja agindo para melhorar a sustentabilidade socioambiental na cadeia cafeeira.

É pela falta de integração entre os elos do setor que Alessandro Campanella, mestre em Design de Sistemas no Politécnico de Turim, na Itália, decidiu pesquisar a economia circular do café. Especialista no estudo de sistemas complexos e das relações entre suas partes, Campanella diz que a chave é entender que indivíduos e empresas são parte de um sistema. “Uma solução geral não responde à complexidade do cenário global hoje em dia”, explica ele. “É urgente encontrar soluções e projetos para cada contexto de produção de café, valorizando a diversidade dos envolvidos”, emenda.

Campanella debruça-se sobre as estratégias e a valorização dos subprodutos do café, e sua investigação envolve startups, pesquisa científica e mapeamento do setor privado. Uma de suas atividades, por exemplo, é colaborar com a Lavazza para projetar novos cenários possíveis relacionados a economia circular e sustentabilidade. O descarte de embalagens e a gestão das borras do grão são os dois fatores de maior impacto ambiental na cadeia em um país consumidor. “Há um novo ‘braço’ dessa cadeia de valor ainda incipiente, mas com muitas oportunidades no futuro”, adianta ele, referindo-se ao pós-consumo do grão.

O Centro planeja para setembro a publicação de um documento com as primeiras conclusões do estudo, assim como as de outras pesquisas, juntamente com o relatório de desenvolvimento da cadeia do café da OIC.

Ao considerar o rápido avanço das mudanças climáticas, o apreço pelo café no mundo e sua quantidade produzida a cada ano, Campanella acredita que essas pesquisas e atividades devem ser vistas como um convite. “É preciso incluir todos os ramos da economia que, direta ou indiretamente, permitem que essa roda continue a girar”, diz ele, referindo-se à falta de capilaridade de iniciativas como estas.

Enquanto os resultados dessas iniciativas não são divulgados, o centro oferece programa de treinamentos em sua sede, com webinars dirigidos por especialistas no assunto e reuniões entre representantes dos mais variados setores da cadeia de valor do café.

TEXTO Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café

Barista

Dionatan Almeida é o primeiro brasileiro a conquistar o título mundial de prova de cafés

Pela primeira vez, o Brasil vence o Campeonato Mundial de Cup Tasters. A vitória inédita veio com o mineiro Dionatan Almeida, provador das Fazendas Caxambu e Aracaçu, de Três Pontas, que bateu 16 profissionais após acertar todas as amostras diferentes, em oito trios, em tempo recorde de 2 minutos e 19 segundos, segundo a BSCA. “É até difícil falar sobre a felicidade de ter conseguido ser campeão mundial na categoria que faz parte da minha vida profissional, que é a prova de café”. Assista a final aqui.

A competição aconteceu nos últimos três dias (12 a 14/4), durante a Specialty Coffee Expo, em Chicago (EUA). No domingo, Dionatan disputou a final com Aurore Ceretta, da Alemanha, que ficou em segundo lugar; Han Jong Lee, da Nova Zelândia, terceiro colocado; e Jonathan Rangel, da Guatemala, que finalizou na quarta posição.

Da esquerda para a direita: Dionatan Almeida, Aurore Ceretta, Han Jong Lee e Jonathan Rangel

Em entrevista à Espresso, o mineiro contou que, desde sua vitória no Campeonato Brasileiro, em setembro passado, a rotina de treinos vinha sendo diária. Com apoio do provador brasileiro Jack Robson e da equipe das fazendas em que trabalha, realizava rodadas de provas que variavam cafés, concentrações e níveis de dificuldade. 

Essa dedicação fez com que o desempenho de Dionatan fosse bonito do começo ao fim, não apenas trazendo o título desta categoria para o Brasil pela primeira vez, mas também apresentando excelentes tempos: na semifinal, o provador brasileiro acertou 100% das amostras em 2 minutos e 9 segundos! 

“Sou muito grato a Deus por ter vivido isso e por ter trazido esse troféu inédito para o Brasil. Isso mostra o quanto o Brasil tem grandes profissionais na área de classificação e degustação, e em todos os outros setores do café. Sou extremamente grato a todo mundo que torceu e acreditou em mim e espero que todo mundo tenha se sentido representado. É uma sensação única ter vivido isso. Estou muito feliz”, comemora Dionatan.

Também rolou em Chicago

A Specialty Coffee Expo também foi palco do Campeonato Mundial de Brewers, que contou com 39 baristas na busca pelo melhor café filtrado do mundo. O campeão brasileiro Rubens Vuolo, da cafeteria Amado Grão, de Cuiabá (MT), ficou em 17º lugar. “Acredito que a gente sempre se torna um profissional melhor a cada competição. Foi muito emocionante poder falar e dividir, com toda a cadeia do café, o que eu acredito que seja positivo, que é a nossa comunicação com o consumidor final, e poder levar também um blend que continha café brasileiro. Fiquei muito contente com tudo e espero que a gente sempre coloque o Brasil no topo”, comenta o barista à Espresso. Assista a apresentação de Rubens aqui.

O campeão da categoria foi Martin Wolfl, da Áustria, seguido por Wataru Iidaka, do Japão, em segundo lugar, e Ryan Wibawa, da Indonésia, que ficou na terceira posição.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Café & Preparos

Celebração do café em Londres vai até domingo (14)

Neste fim de semana, capital inglesa transforma-se em palco global da indústria do grão com o London Coffee Festival

Entre 11 e 14 de abril, a paixão pelo café transcende fronteiras e reúne aficionados e profissionais da indústria com o London Coffee Festival. Na nova edição, o público vai conferir as últimas tendências, inovações e sabores que estão moldando o futuro do café.

São mais de 225 expositores do setor, que apresentam desde novidades em cafés especiais até inovações em equipamentos. Entre as palestras com especialistas, há desde discussões sobre sustentabilidade até orientações sobre como começar uma cafeteria ou como preparar-se para disputar campeonatos.

Já as atrações interativas incluem aulas de latte art, sessões educativas de cafés coados e workshops para aprofundar o conhecimento e as habilidades no universo do café, além de batalhas entre baristas julgadas por painéis de personalidades da indústria envolvendo métodos de preparo, drinques de assinatura e serviço, entre outras.

