Café & Preparos

O café veste luxo: grifes apostam em cafeterias para atrair consumidores

Por Luciana Mastrorosa

O que marcas globais de luxo, como Tiffany & Co, Ralph Lauren e Dolce&Gabbana, têm em comum? Além da exclusividade e da aura de sofisticação, elas investem em algo que, à primeira vista, pode soar prosaico: o café. Servido em cafeterias e estabelecimentos gastronômicos que refletem o requinte dessas empresas, o produto surge como uma estratégia de fortalecimento de marca e uma tentativa de estabelecer conexões mais profundas com os consumidores, especialmente jovens adultos urbanos, ávidos por experiências singulares e, por que não, instagramáveis.

Esse movimento que une gigantes da alta costura e do fast fashion ao mundo do café vem crescendo. Começou há poucas décadas, em países particularmente ligados à moda. “França e EUA têm tradições consolidadas no consumo de luxo como estilo de vida: lá, frequentar um café sofisticado é quase um ritual social”, explica o especialista Galileu Nogueira, fundador da Galileo Branding.

A norte-americana Ralph Lauren é um exemplo: em 1999, abriu o The RL Restaurant e, em 2014,
apostou nas cafeterias, com a abertura da Ralph’s Coffee no segundo andar da loja Polo Flagship, em
Nova York. Hoje, a marca tem coffeeshops e grãos próprios em mais de 35 lugares, dos Emirados Árabes Unidos ao Japão.

Prédio da Ralph Lauren em Nova York

Pois, recentemente, a intersecção entre moda e café alcançou mais países da Ásia. Em 2024, a Dolce & Gabbana abriu seu primeiro DG Caffè em Xangai, e a Ralph Lauren, o seu, na Tailândia. Este ano, a americana Coach e a italiana Prada também inauguraram seus primeiros cafés asiáticos, em Singapura. “Na Ásia, especialmente China e Coreia do Sul, existe uma geração jovem consumindo luxo como autoexpressão e status cultural. É um público conectado, aspiracional e digitalizado, o que impulsiona fortemente as marcas a criarem experiências imersivas”, diz Nogueira.

Breakfast at Tiffany’s

A tendência, no entanto, ainda está decolando por aqui. Em 1997, a italiana Armani foi uma das primei-
ras a apostar nessa união, ao abrir o Empório Armani Caffè, nos Jardins, em São Paulo – o empreendimento fazia parte da primeira loja da marca na América Latina, mas fechou alguns anos mais tarde.

O exemplo mais recente foi a chegada do Blue Box Café, da luxuosa joalheria Tiffany & Co.. Em São
Paulo, a marca inaugurou uma loja pop-up em frente à sua nova flagship no Shopping Iguatemi, ícone do
mercado de luxo. De curta duração, entre março e abril, a iniciativa foi “pontual”, segundo a empresa, que não pretende abrir um espaço permanente dedicado ao café por aqui (ao menos por enquanto).

Café pop-up da Tiffany em São Paulo

Mesmo breve, a experiência refletiu todo o glamour da grife, mundialmente conhecida com o lançamento do clássico Bonequinha de Luxo, de 1961, que eternizou a atriz Audrey Hepburn no cinema. O título original do filme, Breakfast at Tiffany’s, nomeou o cardápio, que incluía itens como macarons, pavlovas, croissants, ovo poché e, até, caviar (este, alçando o preço da refeição a R$ 450 por pessoa). Mas a visita podia incluir apenas um espresso (R$ 18) e o desfrute da arquitetura efêmera, assinada pelo Estudio Campana.

Experiência de marca

Para Nogueira, a união de grandes grifes a cafeterias e restaurantes é uma estratégia para ampliar a experiência de marca. “Quando uma marca de luxo abre um café, ela está oferecendo pertencimento. É um jeito de democratizar o acesso simbólico ao seu universo: mesmo quem não pode comprar uma bolsa de R$ 30 mil, pode sentar-se ali e se sentir parte daquele mundo de sofisticação.” Um objetivo importante é conectar grifes a públicos novos. “Principalmente os jovens, que priorizam experiências e momentos compartilháveis nas redes”, acredita.

“Não existe luxo democrático ou acessível”, opina João Braga, professor de história da moda da Faap. “Ele é exclusivo, é raro, é quase que inatingível. No momento em que se torna acessível, deixa de ser luxo”, define. O que essas marcas oferecem são produtos e conceitos que ele chama de “premium” ou “classe A” – algo como um gerador de desejo pelo luxo propriamente dito. Braga também aponta que, com o aumento das falsificações desses produtos, como bolsas e calçados, o luxo passou a valorizar o que é único e intransferível: a experiência, capaz de criar vínculos com as marcas – e, quem sabe, conquistar um possível cliente no futuro. “A experiência não dá para ser falsificada”, reforça.

