Barista

Atitudes que inspiram: conheça a história do projeto Fazedores de Café

Diego Gonzales sempre gostou de café, de visitar cafeterias e ficar contemplando a bebida. Foi em 2009, porém, que o engenheiro florestal começou a viajar para estudar a fundo o assunto. Em 2011, Diego inaugurou o Sofá Café. “Foi uma decisão complicada, estava focado na minha carreira, mas acredito que aquele foi o momento e a hora certa. Valeu a pena correr o risco”, diz Diego. 

Em 2014, Diego criou o projeto Fazedores de Café, com um único objetivo: “Fazer a nossa parte para um mundo mais acessível a todos”. O projeto forma, gratuitamente, jovens de baixa renda, com idade entre 17 e 24 anos, que estejam em situação de risco, para trabalhar na área do café, e os prepara para o mercado de trabalho. 

Diego Gonzales, de branco, com alguns dos alunos do projeto. “A expectativa era inserir 70% dos alunos no mercado de trabalho, mas 94% deles já saem empregados. Os demais (6%), infelizmente, são desistentes. Atualmente 36 alunos se formaram no projeto”, conta Diego

“Trabalhando como engenheiro florestal, eu me envolvia com questões socioambientais e com a comunidade do entorno, sempre gostei de fazer isso. Quando abri o Sofá Café, sentia falta de um projeto que tivesse, de alguma forma, um retorno para a sociedade, via a necessidade de fazer algo que ninguém fazia.” 

Diego conta que uma vez estava em um avião assistindo a um documentário de uma empresa que desenvolvia a seguinte ação: a cada par de tênis vendido, um era doado. Isso o incentivou ainda mais a montar um projeto social na área de café. “Parei para pensar como o personagem desse documentário fechava essa conta. Se ele consegue, então eu também tinha que conseguir desenvolver um projeto social.” 

“Comecei a pensar nas possibilidades e veio a ideia do Fazedores, que, inicialmente, seria para três ou quatro dias. Com tanto conteúdo, porém, isso não seria possível. Chegamos a uma grade de três meses, com aulas diárias, para que os jovens tivessem uma base mínima, com um curso que valesse a pena, e de valor no mercado. Selecionei alguns potenciais parceiros para dar as aulas e assim viabilizamos o projeto, com parcerias e um objetivo em comum: formar a turma para o mercado.” 

Diego acompanhou de pertinho todas as turmas, que já são oito; neste ano as aulas acabaram em uma sexta-feira, antes do fechamento total das lojas por causa da pandemia. Segundo ele, os alunos estavam se saindo superbem e não puderam realizar os estágios nas cafeterias, uma preocupação, já que a suspensão das atividades por causa do novo coronavírus prejudicou, e muito, o mercado, e alguns profissionais perderam o emprego. 

A vontade de fazer o bem 

Depois das aulas teóricas, os jovens fazem estágio nas cafeterias parceiras em São Paulo que trabalham com cafés especiais, ou em áreas associadas, como empresas de máquinas e acessórios para cafeterias, sindicatos de café, entre outros. “A maioria já sai empregada, começa a trabalhar e ajudar a família, é muito prazeroso poder acompanhar isso”, relata Diego. 

“Vejo mudanças reais em cada um que participa. É uma geração de empreendedores. Um sonho é incluir aulas que possam instigar cada vez mais essa parte de negócio e empreendimento. O Paulo é um exemplo. Da primeira turma, ele não tinha dinheiro, dedicou-se e foi estudar Gastronomia. Hoje trabalha comigo, abriu sua cafeteria e fez com que coisas boas acontecessem na sua vida”, relata Diego. 

Esta foi a primeira turma do projeto e Diego nem imaginava como revolucionaria a vida desses alunos

Parceria desde o início 

Diego se recorda que no comecinho do projeto muita gente achava que não era uma boa ideia, principalmente ajudar jovens em medidas socioeducativas. Sofreu críticas, mas isso nunca foi empecilho para seguir em frente. Ele acredita que é um projeto que custa pouco para parceiros, mas que tem um impacto enorme. “Fazedores de Café contribui com o mercado, formando excelentes baristas, o jovem muda de vida. Por isso acredito que qualquer empresa que queira participar terá, assim como eu, orgulho de cada jovem que passar por ali.” 

Quem está sempre ao lado de Diego é Bruna Dornelles, bacharel em Direito que trabalhou sete anos com medida socioeducativa. É ela quem seleciona alguns alunos da periferia de São Paulo que vivem em situação de alta vulnerabilidade social. 

“É uma experiência única, ouvir e olhar esses jovens cheios de sonhos e perspectivas, em uma mistura de medo e vontade. Medo de ser enganado mais uma vez.” Bruna explica que muitas vezes alguém oferece um curso ao jovem e, quando ele vai até o local, a propaganda é enganosa e é preciso pagar, o que gera frustração em muitos deles. “Só que, acima do medo, vem a vontade de vencer. É o que eles almejam, vencer diante de todas as dificuldades que passam com a família e na sociedade.” 