Dos diversos espaços, destaque para o Hyde Park Bar, onde serão servidos coquetéis com o grão ao mesmo tempo em que DJs consagrados do país (Justin Robertson e Ray Mang) comandarão as pick ups. 

Serviço
London Coffee Festival
Onde: Truman Brewery, Londres
Quando: 11 a 14 de abril
Informações: www.londoncoffeefestival.com

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

Feira da SCA vai arrecadar recursos para o plantio de 6 mil árvores em países produtores de café

O evento começa sexta (12) em Chicago, e busca compensar 2 mil ton de emissões de CO2

Neste ano, o lado verde da Specialty Coffee Expo, que acontece  de 12 a 14 de abril em Chicago, nos Estados Unidos, está mais evidente, informa o site Global Coffee Report. Denominada Expo Sustentável, o evento, que é a maior feira de café B2B da América do Norte, alinhou parcerias para criar uma estratégia diferente de compensação ecológica para promover a distribuição equitativa de valor na cadeia produtiva do café.

A ideia é implementar sistemas agroflorestais para o sequestro de CO2, mirando compensar de 1.600 a 2 mil toneladas de emissões. O plano será apresentado no evento e o apoio financeiro recebido será destinado a 150 fazendas cafeicultoras latinoamericanas para o plantio de 6 mil árvores nativas que contribuam com a saúde do solo, a redução de erosões e o sequestro de carbono. 

As fazendas contempladas estão em países como Colômbia, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua e Peru, que disporão também de mais acesso a conhecimento e treinamento técnico para enfrentar as mudanças climáticas.

Os parceiros são Caravela Coffee (exportadora e importadora de cafés verdes da América Latina), Pacific Foods Barista Series (fornecedor de alimentos plant-based) e Barista Attitude (fabricante de máquinas de café).  

Brasil

A participação do Brasil também será inovadora. A Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), por exemplo, vai  apresentar seu protocolo de avaliação de cafés torrados em palestra na sexta (12), às 13h. O Protocolo Brasileiro de Avaliação Sensorial de Cafés Torrados, formulado com o uso da Inteligência Artificial, terá como guia a especialista em análise sensorial de cafés e consultora de qualidade da ABIC, Camila Arcanjo. Entre as falas programadas estão as diferenças entre estilos de cafés, principais características de qualidade do grão no pós-torra e as preferências do mercado brasileiro. 

Camila Arcanjo, especialista em análise sensorial de cafés e consultora de qualidade da ABIC

Já o Pavilhão Brasil na Specialty Coffee Expo 2024, da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), participa destacando as origens produtoras do grão no Brasil a partir da exploração dos perfis sensoriais dos cafés de 15 IGs. A degustação acontece no Brew Bar do espaço. Os expositores brasileiros também irão transmitir aos visitantes informações sobre os métodos de cultivo e de processamento dos cafés brasileiros. 

Por fim, vale reforçar a disputa de dois baristas do Brasil nas fases mundiais do World Coffee Championships, Dionatan Almeida (Cup Tasters Championship) e Rubens Vuolo (Brewers Cup).

A expectativa, também, é que a edição de Chicago bata recordes em termos de espaço para expositores e número de participantes. 

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

“Há uma distância entre produção científica e sua aplicação industrial”

Referência mundial em pós-colheita de cafés especiais, o pesquisador Flávio Borém aplica tecnologia inovadora não só no campo, mas nos grãos que vende em sua cafeteria, em Lavras (MG)

Com fala mansa e didática nas palestras que profere, o engenheiro agrônomo Flávio Meira Borém, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), prende a atenção de um público diverso. Mas o cientista mineiro, doutor em produção vegetal e com quase 30 anos de pesquisas em cafés especiais, também atrai a comunidade científica global com os artigos que publica. Seu trabalho, porém, não fica preso ao papel, já que Borém leva o conhecimento que produziu na universidade para o campo, como consultor especialista em pós-colheita de grãos de qualidade.

Autor de Tecnologia pós-colheita e qualidade de cafés especiais, lançado em 2023, e editor-chefe da Coffee Science, revista técnico-científica de cafeicultura, Borém não para de quebrar paradigmas. Como em 2015, no Re:co Symposium, evento internacional com líderes e especialistas da indústria de especiais. Em sua exposição, o cientista demonstrou que a consistência e a qualidade dos cafés depende da integridade das membranas celulares dos grãos, qualquer que seja o método de processamento, quebrando o paradigma de que cafés naturais são inferiores em qualidade. Entre suas inovações recentes está uma linha de cafés especiais – um, com alto teor de cafeína e outro, com atividade antioxidante (a partir de frutos imaturos) –, que serve na Borém Cafés Especiais, cafeteria e torrefação que abriu há pouco mais de dois anos em Lavras (MG). O próximo projeto é desenvolver um secador para cafés especiais. A seguir, a entrevista remota com Flávio Borém.

Espresso: Em seu livro, você destaca a relevância da composição do solo na qualidade do café. O que descobriu sobre essa relação?

Borém: Não há consenso entre pesquisadores da verdadeira contribuição de fertilidade e nutrição das plantas no sensorial da bebida. O que há de novo é a ampliação da visão do papel dos solos. Recentemente, encontrei trabalhos dos especialistas em solos José Marques Júnior e Diego Siqueira, da Unesp de Jaboticabal, sobre a mineralogia da argila. Argila é uma fração do solo (que tem, ainda, areia e silte) composta por minerais. O que importa não é só a quantidade da argila, mas também a qualidade dela, que cria uma interface entre os sistemas solo e planta, absorvendo fósforo e fazendo trocas catiônicas, por exemplo. Ou seja, tudo passa através dela.

Tradicionalmente, a microbiologia do solo é considerada o ponto mais importante para a qualidade, mas tudo o que existe no solo depende, originalmente, da rocha de origem e dos fenômenos geológicos que a formaram. Com isso, temos a fertilidade e a nutrição do solo.

