Mercado

A arte de pensar fora da caixinha

Como um conceito de marca consolidado, combinado com um design de embalagens bem aplicado, pode conquistar consumidores e impactar positivamente nos negócios

“A embalagem é um meio e não um fim”. A afirmação, extraída do livro Design de Embalagens, de Fabio Mestriner, resume a função do design de um pacote no contato da marca de um produto com o consumidor. Embalagens não servem apenas para transporte, mas também para contar a história de seu conteúdo, transmitir os valores de uma marca e, assim, capturar a atenção de quem compra. No caso dos cafés, os diversos pacotinhos encontrados hoje em dia nas prateleiras das cafeterias e nas gôndolas dos supermercados são um bom exemplo de como este mercado evoluiu.

Em pouco mais de uma década, saímos de desenhos de xícaras com grãos espalhados ao seu redor para embalagens singulares, que exploram jogos de cores, ilustrações criativas, além de tamanhos e formatos fora do padrão. Pensar “fora da caixinha” tornou-se um exercício de descoberta da infinidade de caminhos que uma marca pode percorrer para mostrar sua identidade e cativar o consumidor.

Tudo começa pela estratégia de ação de uma marca. “Ter estratégia é o ponto de partida, o norte durante o processo e na hora de decidir caminhos”, afirma Pedro Cappeletti, publicitário e fundador do estúdio Pedro e o Lobo, em São Paulo, referindo-se ao conhecimento do universo da marca, de seu posicionamento, seu propósito e público-alvo.

Pedro Cappeletti, designer responsável pelas embalagens da Orfeu Cafés Especiais, e a garrafa da edição Arara

Desde 2015, Cappeletti cuida da criação das embalagens da Orfeu Cafés Especiais, uma das principais marcas brasileiras de cafés de qualidade do país. De lá para cá, a parceria já rendeu pacotes pardos de pegada rústica, caixinhas com ilustrações coloridas, garrafas de vidro com rótulos elegantes e embalagens inspiradas nas curvas da arquitetura de Oscar Niemeyer – estas últimas, lançadas em abril. Cappeletti pensa nas embalagens como uma mídia, em que o importante é entender a que ponto da estratégia elas correspondem. “Assim, entendemos a quem elas se dirigem”, explica ele. No caso da Orfeu, que tem várias linhas de café, cada uma atende a partes da estratégia. “Somadas, elas perfazem os objetivos estratégicos da marca”, conclui.

Foi rascunhando sua estratégia que Vinícius Lima, head da marca baiana Colheita das Alegrias, conseguiu explorar os elementos desejados em seus pacotes de café. “Queríamos uma identidade visual vibrante, que transpirasse alegria e tivesse uma profunda conexão com nossa baianidade”, descreve. A equação, que também deveria despertar emoção e desejo “ao primeiro olhar na gôndola”, resultou na combinação de elementos gráficos característicos do café, como flores e grãos, a cores alegres que remetem ao estado. “O grande desafio é chegar a um equilíbrio entre comunicação e design”, acredita Lima. “Uma embalagem superconceitual pode ser interessante, mas pode falhar em comunicar assertivamente o produto”, alerta.

Latinha da empresa baiana Colheita das Alegrias

Ousadia com conceito

Assim como Cappeletti, Diego Ferreira, fundador do Madura Coffee, do Rio de Janeiro, considera que definir o público-alvo é um elemento fundamental na criação do conceito de uma marca e na elaboração de seus produtos. Assim como a Colheita das Alegrias explora elementos baianos, o Madura Coffee busca inspiração na cultura carioca. “Um de nossos rótulos faz referência à bala tamarindo, muito famosa em terras cariocas”, conta Ferreira, referindo-se à embalagem de um de seus cafés carros-chefes.

Além do Tamarindo, o Cura Ressaca, seu drip coffee, venceu ano passado a 5ª edição da Espresso Design, exposição que acontece na Semana Internacional do Café (SIC) e que premia criatividade, originalidade e eficácia das embalagens de cafés. “A cura não é só etílica, mas refere-se também ao cansaço do dia a dia”, explica o fundador do Madura Coffee sobre a escolha criativa do nome do café. Mas ele também dá uma dica: “Não force a barra se uma ideia nova não te representa e não representa a marca.”

Embalagens da carioca Madura Coffee. O drip coffee (à esquerda) foi o vencedor do concurso Espresso Design 2023

Ser ousado sem se distanciar do conceito é o que Juliane Maciel, diretora de negócios da Oitenta Café, destaca como importante na criação de um projeto. “Uma provocação para quem planeja construir uma marca é sempre pensar no consumidor e encontrar gaps no mercado”, ensina. A marca brasiliense apresenta seus cafés em latinhas com diferentes estampas que, de alguma forma, buscam conversar com as notas sensoriais dos lotes.

Para Juliane, o tipo de embalagem escolhida para a marca já chama a atenção dos consumidores, mas seu layout só será relevante se a qualidade dela for boa. “A embalagem sempre deve representar o produto que carrega, as verdades por trás dele”, acredita ela. Isso porque o design de uma embalagem também leva em conta, além da comunicação com o consumidor, outros critérios importantes, como o de acomodar, proteger, preservar e facilitar o transporte dos grãos.

Embalagens da marca Oitenta Café, de Brasília (DF)

A construção de uma marca

Uma marca deve ser a expressão do motivo pelo qual um negócio existe e de como ele se conecta com o mercado consumidor. A frase, que ressoa como um dos principais mandamentos de um manual didático, é o princípio que rege as ações de Fábio Gianetti, diretor de marketing da Orfeu. “Uma marca é bem mais do que um conjunto de elementos visuais”, teoriza Gianetti.