Bruna conta que ao longo dos anos sempre buscou chance no mercado de trabalho para, como ela os define, “seus meninos”. “Minha maior alegria é ver como o projeto transformou a vida de todos os que passaram por ali. Mesmo os que não seguiram a profissão aprenderam muito, e são gratos pela oportunidade de conhecer, conviver com pessoas incríveis que são os parceiros do projeto. Realmente enxergamos uma mudança, um crescimento”, completa. 

A mestre de torra Regina Machado foi uma das primeiras coordenadoras do projeto e se emociona ao contar sua trajetória, que, segundo ela, foi de crescimento tanto pessoal quanto profissional. “Quando Diego conversou comigo e apresentou a ideia, eu abracei a causa e comecei a esquematizar as aulas, olhando muito para a minha linha de aprendizado.” Ela conta que começou a escrever e separar as aulas, como tinha aprendido, e a pensar em quem poderia convidar para ministrar os cursos. 

“Era emocionante ver a evolução dos alunos, o brilho nos olhos de cada um e quanto eles me ensinaram. Às vezes eles entravam em contato porque queriam apenas alguém para conversar e pedir conselhos, e ali eu me dava conta da tamanha responsabilidade que estava assumindo  e de como estava impactando diretamente na vida deles. Foi muito desafiador e mudou minha vida, uma sementinha que plantei e fico muito feliz que ela continue crescendo ao longo dos anos”, completa. 

Quem também acompanha o projeto desde o começo somos nós da revista. A diretora de conteúdo, Mariana Proença, destaca a importância de fazer parte: “A ideia tem tudo a ver com o nosso propósito de levar conteúdo e informação a mais pessoas, e assim ajudamos na formação dos jovens, para que eles tenham uma profissão. Eles se dedicam ao curso e com certeza vão levar essa missão do café especial e a profissão barista a outros lugares, aumentando o consumo no Brasil e no mundo. 

Letícia Pereira dos Reis, uma das alunas da turma de 2018 – Foto: Julia Rodrigues

O conteúdo 

No curso, são três meses de formação e um mês de estágio supervisionado nas cafeterias parceiras. Assim, na primeira etapa do processo, os alunos têm aulas diárias, de segunda a sexta, com duração de 3 horas, e pode haver aulas extras aos sábados. Na segunda etapa, os alunos passam por um estágio supervisionado nas cafeterias parceiras cuja duração varia entre 40 horas e 160 horas. Em 2018 o projeto entrou em uma nova jornada, com a participação de jovens refugiados. 

O projeto conta com a seguinte grade de estudos: 

  • Terra: pesquisa e apresentação da produção, dos métodos de processamento e do beneficiamento do café 
  • Essenciais: café +  torra +  água +  leite
  • Prático: métodos de extração (preparos) | espresso e coados 
  • Criativo: criação de bebidas de café e inovação
  • Ética e comportamento: ambiente de trabalho e gerenciamento de conflitos 
  • Serviço: atendimento, cardápios, vigilância sanitária
  • Lógico: business de cafeteria e gerenciamento de negócio
  • Mecânico: propriedades mecânicas de uma máquina de espresso e moinhos

Quem fez parte 

Paulo Gabriel, aquele de quem Diego falou com orgulho no começo do texto, participou da primeira turma e logo foi trabalhar na Octavio Café, cafeteria tradicional de São Paulo. Hoje ele é um dos coordenadores do projeto, já formou quatro turmas, é mestre de torra no Sofá Café, ajuda na seleção dos cafés e  no treinamento da equipe, além de ser um dos sócios da Catarina Coffee and Love. 

Paulo Gabriel fez parte da primeira turma e hoje é um dos coordenadores do projeto – Foto: Julia Rodrigues

No projeto Paulo conta que aprendeu tudo sobre o café, do grão à xícara, e ainda business de cafeteria e boas práticas de manipulação dos alimentos. “Além do conteúdo, o que sinto é a questão afetiva, de poder conversar, tirar dúvidas. A maior lição que o Fazedores me deixou é que existem, sim, pessoas boas, e que, se a gente se abrir para elas, conseguiremos melhorar nossa vida em vários aspectos. Quem está no projeto quer ajudar.”  

Paulo conta que, assim que terminou o curso, era uma correria para conciliar os estudos com o trabalho: “Acredito que no começo sempre temos dificuldade com o que é novo. Aprender como é o trabalho na cafeteria, atender o público e pôr em prática tudo o que aprendi foi desafiador. Acredito que qualquer empecilho é uma motivação para seguir em frente e não se abater.” 

Paulo afirma que o café foi e é um agente transformador de vidas, como transformou a sua, um produto tão delicado e complexo, mas com tanta força! “É claro que é meu ganha-pão, mas foi com o café que encontrei a minha profissão. Ele me motiva a melhorar e aprimorar meus conhecimentos a cada dia.” 

Em tempos tão difíceis, ações como essa inspiram a seguir em frente e trazem a certeza de que ajudar e se importar com o próximo é sempre a melhor opção! O site fazedoresdecafe.org traz mais histórias e formas de ajudar o projeto! 

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2020 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Natália Camoleze

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