Fiz um trabalho na Mantiqueira para o pedido da D.O. e esses dados foram disponibilizados para a equipe do Marques – que coletou, novamente, os solos no mesmo ponto geográfico. Cruzamos esses dados e o resultado foi um mapa de qualidade da argila. Descobrimos que a tipologia da argila é o principal componente na distribuição espacial da qualidade do café.

E: O que isso significa, na prática?

B: A partir desse mapeamento tipológico, identificamos em fazendas, ou áreas maiores, terroirs com maior potencial para cafés especiais, além de podermos recomendar variedades – o que não quer dizer, necessariamente, que o café terá mais qualidade, pois essa construção acontece ao longo de todos os processos. Porém, a formação de precursores no café depende da tipologia da argila. Esse conhecimento é uma ferramenta poderosa de precisão nas recomendações agronômicas, permitindo tomadas de decisão melhores. Com ela, ganhamos em manejo, redução de custo de produção e potencialização da qualidade sensorial dos grãos.

Já temos dados reais do uso dessa prática em São Tomé das Letras [Minas Gerais]. Lá, os produtores já conheciam um talhão famoso por produzir especiais. Depois do mapeamento, identificamos outros, dos quais eles nunca imaginaram obter qualidade.

E: Há outra quebra de paradigma sobre a tipologia da argila do solo, não é?

B: É a famosa relação altitude e qualidade. Dependendo da argila, produz-se especiais mesmo em altitudes mais baixas. É aí que a coisa muda: se a argila é favorável, o café bebe bem mesmo em altitudes entre 900 e 1.000 m. A tipologia da argila tornou-se mais relevante do que a latitude, que sempre deve ser considerada. Atualmente, 60% a 70% da resposta sobre porque há áreas melhores e piores para o cultivo está na tipologia da argila.

Até recentemente, a metodologia para conhecer solos vinha dos Estados Unidos e da Europa. Mas os solos de lá são de clima temperado, e a metodologia não era assertiva para climas tropicais como o nosso. O diferencial da equipe do Marques e da empresa parceira Quanticum é ter uma metodologia científica genuinamente brasileira, já patenteada, para aferir a tipologia de solos tropicais. Pode-se com ela, por exemplo, emitir certificados com o tipo de solo em que o café foi produzido, o que é um diferencial de marketing, e usá-la para créditos de carbono.

E: Você diz que análise de risco é uma ferramenta pouco explorada em projetos de pós-colheita. Por quê?

B: Quando produtores e técnicos tomam uma decisão, intuitivamente fazem uma análise de risco. Mas grandes empreendimentos de outros setores já usam uma matriz de análise de risco para tomadas de decisão. Aparentemente assertivas, as decisões na cafeicultura, feitas na base da opinião, têm custo ou risco altos, e não estão sendo claramente avaliadas. Por praticamente 30 anos, as coisas foram assim. Certa vez, ao elaborar respostas sobre que decisões podiam ser tomadas pelos produtores, percebi que estava fazendo uma análise de risco, e coloquei essa lógica no papel. Essa matriz de análise de risco que montei auxilia, simplificadamente, tomadas de decisão mais assertivas.

E: Como funciona essa matriz?

B: Ela é personalizada, pois considera uma fazenda, em tal região, como um sistema. Cada produtor vai responder de uma maneira. A matriz avalia riscos econômicos, riscos biológicos e impactos no aspecto do grão e na qualidade da bebida. Quanto menor for o risco de deterioração do café, do ponto de vista microbiológico e sanitário, e maior for a sua uniformidade, maior a chance de eu recomendar determinada tecnologia. É simples e assertiva.

E: Existem várias nomenclaturas para os processamentos do café, dependendo da região, do país e da literatura consultada. Que saída você encontrou para esclarecer esse conhecimento?

B: As pessoas criam nomes diferentes para os mesmos processamentos. Respeito jargões diferentes, pois isso é cultural. Mas, dependendo para quem se fala, a confusão pode ser enorme. Com base nisso, olhei para a anatomia do fruto. Método de processamento significa como o café chega ao setor de secagem. Há mais de 200 anos, deu-se o nome de via seca ao fruto que ia diretamente da colheita ao terreiro. Se ele chega ao terreiro misturado (verde, maduro, seco), é uma via seca com uma mistura de frutos.

Mesmo que ele passe pelo lavador, que separa o grão pelo estádio de maturação antes da secagem, o método ainda é chamado de via seca. Então, quem entra no mundo do café aprende que via seca é um processo que utiliza água! Daí, tenho que explicar que o processamento ainda carrega esse nome por motivos históricos.

Daí, pensei: e se eu chamar isso de secagem do fruto integral? Independentemente do seu estádio de maturação, um dos processamentos é a secagem da fruta inteira, com todos os seus componentes anatômicos (chamam genericamente esse método de unwashed coffee, dry method, via seca ou café natural). Comercialmente, prevalece a designação café natural. Tecnicamente, seria interessante chamá-lo integral, como arroz integral, porque não se tirou nada do fruto. Tudo começa, então, pelo entendimento da anatomia do fruto. A partir disso, não há discussão: o café integral (maduro, verde, seco ou passa) é levado para secar. Se houve colheita seletiva, ele tem homogeneidade e pode ser um natural de maior qualidade, porque o diferencial está no tipo de colheita.

Na literatura internacional, a maioria refere-se ao natural como café de baixa qualidade. É uma concepção histórica, pela qual o Brasil ficou conhecido – considerando o café natural como a secagem do fruto integral ou a mistura de frutos com diferentes maturações. Mas há naturais tanto de altíssima qualidade quanto de baixíssima qualidade.

E: E como você simplificou essa nomenclatura?

B: O café tem, basicamente, quatro tecidos: a pele, que é epiderme ou exocarpo (e não casca), o mesocarpo, o pergaminho e a semente. Portanto, só há quatro método de processamento, dependendo do que se remove ou se mantém no fruto que vai para a secagem. Se ele chegou ao setor de secagem com semente, pergaminho e um pouco de mel, passou por um método de processamento que removeu o exocarpo e, parcialmente, o mesocarpo, e que leva o nome de honey (CD, semi washed ou semi dry). Esse é o café em pergaminho – ou com mel, mucilagem ou parte do mesocarpo, não importa: tecnicamente, é o mesmo no mundo inteiro.