A sequência da engenharia de uma marca parece trabalhosa: é preciso, em primeiro lugar, definir o propósito central da marca e seus valores fundamentais. Depois, estudar o mercado, seus concorrentes e público-alvo. Daí, então, define-se o posicionamento da marca na sua categoria. “Só assim você tem o conhecimento fundamental para escrever um conceito e desenvolver um briefing para a criação de sua marca”, instrui Gianetti, referindo-se ao nome, logotipo, tipo de embalagem, código de cores, entre outros elementos. Se bem feito, garante ele, esse passo a passo ajuda uma marca a diferenciar-se no mercado e estabelecer uma conexão real com os consumidores.

“A construção de uma marca autêntica, sólida e reconhecível perpassa pela visão de valor dos clientes em relação ao seu produto ou serviço”, acrescenta Lima. Com o briefing pronto em mãos, o passo seguinte é buscar referências criativas, tanto no mercado de café como fora dele. “Geralmente, outros mercados trazem insights inspiradores e disruptivos para o setor de cafés”, ensina Cappeletti.

Foi nas décadas de 1980 e 1990 que Guilherme Dossin, sócio e responsável pelo branding e pelas ilustrações da Dude Coffee Company, do Rio Grande do Sul, inspirou-se para construir o DNA da marca. “Meu objetivo era criar uma experiência leve e descontraída de consumo”, define. Os pacotes da marca gaúcha carregam, por exemplo, ilustrações que lembram filmes e personagens da época. “É preciso ter uma proposta de valor clara, ser autêntico e verdadeiro e, por isso, não importa se o conceito é supersimples ou elaborado”, acredita Dossin. Para ele, o importante é ser genuíno, para ter consistência e para que o público assimile a proposta da marca. Ele também reforça a importância de uma equipe alinhada à proposta, tanto em termos estéticos quanto nas mensagens e no tom de voz definidos para a marca.

Embalagens da marca gaúcha Dude Coffee Company

Só beleza não se sustenta

Dois aspectos são essenciais para a percepção da qualidade do café: o visual da embalagem e a sua funcionalidade. “Se o visual for adequado ao posicionamento da marca, ele ajudará a transmitir o padrão de qualidade e o posicionamento do produto pelo tipo e material de embalagem e pela estética do layout, como cores, distribuição de informações, qualidade de impressão e linguagem utilizada”, detalha Gianetti.

A experiência deve permanecer, é claro, durante o consumo do produto. “Não há beleza que sustente uma embalagem que não funciona bem”, garante Gianetti, ao se referir especificamente a detalhes, como a abrir ou fechar a embalagem, e problemas, como vazamentos, má conservação do café e fragilidade do material escolhido, que contribuem para uma percepção negativa.

Coleção da Orfeu Cafés Especiais em homenagem aos 100 anos da Semana de Arte Moderna

Afinal, um produto cuidadosamente selecionado como um café especial precisa de uma embalagem à altura. É por isso que Juliane também não abre mão de detalhes que fazem toda a diferença, como a válvula, que permite a saída dos gases do café recém-torrado mas evita a entrada do oxigênio, que provoca sua oxidação. Ela ainda reforça a importância de incluir informações relevantes e detalhadas do grão, como os selos de qualidade que ele conquistou e detalhes sobre sua origem, que podem ser acessadas em seus pacotes por QR Code. “Isso facilita ao consumidor interpretar nosso produto já na gôndola”, explica ela.

Nos pacotes da Colheita das Alegrias, Lima ainda busca informar o nível de torra, a moagem e as notas sensoriais do café, para antecipar ao cliente o que esperar da bebida, acrescentando, ainda, instruções de preparo. Uma tarefa desafiadora já que, como ele mesmo ressalta, prateleiras de um supermercado exigem da embalagem uma comunicação explícita, simples e objetiva com o consumidor. “Nesse contexto, o ponto de contato com o comprador é rápido e limitado”, lembra ele, comparando-o a uma roupa: “É o primeiro ponto de contato com o produto”.

Outro ponto relevante é a sustentabilidade. Materiais recicláveis, biodegradáveis, compostáveis ou de composição mista minimizam a geração de resíduos e, atualmente, são questões quase obrigatórias.

A evolução do design das embalagens

A evolução do design dos pacotes de café está atrelada a alguns fatores. O primeiro deles, segundo
Cappeletti, é a qualificação do consumo. “Com a ampliação do aumento do poder aquisitivo, não é só a
possibilidade de poder comprar um produto mais caro que importa. É preciso saber qual deles comprar, para quê e quando”, ensina o publicitário.

O modo de consumo, por sua vez, é um reflexo das questões de diferenciação pessoal ou social. Apesar de relativamente recente para os mercados de massa, o fenômeno é inerente ao mercado de luxo. “Isso viabilizou, por exemplo, a supersegmentação de um setor”, explica. E, consequentemente, a diversificação de opções de design para encantar uma gama bem mais ampla do que ele chama de “faixas de atitudes de consumo”.

Outro fenômeno importante é que muitas marcas de café e fazendas produtoras foram assumidas pelas novas gerações, que trabalham para melhorar qualidade, agregar valor a um produto historicamente encarado como commodity e que trazem uma visão mais atual de mercado, consumo e, consequentemente, de diretrizes estéticas para suas embalagens. Cappeletti ressalta, ainda, a qualificação dos departamentos de marketing dedicados ao setor cafeeiro. “Isso é decisivo para a qualidade do design, desde seu briefing até sua aprovação”, conta.

Texto originalmente publicado na edição #84 (junho, julho e agosto de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Divulgação

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