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A arte d’OSGEMEOS

Do grafite nas ruas do bairro Cambuci, em São Paulo, às principais galerias do mundo, Gustavo e Otávio Pandolfo inspiram o público com seus traços, formas e cores

Da América do Sul à Europa, o traço característico dos grafiteiros Gustavo e Otávio Pandolfo – conhecidos como OSGEMEOS – já foi impresso em muros e galerias de diversas partes do mundo. A trajetória da dupla, contudo, começou a se desenhar no pacato bairro Cambuci, na zona central da cidade de São Paulo, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

“A gente teve essa infância de ficar muito na rua e ser criativo. Nossos pais não tinham dinheiro para comprar brinquedos, então a gente improvisava na maneira de brincar”, conta Gustavo. As crianças eram tutoradas pelo irmão dez anos mais velho, Arnaldo, a quem definem como uma espécie de “professor Pardal”, personagem de Walt Disney conhecido por suas invenções. Engenheiro, Arnaldo trabalha com a dupla nos dias de hoje, assim como a irmã, Adriana.

“O Arnaldo tinha esse hábito de desconstruir e reconstruir as coisas, inventar objetos novos. Tudo virava brinquedo”, relata. Mas a diversão mesmo, é claro, ficava por conta dos desenhos. “Não precisava de brinquedo. Se estivéssemos desenhando, estava tudo ótimo”, enfatiza Otávio. “Quando ganhávamos um estojo de canetinhas, então, era uma maravilha”, relembra.

O prazer de trabalhar em conjunto também data dessa época. Segundo OSGEMEOS, já na infância eles dividiam o mesmo papel. “Acho que a gente trabalha junto até mesmo antes de nascer. É uma coisa espiritual nossa. Uma maneira que encontramos de conversar”, reflete Gustavo.

Universo hip-hop

O Cambuci vivia um momento de efervescência na década de 1980, entre manifestações da cultura hip-hop, com DJs, B-boys, MCs e grafiteiros. Foi nesse ambiente culturalmente fértil que OSGEMEOS conheceram o grafite.

“No bairro havia uma das primeiras turmas de break de São Paulo, chamada Fantastic Break. Demos sorte de crescer vendo-os dançar na porta de casa. Nós nos encantamos com aquela cultura e descobrimos que o grafite fazia parte daquele universo. Como já desenhávamos, foi natural viver isso e foi nesse momento que entendemos que era possível desenhar e pintar o que a gente gostava usando uma lata de spray”, relata Gustavo.

Em 1983, quando OSGEMEOS tinham 9 anos, seus pais descobriram um curso de artes gratuito oferecido pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. Entre escultura, performance e pintura, os meninos viram que a arte com spray, presente nas ruas do seu bairro, também era ensinada no ambiente da galeria. “Quando a gente viu isso, associou diretamente com os meninos do bairro. ‘Caramba, o que eles estavam usando para pintar nas ruas tem aqui na Pinacoteca’”, relembra Gustavo.

Para eles, o grafite foi uma ferramenta para ajudar a entender a cidade em que moravam. “A gente aprendeu a conhecer São Paulo pintando e descobrindo a rua, entendendo e burlando o sistema. Era uma forma de usar a cidade, e não deixar a cidade usar a gente”, diz Otávio.

“Tinha essa coisa de ir para debaixo de uma ponte, criar um desenho com as pessoas que moravam ali, colaborando com as crianças e criando uma janela para todos. O grafite é um universo único, que ninguém fala como, onde e por que fazer”, reflete Otávio. “É uma manifestação artística diferente do muralismo, por exemplo. É outra história”, completa.

Pulsão criativa

Diz a lenda que o nome artístico OSGEMEOS surgiu por acaso; ele foi dado pelos rappers Thaíde e Dj Hum. Quando os dois lançaram o álbum Pergunte a Quem Conhece (1989), queriam agradecer aos irmãos, mas não lembravam o nome deles. Assim, puseram “os gêmeos” na lista de agradecimentos do encarte.

A transição de grafiteiros de rua para artistas de renome no cenário internacional foi, segundo eles, lenta. “Acho que o reconhecimento mais importante é quando o pai, ou um irmão seu olha um desenho e diz que está incrível. Ou mesmo pessoas que não conhecem e chegam para agradecer por um trabalho feito na rua”, declara Otávio.

Um dos pontos altos ocorreu em 22 de maio de 2008, quando, ao lado de outros grafiteiros, eles executaram a pintura da fachada da Tate Modern, de Londres, para a exposição Street Art. “Receber elogio e reconhecimento é importante porque fortifica. Assim como a crítica”, avalia Otávio. “Às vezes alguém diz que algo que você desenhou é incrível. Você tem que entender que o elogio é porque aquilo agradou, mas que não se pode ficar estagnado, nós temos que continuar. Fazer arte é um processo”, diz Gustavo.

Para chegarem ao traço tão característico da dupla, OSGEMEOS passaram por um processo de pesquisa de anos. “Estudamos a letra, os personagens, como desenvolver um estilo original”, revela Gustavo. O processo criativo, aliás, não para. “Acontece 24 horas por dia. Estamos sempre pensando em novas ideias, em novos desenhos e projetos”, entrega. “Ainda hoje a gente está sempre modificando, inovando, buscando novos caminhos para o trabalho.”

Força da expressão

Depois de quatro anos sem expor em São Paulo, OSGEMEOS voltaram em grande estilo com uma exposição no mês de março na Pinacoteca – o mesmo lugar onde iniciaram seus estudos, quando crianças. A mostra conta com itens de memória dos dois, peças inéditas e outras que só foram expostas em circuito internacional. Apesar de adiada por conta da pandemia de Covid-19, a Pinacoteca então divulgou que, com todos os protocolos de segurança e uso obrigatório de máscara, a exposição OSGEMEOS: Segredos ficará disponível para visitação até 9 de agosto de 2021.

“Mergulhamos em nossos arquivos que estavam fechados havia muito tempo. Achamos que a seleção dos desenhos seria fácil, mas foi difícil. Há desenhos que nossa mãe guardou de quando éramos crianças, há um diário de pinturas, itens que estavam danificados por conta da umidade e precisaram ser restaurados, entre outros”, relata Otávio sobre a exposição.

Para eles, fazer uma exposição é um desafio dentro da cultura do grafite. “Porque a rua já está construída, está lá, você só vai e interage. Quando você encontra uma sala em branco num espaço de exposição, precisa construir esse universo do zero”, analisa.

Nas suas andanças pelas ruas do mundo, OSGEMEOS garantem que nunca deixam de se maravilhar e de se inspirar com os diferentes tipos de pessoas que encontram. “Nós nos identificamos com músicos, artistas e qualquer tipo de pessoa que tenha uma missão aqui na terra. Não precisa ser alguém famoso, pode ser um palhaço ou um morador de rua que está pintando uma parede com um tijolo. A gente acredita nessa energia de se expressar”, finaliza Gustavo.

TEXTO Leonardo Valle • FOTO Marcus Steinmeyer

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