Pode-se, também, remover todo o mel ou mucilagem, e o café seca só com pergaminho. Como se remove essa mucilagem? Por fermentação ou mecanicamente. Só há esses dois jeitos. Pronto, separamos e descrevemos os processamentos. Na Indonésia, há mais um método: o café chega em pergaminho, há uma meia seca para
retirá-lo e a secagem é finalizada só com a semente. É o quarto processo. Assim, há uma simplificação técnica na comunicação do método de processamento. Ninguém vai discutir o nome daquele tecido – mucilagem, mel ou mesocarpo.

E: Existe, quimicamente, diferença entre polpa e mucilagem?

B: Depende da referência utilizada para descrever a composição química do mesocarpo. O café é uma drupa, parecida com o pêssego e a ameixa, e, por definição, tem por característica um mesocarpo carnoso – a polpa. Há técnicas que removem a polpa (mesocarpo) do café, mas não há como removê-la separadamente da pele (exocarpo) do café, que é muito fina. Então, na prática, o que acontece quando há despolpamento? A remoção do exocarpo, de parte do mesocarpo e dos feixes vasculares. A esse conjunto de tecidos, historicamente, deu-se o nome de polpa, mas, do ponto de vista botânico e anatômico, não é. A rigor, polpa é só mesocarpo.

Quando o fruto é verde, esse mesocarpo é um tecido único. Mas, quando acontece a maturação, há uma ação da pectina do exterior para o interior do fruto que deixa o mesocarpo mais liquefeito na porção externa e mais mucilaginoso, com mais pectina, próximo ao pergaminho. Por isso, muitos acreditam em dois tipos de mesocarpo. Mas o tecido é um só.

Ao analisarmos esta “polpa” (exocarpo, parte do mesocarpo e feixes vasculares), sua composição química é a mesma. Mas, se isolarmos o mesocarpo (que é a “mucilagem”), a composição química é outra. A riqueza da polpa e de suas aplicações abre possibilidades para outros usos além da sua utilização, depois de apodrecida, como adubo. No chá de cáscara, por exemplo, a polpa toda está lá.

E: Você investiga os usos potenciais da polpa?

B: Durante uma de minhas pesquisas, percebi que a polpa tinha uma característica diferente da cáscara. O termo cáscara, ou chá de cáscara, vem da Bolívia. Lá, as mulheres que separam o café vendem as sementes, mas ficam com a polpa, que secam ao sol e bebem. Essa popular infusão da polpa seca ao sol é, tecnicamente, uma infusão desidratada do café cereja. Essa cáscara é preta. Mas com a tecnologia que desenvolvemos e patenteamos, ela fica vermelha. Com ela, faço um chá: quem prova jura que está chupando a cereja do café. Fiz testes e cheguei a uma infusão dessa casca, dessa pele com polpa, que é um chá do café cereja. Já estamos na fase de pré-industrialização para lançá-lo como bebida pronta, um ready to drink.

E: Em 2022, numa parceria público-privada (PPP), você desenvolveu uma técnica para utilizar frutos verdes na produção de cafés especiais. Outra quebra de paradigma?

B: É uma inovação. Desenvolvi na UFLA uma tecnologia para produzir um café especial com maior atividade antioxidante, nutracêutico, com quase 50% de café imaturo. Com essa patente, que está licenciada por uma empresa multinacional [Syngenta], estamos produzindo café com altíssima atividade antioxidante. Além de os frutos imaturos serem benéficos à saúde, como sua ação antioxidante, utilizá-los é aproveitar cafés de uma fazenda, já que nenhuma produz só especiais. Com esse novo manejo pós-colheita, há um upgrade econômico, pois cafés imaturos que iriam para a indústria tradicional passam a ser especiais. Além de adiantarmos a colheita, há perda menor de frutos.

E: Durante muito tempo acreditou-se que secadores mecânicos não produziam qualidade em cafés. Isso já caiu por terra?

B: No meio científico, há muito tempo. A ciência vem trazendo muitas contribuições para o setor, mas há uma distância grande entre a produção do conhecimento científico e sua aplicação industrial. Mas, veja que inovador: recentemente, recebi o convite de uma empresa do Paraná, que faz equipamentos de alto nível, para desenvolver, em parceria, um secador destinado à produção de especiais. Começamos a colocar o projeto no papel.

E: Por que essa concepção mudou?

B: Principalmente pelo desenvolvimento de novos conhecimentos. Na cafeicultura, a inovação nos equipamentos é precária, pois a indústria brasileira investe pouco em secagem de cafés. Os equipamentos são praticamente os mesmos há décadas. Quando muito, há empresas de fora do setor que lançam novidades – como automação em controle do sistema de secagem. Isso ajudou, porque as duas principais causas de perda de qualidade do café na secagem artificial são danos térmicos e os causados por taxa de secagem elevada.

Na secagem em terreiro, leito suspenso ou estufa, o maior risco são as variações climáticas. Umidade relativa muito alta e secagem muito longa podem comprometer a qualidade. Secador pode produzir especiais? A princípio, sim, desde que se compreenda a mecânica, o fluxo de ar e o controle de temperatura (o café deve estar a, no máximo, 40°C), para que a secagem esteja nos parâmetros recomendados. Se a secagem em camas africanas ou estufas for lenta, a chance é bem maior.

Há, assim, sistemas de baixo risco e que precisam de pouco conhecimento e, de outro lado, equipamentos que podem colocar o café em alto risco se não soubermos manejá-los bem. Se o equipamento tem condições técnicas e o produtor sabe usá-lo, pode-se produzir qualidade. Se isso não fosse verdade, países da América Central e a Colômbia, que praticamente não conseguem secar cafés ao sol, não teriam grãos especiais.

Uma boa combinação é fazer uma parte da secagem ao sol, em terreiro, e terminá-la num secador. Nossa vantagem é termos muitas áreas de clima seco e com muito vento. Assim, no início da secagem, a água evapora facilmente com insolação e vento. Depois, economiza-se energia com finalização por secagem artificial, reduzindo o risco de expor o produto a alterações climáticas.

