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Do rock e da comida de rua
As diversas tatuagens nos braços e as roupas modernas levam a desconfiar: Checho Gonzales tem layout de jovem chef. Mas o cozinheiro, nascido na Bolívia e criado no Brasil, cultua seu visual há mais de duas décadas, quando as tatuagens consagravam DJs e roqueiros, não profissionais das panelas. “Sempre fui do rock, nunca do samba”, brinca ele.
Se ao rock ele continua fiel, o mesmo não acontece com a cozinha. “Passei anos da minha vida tentando fazer cozinha de vanguarda”, diz Checho, que não cursou faculdade de Gastronomia (mesmo porque elas nem existiam), mas participou da equipe que inaugurou o D.O.M., de Alex Atala, e do grupo do finado Namesa, que também pertenceu ao chef-celebridade. “Quando comecei, ainda jovem, quis inventar na cozinha – era uma necessidade, para alimentar o ego”, diz o boliviano, que, em 2001, conheceu a fama ao ser eleito chef-revelação durante o comando do contemporâneo Zazá Bistrô, no Rio.
Para Checho, sua busca por um lugar de destaque na estreita calçada da gastronomia de vanguarda não rendeu bons frutos. “Na expectativa de um futuro promissor, acabei esquecido, entrei em decadência e fali restaurantes”, confessa, sem rodeios. O último foi o paulistano Ají, onde se tornou chef e sócio ao voltar do Rio. A casa, aberta em 2009, fechou meses depois.
Mas foi no Ají que Checho Gonzales chamou a atenção dos paulistanos – ao menos de jornalistas, como o crítico gastronômico Josimar Melo, da Folha de S.Paulo –para os primeiros resultados de uma busca que começou com seu encontro com Atala: a de sua identidade culinária.
“O Alex foi o cara que deu meu norte”, explica. “Ele me disse: ‘Checho, você é boliviano. Você já tem o domínio das técnicas clássicas de cozinha. Já tem sua base, que é a cozinha tradicional da sua terra. Por que você não persegue essa identidade?’.”
Quinze anos se passaram, e essa busca, que é um processo, não terminou. Nesse meio-tempo, Checho diz que foi rotulado de tudo. Agora, porém, merece o melhor dos apostos: entusiasta da comida de rua. “Como todo latino-americano, estou formando minha identidade”, considera. E a gastronomia latino-americana está na moda – vide a primeira edição, em setembro último, da aclamada lista da revista inglesa Restaurant, que elege os melhores restaurantes do mundo, dedicada exclusivamente às Américas.
A reinterpretação de cozinhas tradicionais latinas, que Checho apontou no Ají, é a linha de trabalho perseguida por nove entre dez cozinheiros desses arredores há alguns anos – seja por acreditarem que a afirmação ou a (re)apropriação de uma identidade cultural é realmente fundamental, seja por encontrarem nelas um caminho fácil para o sucesso de seu negócio. O que importa é que nesse processo o boliviano descobriu a comida de rua, e essa descoberta, que redirecionou sua vida profissional, impulsionou discussões importantes sobre comida em São Paulo.
Das festas para as quais passou a fornecer comida – a bordo de um triciclo customizado, abandonado por um amigo na sala de sua casa –, Checho saltou para a iniciativa que inaugurou a movimentação em torno da comida de rua. O Mercado Feira Gastronômica estreou com barracas de dez chefs numa noite de 2012, no espaço onde funciona o restaurante Sal, do cozinheiro e parceiro na empreitada Henrique Fogaça. Eram aguardadas 500 pessoas. Apareceram 1.200. “Algumas centenas ficaram do lado de fora. Paramos a cidade”, comemora.
Pois alimentação, lembra Checho, é uma questão social. Na esteira do Mercado, surgiram outras ações – como a de Chefs na Rua, na Virada Cultural, semanas depois. “Nos preocupamos muito com a qualidade da comida de alto nível e nos esquecemos das bases, que formam a pirâmide”, considera. “A comida de rua é uma grande chance de retomar essas bases”. Tão jovem e também tão experiente quanto o famoso amigo Atala, Checho também não tem papas na língua, nem venda nos olhos. Sabe que a comida de rua (assim como a identidade culinária) é um tema que pode encerrar-se numa “cultura elitista”. “Todo mundo agora fala de food truck. Que se dane a food truck, ela não é nossa”, escancara. “É preciso ficar claro que as pessoas que trabalham com comida na rua podem ter nesse movimento uma chance de melhorar de vida”, explica. Contabiliza-se que 5.000 famílias vendam comida de rua de maneira irregular em São Paulo. “Legalizar a comida de rua é ajudar essas pessoas, que pagam com esse trabalho, muitas vezes, a faculdade de seus filhos.”
*Cristiana Couto é jornalista especializada em gastronomia e autora de Arte de Cozinha – Alimentação e Dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVI-XIX), Senac São Paulo, 2007. (sejabemvinho.blogspot.com.br). Fale com a colunista pelo e-mail nacozinha@revistaespresso.com.br
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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