Alinhada a essa ideia, a Mixed, marca feminina brasileira focada em moda autoral e atemporal, fez uma parceria com a rede de cafeterias Café Zinn. Depois de visitar modelos de negócio no exterior, a sócia-fundadora da Café Zinn, Daniela Coelho, propôs a parceria à Mixed em 2023, época em que a marca de roupas reformulava sua comunicação.

Collab entre Mixed e Café Zinn

Recriando no café uma atmosfera que unisse as duas empresas – como a cor rosa aplicada à decoração, comum a ambas –, a collab durou três meses. “Meu público se interessa por moda. Ele não vem apenas tomar café conosco, vem também para ser visto”, explica Daniela. “Queríamos criar pertencimento. Nosso cliente pode não ter acesso ao casaco da Mixed, mas pode consumir um produto ligado à marca, como o café”, argumenta. Daniela pretende expandir a experiência para o universo wellness. Até o fechamento desta edição, a proprietária já programava, sem adiantar detalhes, parcerias com novas marcas.

Café, moda e bem-estar

Experiências que unem moda e gastronomia chegaram também ao universo fitness e de bem-estar. A New Balance, voltada à moda urbana, lançou em maio deste ano o Grey Café como parte da sua campanha global Grey Days. Os projetos não foram pensados como ativações pontuais, mas como desdobramentos estratégicos. A ativação especial aconteceu na Working Title, na capital paulista, em parceria com a Nude. Durante um fim de semana de maio, a loja recebeu o Grey Café, reunindo sabor, encontros e conversas. O público conheceu os lançamentos da New Balance e provou bebidas exclusivas desenvolvidas pela Nude, o grey latte e o grey iced latte, inspiradas no universo da campanha, com copos personalizados e ambientação temática.

Outra marca que aposta na ligação entre esporte e café é a japonesa Mizuno, que fez parceria com o Studios Coffee, de São Paulo, para oferecer drinques especiais, em edição limitada, que expressam o kissaten (loja de chá, em japonês), conceito que se estendeu aos cafés mais tradicionais do Japão. As bebidas disponíveis na loja inspiram-se na cidade-natal da marca, Osaka. O tiramissu latte, por exemplo, leva leite, creme de mascarpone com baunilha, cold brew e cacau polvilhado, enquanto o cold citrus mescla suco de laranja, cold brew e yuzu, finalizado com casca de laranja.

Mimos da Mizuno no Studios Coffee, em São Paulo

A Track&Field, conhecida pela linha esportiva de alto padrão, aposta desde 2021 no TFC Food & Market, aberto na primeira experience store da marca, no Shopping Iguatemi São Paulo. O porta-voz Fred Wagner, CEO da TFSports, cofundador e VP de novos negócios da Track&Field, explica que a experiência expandiu-se para 15 unidades em vários estados do país, tornando-se parte essencial do “ecossistema” da empresa. Uma dessas unidades, dedicada apenas ao café, fica no edifício da sede da marca, em São Paulo. “A Track&Field sempre foi pioneira em antecipar tendências. Hoje, esse movimento se reflete também na alimentação, no autocuidado e em todas as experiências que criamos. O TFC Food & Market nasceu dessa visão”, conta. A primeira collab da marca, em parceria com a influencer Gisela Saback, resultou no lançamento do pure green, suco verde que foi sucesso de vendas e deve permanecer no cardápio. “Estamos expandindo nossa atuação com influenciadores e prevemos lançar uma nova collab até o final do ano”, afirma Wagner.

Ao que tudo indica, a tendência de unir moda, café – e até, o mundo fitness – veio para ficar, especialmente no formato pop-up, ou seja, com data certa para acabar, o que abre espaço para a renovação de collabs e parcerias. “Testar o público é parte da estratégia”, acredita Nogueira, da Galileo Branding. “Mas o formato pop-up vai além disso. Ele é um mecanismo ágil para gerar desejo imediato, criar senso de urgência e viralizar. Em um mercado onde a atenção é escassa e a audiência é movida por experiências exclusivas e inéditas, o pop-up ativa o desejo de ‘preciso viver isso agora’”.

Texto originalmente publicado na edição #89 (setembro, outubro e novembro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Luciana Mastrorosa (colaborou Cristiana Couto e Letícia Souza) • FOTO Divulgação

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