Mas, e se existir um secador que dispense terreiro e produza cafés especiais? Hoje em dia, não há como incentivar grandes áreas de secagem ao sol em terreiro, não é viável. Produtores pequenos, médios ou grandes estão passando por uma crise de sucessão familiar e de disponibilidade de mão de obra. Esse é meu projeto: abrir a mente das pessoas para um secador pensado para especiais, que não vai garantir, mas vai permitir a produção de lotes com qualidade consistente, dispensando terreiro. É o sonho de todo produtor. A previsão é analisar os primeiros protótipos e instalar nas fazendas os primeiros equipamentos para comercializá-los até 2026.

Interior da Borém Cafés Especiais, cafeteria e torrefação da família

E: Em 2021, você abriu uma torrefação e cafeteria em Lavras, a Borém Cafés Especiais. Que cafés você torra e oferece?

B: A Borém é uma forma concreta das pessoas terem acesso a tudo o que aprendi e escrevi. Nossa missão é oferecer saber, sabor e saúde no mesmo lugar. Há dois grandes grupos de café torrado. Um que faz com que externalizemos nossa percepção e outro com o qual buscamos um diálogo conosco. No primeiro grupo estão cafés raros, reservas e microlotes e, no segundo, cafés aconchegantes, adocicados e levemente ácidos. Estes são, respectivamente, nossos cafés das linhas Reserva e Clássica. Temos ainda a linha Saúde, especiais com maior teor antioxidante ou com maior ou menor teor de cafeína, para quem tem questões de saúde com ela. Pessoas que frequentam academia e ciclistas costumam tomar cafeína sintética, que é um perigo para a saúde. Oferecemos, então, um blend de arábica e canéfora com cafeína prontamente disponível. Elas bebem um café de verdade, especial e ganham uma dose considerável de cafeína. Pretendo trazer, em breve, conhecimento acessível sobre torra para desmistificar esse universo, onde há muita informação empírica e sem questionamentos. Minha natureza é questionar: não é à toa que sou pesquisador.

Quer ler mais sobre o assunto? Acesse aqui a continuação da entrevista com Flávio Borém.

Texto originalmente publicado na edição #83 (março, abril e maio de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Divulgação

Mercado

Orfeu lança microlote em homenagem a Oscar Niemeyer

Das curvas de grandes edifícios às embalagens de café, o novo microlote especial da Orfeu Cafés Especiais homenageia um dos principais arquitetos brasileiros: Oscar Niemeyer. A novidade, lançada na última quarta (3) durante a SP-Arte, na Bienal do Ibirapuera, em São Paulo (SP), é um blend das variedades bourbon amarelo e arara, colhidas de pés plantados em torno da capela Santa Clara, projetada pelo arquiteto no interior da Fazenda Rainha, em São Sebastião da Grama (SP). 

A ideia da edição limitada vem, justamente, da conexão entre esta construção e o cafezal. “É mais do que o lançamento de um produto, é uma retribuição a um presente que o Niemeyer deu aos funcionários da fazenda”, comenta Fábio Gianetti, diretor de marketing da Orfeu, referindo-se aos trabalhadores da propriedade, que desejavam um lugar para rezar. Foi assim que o arquiteto projetou a capela, em 2008.

Disponível no e-commerce da marca nas versões grão (250 g, R$ 33,50), moído (250 g, R$ 33,50), drip coffee (dez sachês, R$ 39,90) e cápsula compatível com Nespresso (dez unidades, R$ 33,50), o microlote chama a atenção pela embalagem criada pelo designer Pedro Cappeletti. “Em uma conversa com Ricardo Niemeyer, maquetista do Niemeyer, me caiu uma ficha”, lembra o designer. “Ele tinha que fazer em maquetes uma coisa muito parecida com o que eu ia ter que fazer com embalagens, que é transformar papel em curvas. Acho que este foi o insight que norteou todos os movimentos”, explica. 

Depois de meses de testes tentando curvar papéis para transformá-los em embalagens adequadas, Cappeletti chegou a quatro modelos finais. “O Niemeyer fez com os prédios, que eram retos e ele curvou, a mesma coisa que foi feita com as embalagens, que eram caixinhas retas e que foram curvadas. Então, tem este paralelo entre arquitetura e embalagens”, comenta Cappeletti.

E se Oscar Niemeyer projetasse xícaras de café?

Com essa pergunta em mente, a equipe da Orfeu, em parceria com a família Niemeyer, desenvolveu um trio de xícaras de cerâmica inspiradas na obra do arquiteto brasileiro. Neste projeto, houve o treinamento de Inteligência Artificial para alcançar ao máximo o estilo de Niemeyer. As peças, esculpidas manualmente pelo artista plástico Lair Uaracy e pelo ceramista Fernando Aidar, do Estúdio Caboco, estão expostas na cafeteria da marca, na SP-Arte, e depois irão para centros culturais. A ideia é que, futuramente, elas sejam comercializadas. 

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Divulgação

Café & Preparos

História das cafeterias no Brasil é tema de mostra no Museu do Café

Pessoas bebendo café em balcão no Rio de Janeiro, c. 1957 – Acervo Arquivo Nacional

A história dos cafés e cafeterias no Brasil é tema da exposição Café: na mesa ou no balcão?, que o Museu do Café, em Santos, inaugura em 13 de abril. Distribuída por três salas, a mostra, que acontece até janeiro de 2025, explora as transformações pelas quais passou o costume de tomar café entre os séculos XIX e XX no país.

Esse desenrolar da história concentra-se no ambiente público, ou seja, os estabelecimentos que serviam café e que surgiram a partir de 1830 com os primeiros imigrantes europeus – comerciantes, pequenos industriais e viajantes – que atracaram nos portos das cidades do Rio de Janeiro e de Santos, por onde eram escoadas as milhares de sacas de café cru brasileiro. 

“O século XIX presenciou a ascensão meteórica do café, de um produto cultivado para consumo próprio à principal fonte de riqueza do país”, contextualiza o historiador Bruno Bortoloto, um dos integrantes do Núcleo de Pesquisa do museu, equipe responsável pela curadoria da exposição.

