Cafezal

“Café é detalhe”

Há quase quarenta anos, Paulinho, como é conhecido o produtor Paulo Sergio de Almeida, produz café na tranquila cidade de Paraisópolis, na Mantiqueira de Minas. A centenária fazenda Santa Terezinha, fundada em 1915, era de produção tradicional de café. Por volta de 1995, o cafeicultor enfrentou um grande desafio: descobriu um sério problema nos rins. Foi obrigado a partir para o transplante, o que o levou a mudanças radicais de hábitos. De forma autodidata, enveredou pelos caminhos do cultivo orgânico, por acreditar que seu problema havia sido por intoxicação pelo uso de adubos químicos e hoje é referência em produção de cafés especiais.

A paixão pelo orgânico – sem o uso de substâncias que não sejam naturais e produzidas pela fazenda – ficou ainda maior. Desse grande passo, Paulinho modificou a forma de pensar o café. Foram anos de adaptação para desenvolver soluções empíricas, que depois passaram a fazer parte das palestras que ele mesmo passou a ministrar. Um conhecimento adquirido na prática, que lhe rendeu, em 2001, o maior prêmio da cafeicultura brasileira: o primeiro lugar no Cup of Excellence, que pontua os melhores cafés da safra em um ranking exigente de provadores.

No primeiro ano em que participou, Paulinho já levava o maior prêmio, que, segundo ele, “mudou muito e valorizou o produto da fazenda”. Naquele ano, sem muitas pretensões, ele inscreveu o café no concurso. Pediu a ajuda de um amigo para o beneficiamento do produto. Uma verdadeira saga. Já em São Paulo, aproveitando a ida a um médico, foi assistir ao resultado. Esperava apenas receber um agradecimento pela participação. Qual não foi sua surpresa quando a qualidade do produto o levou ao primeiro lugar.

Paulinho passou a conhecer o potencial do seu café. Todos queriam saber quem era aquele produtor, dono do primeiro café mais pontuado do País, à época com 97,53 pontos. “Café é detalhe”, ensina ele.

Ele conversou conosco em 2011 e, recentemente, concedeu-nos nova entrevista, no momento em que seu filho, André Almeida, está participando ainda mais ativamente do dia a dia da fazenda, assim como Fabrício e Júnia, filho e nora, que inauguraram a Zalaz, cervejaria com diversos rótulos, dentro da própria fazenda.

Quando falamos em sucessão familiar como importante passo para a continuidade dos bons projetos, retomar a conversa com Paulinho nos faz perceber que é possível avistar ao longe, em meio às árvores frondosas, os novos caminhos dos cafezais.

Como começou sua história no café?
Eu me formei em 1975 e em 1976 assumi a fazenda do meu pai, um ano antes de ele falecer. Entre 1977 e 1980, comecei a construir as coisas na fazenda e a plantar café. Com um ano e meio de trabalho, perdi toda a minha lavoura por causa de uma geada. O lugar não é baixo, mas perdi 20 mil pés. Não desisti. Fui plantar café no alto do morro e comecei a dividir a plantação em talhões. O primeiro talhão que plantei foi o Guatambu, que fica entre 1.000 e 1.200 metros, em 1982, sem veneno; a terra era boa, um dos fatores pra ter essa qualidade.

Como foi seu aprendizado com orgânicos?
Eu fui a um encontro, em 2000, de cafés orgânicos, em Machado, onde estava um antigo amigo de trabalho que era supervisor de adubo, o Alex. Conversando sobre o meu certificado, ele me falou de um treinamento que haveria e combinamos de ir. Fui à casa do Alex e no chão da casa dele tinha umas amostras de café para um concurso. Perguntei o que era e ele me incentivou, e mandei uma amostra do meu café faltando dois dias para se encerrarem as inscrições na BSCA. Uns quinze dias depois, recebi um telegrama que dizia que eu tinha sido aprovado na primeira fase do concurso e que precisava mandar 3 kg do café para a segunda fase. Liguei para o Alex para contar a novidade e eu o ouvia pulando do outro lado do telefone. Mandei as amostras. Descobri um lugar em Varginha para beneficiar. Na época eu já fazia terreiro suspenso e cereja descascado. Uns dias depois fui convidado a participar do encerramento do concurso. Classificaram dezoito cafés e eu fiquei com o primeiro lugar. Nunca imaginaria isso na minha vida. E eu de ônibus e não conseguia avisar minha família. Daí começou essa história maluca e minha vida mudou por completo. Em 2002 saiu meu Certificado Orgânico e comecei a dar muitas palestras e a passar o conhecimento pra frente.

Como estão os negócios agora?
O André, meu filho, formou-se em Engenharia Agronômica assim como eu, na mesma instituição, a Ufla. Trocamos muitas informações e conversamos bastante. Ele já faz parte da história porque eu estou deixando essa parte do café na mão dele. Há uns três anos estamos produzindo cafés fermentados, viajamos muito e nos aprimoramos também porque, do mesmo jeito que você ensina, você aprende. A fazenda tem cinco tipos de café hoje em dia; destes, 90% da safra de 2016 foi de cafés fermentados e o resto, natural. Para 2017 ainda vai ser definido o que faremos.

Como você faz café fermentado na seca vulcânica?
No preparo do café, eu coloco fermento nos tambores, controlando o pH. Quando chega ao pH desejado, acrescento os cafés cereja e coloco todos na estufa. Se a estufa apertar, já abro o terreiro e espero chegar ao ponto de vulcão. (O vulcão é um tipo de seca feita no terreiro. Ele ‘amontoa’ o café em formato vulcânico). Faço o processo de vulcão com qualquer tipo de café, mas nem sempre eu utilizo esse método. A grande vantagem do vulcão é aumentar o espaço de terreiro e diminuir o serviço, melhorando o aspecto do café. É um processo que eu acho muito legal e muito simples.

Qual a sua previsão para daqui a alguns anos?
Com o André me ajudando, minha previsão é colher umas 800 sacas daqui a uns três anos. Na safra atual colhi 200 sacas. Hoje, tenho dois clientes no Japão, um nos Estados Unidos e as cafeterias nacionais, às quais vendo microlotes, como Silvia Magalhães, Rause Café, Hoss Cafeteria, Aha! Cafés, 4 Beans, IL Barista, entre outros.

Você acha que esse mercado interno mudou?
Mudou muito. Em 2016 a procura por café especial foi muito grande. E, principalmente, pelo orgânico, que não tem muito.

É muito difícil manter o orgânico no Brasil?
Isso daí é princípio, é filosofia. É difícil porque as pessoas não embarcam nessa ideia de preservar a natureza. A pessoa que quer produtividade altíssima não vai entrar no orgânico porque, querendo ou não, a produtividade cai, mas também, hoje em dia, há muita tecnologia pra esse meio. Hoje existem muitos produtos que podem ser trabalhados no uso do orgânico. Falta o pessoal ter consciência e não pensar apenas em dinheiro. O pessoal acha que é muito difícil trabalhar sem usar venenos, mas não é; só é necessário se adaptar e mudar os hábitos. É preciso quebrar paradigmas e conceitos.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • FOTO Marcelo Furquim

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