•
O fracasso da onipotência
Por Celso Vegro
O pensamento verdadeiramente liberal não pode ceder às tentações populistas que, por arbítrio, instauram desgoverno e instabilizam os mercados. Eis o posicionamento de Ronald Reagan, um liberal histórico, em discurso proferido em 1987:
“Quando alguém diz ‘vamos impor tarifas sobre importações estrangeiras’, parece que está fazendo algo patriótico, protegendo os produtos e os empregos americanos. E, às vezes, por um curto período, isso funciona — mas apenas por um tempo. O que eventualmente acontece é que as indústrias nacionais começam a depender da proteção do governo na forma de tarifas altas. Elas param de competir e deixam de fazer as mudanças inovadoras na gestão e na tecnologia de que precisam para ter sucesso nos mercados globais. Enquanto tudo isso está acontecendo, algo ainda pior ocorre: tarifas altas inevitavelmente levam à retaliação por parte de países estrangeiros e ao desencadeamento de intensas guerras comerciais. O resultado são mais e mais tarifas, barreiras comerciais cada vez mais altas e menos concorrência. Então, em pouco tempo, devido aos preços artificialmente elevados pelas tarifas — que subsidiam a ineficiência e a má gestão —, as pessoas param de comprar. E então acontece o pior: os mercados encolhem e colapsam, empresas e indústrias fecham e milhões de pessoas perdem seus empregos. A memória de tudo isso, nos anos 30, me fez determinado, quando cheguei a Washington, a poupar o povo americano da legislação protecionista que destrói a prosperidade. Agora, nem sempre tem sido fácil. Há aqueles no Congresso, assim como havia nos anos 1930, que querem buscar a vantagem política rápida, arriscando a prosperidade da América em prol de um apelo de curto prazo a algum grupo de interesse especial.”
Essa longa digressão corrobora toda a teoria econômica construída em torno do uso de tarifas para proteger a produção interna. O Brasil, no século passado, foi exímio praticante desse tipo de política, por meio do esforço de industrialização baseado na substituição de importações. Essa estratégia desenvolvimentista provocou a chamada década perdida (anos 1980 sem crescimento do PIB) e os conhecidos voos de galinha (anos 1990 e parte dos anos 2010). Ademais, tornou o país um dos mais fechados ao comércio internacional entre as nações de maior corrente de comércio.
Deve-se enaltecer a postura firme do governo brasileiro, que em nenhum momento ameaçou retaliar a escalada tarifária imposta contra o país. Nesse ponto, o mandatário brasileiro cumpriu exatamente o que Nietzsche profetizou: “O que luta com monstros deve ter cuidado para não se tornar um monstro.”
A parcimônia diplomática e o passar do tempo foram decisivos para a revogação das tarifas, parte importante da pauta exportadora brasileira aos EUA. As duas conversas entre os mandatários, seguidas pelos encontros do vice-presidente e do chanceler brasileiro com seus congêneres americanos, representam momentos cruciais na reversão do tarifaço.
Sem dúvida, o mandatário estadunidense compreendeu que comprou uma briga perdida. A pressão inflacionária no mercado doméstico corroeu sua popularidade e colocou em risco a dominância republicana sobre a política interna.
Enquanto Marco Rubio subsidiou decisões equivocadas para Trump, Richard Grenell (enviado especial do Trump) trouxe outra análise dos fatos do Brasil para seu presidente. O comunicado oficial menciona explicitamente que a reversão do tarifaço constitui um “puxão de orelhas” do mandatário estadunidense sobre sua diplomacia (Rubio), mencionando explicitamente que a retirada do tarifaço foi conquistada pelo excelente diálogo entre as autoridades de ambos os países.
Tudo que os EUA não compraram do Brasil, outros mercados passaram a comprar – uma dança das cadeiras. Ser taxado pelos EUA permitiu ao Brasil diversificar ainda mais seus clientes internacionais e incrementar a presença brasileira no rol das nações cruciais para a estabilidade e paz mundial, algo cada vez mais decisivo na produção maior e mais sustentável de riqueza para a população.
A revogação do tarifaço para 120 itens agrega US$ 5 bilhões às exportações brasileiras. Porém, as negociações ainda durarão ao menos 90 dias para que toda a pauta comercial seja desbloqueada, e dependerá da desoneração de produtos americanos atualmente aqui taxados.
Há uma expressão latina que diz muito sobre a forma do presidente americano governar: Ad nutum, ou seja, governar segundo a vontade, pelo arbítrio. Estado não é empresa, e a lógica da conciliação por meio da política bem praticada é o caminho para o avanço civilizatório.





Deixe seu comentário