A primeira sala trata desses primeiros cafés, que serviam a bebida em mesinhas, ao estilo europeu. Eles surgem tanto da tradição portuguesa dos botequins – que vendiam vinhos, aguardente e as bebidas chá, café e chocolate, quanto dos cafés parisienses, e configuram locais de divertimento e convívio. “Esses primeiros espaços irão desembocar nas tertúlias ou saraus, que reuniam intelectuais como Machado de Assis e Olavo Bilac nos cafés e confeitarias da capital carioca, que eram um pouco mais chiques”, explica o curador.

O formato dos primeiros estabelecimentos também muda com o passar das décadas, exemplificado pelo mobiliário, que evolui para cadeiras de madeira austríacas (as clássicas thonet) e mesas com pés de ferro e tampos de mármore.

O café tomado em pé, em frente ao balcão, é explorado no segundo espaço da mostra, que aborda a história e o uso desses novos espaços, marcados pela introdução do espresso. As máquinas, inicialmente importadas da Itália, passaram a preparar o método coado, também extraído das máquinas Monarcha, empresa brasileira fundada nos anos 1920. Uma coleção de moedas da mesma década registra o preço da bebida. “O cafezinho sempre foi o item mais barato em qualquer estabelecimento”, diz Bortoloto.

“Trabalharemos, também, os cafés modelo dos anos 1970 e o surgimento das cafeterias ou coffee shops, entre as décadas de 1980 e 1990”, completa. Segundo Bruno, esta segunda etapa da história dos cafés está inserida num contexto de aceleração da vida cotidiana no país.

Por fim, na terceira sala, a mostra pretende instigar os visitantes sobre o futuro dos cafés a partir da opinião de especialistas em depoimentos e entrevistas. Entre os participantes estão Diego Gonzales, sócio da cafeteria Sofá Café (SP), e Isabela Raposeiras, proprietária do Coffee Lab (SP), que discutem o cenário atual e a perspectiva futura dos espaços de consumo de cafés.

Entre os materiais em exposição há cafeteiras e chocolateiras, xícaras e açucareiros de vidro e alumínio antigos, além de fac-símiles de livros do período. O museu ainda recriou ambientes antigos e recheou a mostra com imagens, vídeos e música.

Serviço
Mostra “Café: na mesa ou no balcão?”
Quando: 13 de abril a 25 de janeiro de 2025
Onde: Museu do Café (rua XV de Novembro, 95 – Centro Histórico – Santos/SP)
Horário: Terça a sábado, das 9h as 18h; domingo, das 10h as 18h
A entrada é gratuita aos sábados. Nos demais dias, custa R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia). 

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Museu do Café

A chegada do café ao Brasil

Em 1727, as primeiras mudas do grão são plantadas no norte do país, e o centro-sul nacional dita os rumos da nossa história

Por Cristiana Couto

Todos os livros sobre a bebida citam Francisco de Mello Palheta, oficial do governo brasileiro que trouxe ao país, em 1727, as primeiras mudas de café, vindas da Guiana Francesa. Embora Palheta seja sempre retratado como um personagem heróico, quase mítico, o militar, de fato, foi enviado pelo governador da capitania do Maranhão e do Grão-Pará para resolver problemas de demarcação de fronteiras com a Guiana. Costuma-se dizer que Palheta envolveu-se numa situação amorosa — provavelmente, outra das muitas lendas sobre o café. Na verdade, sua missão principal foi conseguir mudas de café, que foram, então, cultivadas no Pará. 

A primeira exportação de grãos para Lisboa sai do Maranhão em 1731, e o café cultivado em Belém começa a ser plantado nos arredores do Rio de Janeiro na década de 1760. Era, então, uma planta de quintal, para consumo doméstico. Só quando ele chega ao Vale do Paraíba é que nossa história muda de rumo. Relativamente desabitada até 1800, imbricada entre as Serras do Mar e da Mantiqueira e compartilhada entre Rio e São Paulo, a região transformou-se na primeira área cafeicultora brasileira com produção em alta escala. No início, os cafezais tomaram a porção fluminense do território, onde surgiram imensas e belíssimas fazendas. 

A chegada da família real à cidade do Rio, em 1808, transformou-a na capital do Império português, e estimulou ainda mais o cultivo do café no Vale. D. João VI mandou, então, buscar sementes da África, e as distribuiu entre os proprietários da região. 

Com o ouro já esgotado e o açúcar enfrentando concorrentes antilhanos, o café tornou-se uma opção de riqueza para Portugal. Entre o final do século XVIII e ao longo do XIX, o grão espalhou-se pelas regiões centro-sul do Brasil, alcançando Minas Gerais (pela zona da Mata), Espírito Santo e, aos poucos, São Paulo, descendo pelo Vale do Paraíba. 

Em 1822, um ramo de café é incorporado ao escudo de armas do Império — uma aposta em seu potencial econômico. De fato, o café ganhou esse destaque. Entre a Independência (1822) e a Primeira República (1889), as exportações brasileiras do grão aumentaram 75 vezes, para mercados consumidores (EUA e Europa) que cresceram rapidamente. Muita terra disponível, pouca tecnologia necessária, solo fértil e barato e mão de obra escravizada permitiram ao país produzir café a preços baixos e em grande quantidade.

Entre 1830 e 1840, o grão tornou-se nosso produto mais exportado e, na década de 1850, o Brasil virou seu maior produtor mundial. Não sem alterar o mapa de sua produção: em declínio, pelo cansaço das terras ocasionado pela prática da monocultura, o Vale do Paraíba foi dando lugar à produção paulista.

O café chega a São Paulo em 1765, estabelecendo-se na porção paulista do Vale do Paraíba. Foi cultivado em roças e consumido internamente até 1835, quando plantas crescem em Campinas, inaugurando a região produtora conhecida como Oeste Paulista. Ali, o grão avança em duas direções: para o oeste, rumo a Limeira, Rio Claro e Araraquara; ao norte, para cidades como Casa Branca e Mococa. A partir dos anos 1860, São Paulo tornou-se o maior produtor de café do mundo.

Em 1886, Campinas e regiões próximas a ela lideram a produção brasileira (e mundial) do grão. O navio a vapor impulsiona seu comércio, e as ferrovias, construídas a partir de meados do século XIX, aceleram o trânsito entre as fazendas e os portos de escoamento do grão. No final do Oitocentos, São Paulo tinha 3 mil km de trilhos interior adentro. Onde eles surgiam, apareciam novas cidades e mais pessoas.

Santos transformou-se em uma cidade central para esse comércio. Além de ter o maior porto exportador do mundo (o do Rio de Janeiro perdeu importância conforme o café se espalhou por São Paulo), a cidade inaugurou a Bolsa Oficial do Café no início do século XX, que passou a determinar as regras para o negócio do grão e controlou as operações financeiras, entre outras funções.  

O Brasil, então, era o café. Até o início do século XX, comércio, indústria e investimentos financeiros giraram em torno do grão. Grandes reformas urbanas foram feitas, surgiram estabelecimentos culturais e foram fundadas as primeiras instituições científicas — como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), de 1887, o curso de Engenharia Agronômica (1897) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901). Esses centros foram criados, principalmente, para salvar cafeicultores das pragas que ameaçavam o café. 

Também é a economia cafeeira que estabelece e mantém a hegemonia política e econômica do centro-sul do Brasil, promovendo a “política café com leite”, que predominou na Primeira República (1889-1930) alternando no poder fazendeiros paulistas e mineiros.

Mas nem tudo nessa história é sobre riqueza e prosperidade. Milhares de africanos escravizados serviram como mão de obra no plantio do café, e o país foi o último no mundo a cessar esse tráfico intercontinental (em 1850). Estimativas feitas por historiadores calculam que, entre 1835 e 1850, dos mais de 690 mil escravizados que chegaram ao país, cerca de 80% desembarcaram no sudeste cafeeiro. Depois de 1850, estrutura-se no país outro tipo de tráfico: o comércio interno de escravizados negros, vindos de áreas produtoras decadentes — como as de cana, no nordeste — para trabalhar nos cafezais paulistas. Muitos negros livres, inclusive, voltaram a ser escravizados para a lida nos cafezais paulistas. Além disso, cafeicultores e governo buscaram mão de obra alternativa, trazida da Europa. Mas essa parte da história fica para a próxima coluna. Até lá!

Cristiana Couto é jornalista, historiadora e doutora em história da ciência. É autora, entre outros, de Arte de Cozinha – Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVII-XIX). Coordena o conteúdo da Espresso. Coluna publicada na Espresso #80 (junho, julho e agosto de 2023).

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Barista

Conheça Dionatan Almeida, brasileiro que disputa o mundial de prova de cafés

Com passagens compradas para quinta (4) rumo a Chicago (EUA), onde acontece o Campeonato Mundial de Cup Tasters de 12 a 14 de abril, o provador Dionatan Almeida embarca combinando sentimentos de realização e responsabilidade. “Quando você representa seu país, você representa toda a cadeia produtiva”, diz. 

Mineiro de Três Pontas, ele foi selecionado para representar o Brasil na competição, que acontece durante a feira Specialty Coffee Expo, após superar mais de 40 profissionais e vencer a etapa nacional da categoria, com sete acertos dentre oito trios de amostras, em um tempo de 3 minutos e 47 segundos. 

Em entrevista à Espresso, Dionatan Almeida fala de sua trajetória no café, da visibilidade que ganhou com o título brasileiro e das expectativas em relação ao Mundial e ao futuro.   

Espresso: Como tem sido sua trajetória profissional relacionada ao café até o momento? Conte um pouco das  suas experiências, conquistas e desafios ao longo do caminho.

Dionatan: Minha história com o café começa no meu nascimento. Nasci e fui criado em uma fazenda produtora de café em Três Pontas, Minas Gerais, onde meus pais trabalhavam. Morei lá até os 14 anos. O Sul de Minas é uma região em que a cafeicultura predomina, então, o café sempre fez parte da minha vida. Comecei a trabalhar com café em 2011, aos 16 anos. Apesar de ter sido criado em uma fazenda produtora, eu conhecia pouco sobre o assunto. Fui aprender nas fazendas que trabalho até hoje, que são a Caxambu e a Aracaçu [em Três Pontas]. Na época, trabalhava no setor de pós-colheita, na unidade de processamento, de secagem e de beneficiamento dos cafés. Ali, tive a oportunidade de aprender bastante e foi muito bom, porque quando comecei a trabalhar, as fazendas tinham uma filosofia mais voltada para os cafés especiais, e eu me encantei por este universo. Em 2015, comecei a fazer cursos de análise sensorial, torra e prova de café. E aí assumi o controle de qualidade das Fazendas Caxambu e Aracaçu. Eles proporcionaram os treinamentos necessários para que eu dominasse o tema, e estou no cargo desde então. 

E: Como foi ganhar o título de Campeão Brasileiro de Cup Tasters?

D: É um sonho realizado, porque me lembro de 2015, quando comecei e não sabia nada de análise sensorial. Quantos professores eu tive e quantas pessoas me ajudaram até aqui, quantas referências eu pude ter neste universo do café… Desde que conheci a competição, foi meu sonho participar dela. Em alguns momentos, acontecia algum problema e eu não conseguia fazer a inscrição. Em outros, sentia que ainda não estava preparado o suficiente. A primeira oportunidade de participar do Cup Tasters foi em 2022, e fiquei muito feliz com a experiência de alcançar o terceiro lugar. Tive um bom desempenho e me apaixonei ainda mais pela competição. Essa adrenalina e o contato com outros provadores é incrível. E, em 2023, me preparei mais e consegui ser campeão, e isso coroou todos esses anos de trabalho com café e todas as pessoas que estiveram ao meu lado. É uma satisfação enorme conseguir, entre tantos profissionais, ser campeão. Estou comemorando até hoje! E estou muito feliz por representar o Brasil no campeonato mundial.

Pódio do Campeonato Brasileiro de Cup Tasters realizado em setembro de 2023, em Varginha (MG). Da esquerda para a direita: José Augusto Naves (segundo lugar), Dionatan Almeida (campeão) e Edimilson Generoso (terceiro lugar) – Foto: Gabriela Kaneto

E: O que significa ser um campeão brasileiro de prova de café?

D: Acho que tanto no campeonato de Cup Tasters quanto nos de barismo, em todas as modalidades, quando você representa seu país, você representa toda a cadeia produtiva. Estamos representando todos os produtores, a indústria, o café brasileiro. É uma responsabilidade muito grande. No meu caso, principalmente com os provadores e classificadores, que é uma profissão importante e bonita. Hoje os cafés brasileiros têm crescido e despontado em qualidade, e esses profissionais têm um peso gigantesco nisso. Representar todas essas pessoas é uma responsabilidade muito grande. Estamos nos preparando ao máximo e treinando bastante para dar o melhor e trazer o título para o Brasil. Não é o Dionatan que vai competir, mas toda a cafeicultura. 

E: Como tornar-se campeão brasileiro impactou sua vida profissional?

D: É uma sensação de realização. Ser campeão brasileiro não tem explicação e é algo que vai ficar para sempre. É marcar o seu nome na história do café e do Cup Tasters. Em termos profissionais, traz valorização e oportunidades. Abre muitas portas, até mais do que eu imaginava. Traz muito reconhecimento e visibilidade. Neste momento, temos que ter muito foco, muito pé no chão e muita sabedoria para viver isso. O resultado do campeonato colocou minha carreira em destaque. Com certeza, olhando para trás, dá para ver o Dionatan antes do campeonato, e o Dionatan depois dele. Não como pessoa, sigo com a minha visão, as coisas que acredito, a minha filosofia de vida, o meu caráter, o caminho que quero seguir, mas sim em relação ao reconhecimento.

E: Como você está se preparando para o Campeonato Mundial de Cup Tasters? 

D: Treino todos os dias na fazenda. Agradeço demais aos meus companheiros daqui, que me dão suporte e acreditam em mim. Estamos todos indo juntos para Chicago, mesmo que não fisicamente. Também tenho o suporte do Jack Robson, que está sendo meu coach e treina comigo toda semana. Uma ou duas vezes na semana nós dois fazemos várias rodadas de treinamento, variando cafés, concentrações, e elevando o nível de dificuldade. Aqui na fazenda, o pessoal tem me ajudado bastante com o preparo dos cafés, e treinamos pelo menos duas vezes ao dia. Quando falo de preparação também não posso deixar de mencionar a BSCA [Associação Brasileira de Cafés Especiais], que cedeu espaço, cafés e tem auxiliado muito, e o pessoal da ABCD [Associação Brasileira de Classificadores e Degustadores de Café], que também tem dado um suporte financeiro extraordinário, além de cafés. E outros parceiros, como o Wellington Pereira (Baba), que conseguiu uma cafeteria parceira em Chicago para treinarmos. Vamos viajar antes [na quinta, dia 4], para nos adaptarmos à água e ao clima de lá, onde também é mais fácil termos acesso a cafés diferentes para treinarmos. Tenho também o apoio da Apex-Brasil, que possibilita a estada e a viagem. Tudo que está sendo feito é para que eu tenha a melhor preparação para disputar o Mundial.

E: Quais são suas expectativas em relação ao Mundial?

D: Aproveitar bastante. Essa é minha primeira experiência em outro país e em outra feira, porque até então eu só conhecia a SIC [Semana Internacional do Café]. A feira de Chicago, por tudo que já ouvi, é uma feira gigantesca e incrível, então quero viver essa experiência ao máximo, curtir e tentar trazer este título inédito para o Brasil. É um desafio e uma expectativa muito grande, de todo mundo que está engajado nessa preparação. Vou dar o melhor, com muita responsabilidade, pois representar o Brasil e a nossa cafeicultura é um desafio muito grande, mas também vou procurar me divertir e fazer aquilo que temos feito no dia a dia. Como falamos da visibilidade que o Campeonato Brasileiro traz pra gente, acho que o Mundial potencializa muito essa visibilidade.

E: E quais os planos para o futuro? Pretende competir novamente?

D: Pensando a curto prazo, meu desejo é voltar com esse troféu de campeão, se Deus quiser. Já a longo prazo, caso esse título venha, quero curtir e aproveitar bastante. O Campeonato Brasileiro de Cup Tasters traz muitas coisas positivas para o profissional e, com certeza, o Mundial também trará. Então é aproveitar isso da melhor forma possível. Em relação às competições, caso ganhe o Mundial, não sei se irei competir no próximo Brasileiro. Talvez darei um tempinho para curtir. Mas, caso não venha, estarei lá de novo, tentando, porque de qualquer forma o campeonato é incrível, pela adrenalina e pelos contatos que fazemos. Enquanto eu estiver neste universo de cafés, com certeza vou querer fazer parte das competições, principalmente de Cup Tasters, mas também de torra, que me chama atenção e faz parte do meu dia a dia. As competições de café são incríveis, tanto na promoção do profissional quanto no contato com os companheiros.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Arquivo pessoal

CafezalMercado

Nespresso quer gastar US$ 20 milhões para desenvolver cafés no Congo

A Nespresso anunciou hoje (27/3) que pretende gastar US$ 20 milhões entre compras de café e fornecimento de assistência para a República Democrática do Congo, na África. Quer, também, ajudar na arrecadação da mesma quantia  para apoiar o setor cafeeiro na região leste do país. O compromisso faz parte do programa contínuo da Nespresso, “Revivendo Origens”, que assiste áreas produtoras afetadas por desastres naturais ou questões sociais. 

Já houve auxílio da empresa na região em 2021, por meio de aliança financiada pela USAID, a Aliança do Café Gorila. Nessa nova iniciativa, os parceiros, além da USAID e outras instituições, incluem cafeicultores de Kivu, principal área produtora de arábicas, no leste do país. 

Os US$ 20 milhões serão destinados a compras de café cru, a prêmios financeiros relacionados à qualidade e sustentabilidade (AAA da Nespresso) e a projetos em comunidades produtoras de agricultura regenerativa, acesso à água limpa e assistência médica, por exemplo.

TEXTO Fonte: Daily Coffee News • FOTO Daniel Fontes