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Aceita beber um café sem grãos?
Por Cristiana Couto
Com as mudanças climáticas prestes a transformar o mapa do cultivo de café, a demanda crescente pelos grãos nos países asiáticos e a instabilidade do mercado, alternativas ao café estão estimulando pesquisas no mundo e a emergência de startups.
Novas opções à bebida vêm ganhando espaço por meio da agricultura celular, uma tecnologia emergente que envolve o cultivo de células animais ou vegetais em laboratório para produzir alimentos e biomateriais sem a necessidade de criação ou cultivo tradicionais. A tecnologia é utilizada em várias outras áreas – farmacêutica e têxtil, por exemplo – e adota duas abordagens principais: a fermentação de precisão e o cultivo celular.
Empresas e cientistas que investem nestas inovações defendem que elas são uma alternativa sustentável à produção tradicional do grão, já que eliminam o uso extensivo de terra e reduzem a pegada de carbono associada ao seu plantio. Além disso, consideram, abordagens como estas permitem uma produção estável durante o ano, pois não depende de fatores climáticos.
Um bom exemplo da aplicação da agricultura celular são os cafés sem grãos lançados pela Atomo Coffee. A empresa usa a tecnologia de fermentação de precisão – em que açúcares extraídos de vegetais são fermentados com leveduras ou bactérias, resultando num produto que busca reproduzir o sabor do café – para transformar alimentos reaproveitados de fazendas e superalimentos e criar seu “beanless coffee”. São, ao todo, 28 compostos, como caroços de tâmaras, sementes de girassol e farinha de banana que, reunidos, prometem imitar o perfil sensorial da bebida.
Fundada em 2019 em Seattle (EUA), a startup lançou em 2021 um cold brew sem grãos e, dois anos depois, um espresso. Em 2024, inaugurou uma fábrica com capacidade para produzir até 90 milhões de xícaras por ano, segundo o site GeekWire, e iniciou uma parceria com a rede Bluestone Lane, que disponibiliza seu espresso para mais de cinquenta estabelecimentos nos EUA. No mesmo ano, a Atomo Coffee apareceu na lista America’s Top GreenTech Companies 2024 e expandiu seu comércio para o Japão. Em janeiro, entrou no Reino Unido.
As possibilidades de bebidas beanless (ou bean-free ou, ainda, cafés sintéticos) por esse método se expandem. Em 2024, depois de lançar pasta sem amendoim e chocolate sem cacau, a norteamericana Voyage Foods gastou US$ 52 milhões e colocou no mercado um café sem grãos feito de grão-de-bico torrado e cascas de arroz, contendo níveis de cafeína semelhantes aos de cafés convencionais.
Desde 2023, a Prefer, startup criada em Singapura, comercializa seu café sem grãos feito com pão amanhecido, polpa de soja e grãos de cevada reciclados. Em fevereiro de 2024, a Prefer anunciou a captação de US$ 2 milhões em financiamento para ampliar a produção e expandir sua presença no mercado asiático.
Já no cultivo celular, os cientistas utilizam células do café e aplicam técnicas avançadas para desenvolver aroma e sabor próximos ao grão convencional.
O processo começa com a extração dessas células – geralmente, das folhas. Estas são cultivadas em um biorreator, equipamento que simula as condições ideais para o crescimento da biomassa em meio líquido. À medida que elas se multiplicam, são filtradas, secas e moídas, transformando-se em um pó semelhante ao café moído. Para chegar ao perfil sensorial da bebida, aplicam-se técnicas como liofilização e torrefação, ajustando tempo e temperatura para desenvolver os aromas e sabores característicos do café.
Diferentemente dos substitutos da bebida, o café cultivado em células mantém a estrutura molecular dos grãos, ou seja, conserva compostos essenciais como cafeína e precursores de aroma. Apesar de ausentes no Brasil, pesquisas do gênero vêm sendo feitas em países como Finlândia e Suíça.
Se os cafés substitutos já alcançaram consumidores, o desafio é maior para os produtos oriundos do cultivo celular. No início da divulgação das pesquisas, há quatro anos, ele residia na calibragem da qualidade sensorial e do nível de cafeína. Outra barreira inicial, que ainda persiste, é a regulamentação para entrada em mercados, por representar uma nova categoria de alimentos. Até o momento, os “cafés celulares” não estão comercialmente disponíveis em nenhum país, mas já existem startups desenvolvendo a tecnologia, como a norteamericana California Cultured e a finlandesa VTT.
“A fermentação de precisão não vai dar, realmente, um sabor de café”, explica Paulo Mazzafera, especialista em fisiologia vegetal e professor-sênior do Instituto de Biologia da Unicamp. “Mas no cultivo celular, há várias outras substâncias para torrar, e reações entre células que fazem com que se chegue mais próximo das nuances de qualidade da bebida”, completa.
Por fim, um alerta recente sobre o assunto foi levantado por Anne Charlotte Bunge e Rachel Mazac, em artigo produzido com outros pesquisadores e publicado em janeiro na Nature Foods. Os autores alertam que os benefícios ambientais da agricultura celular em culturas como café e cacau “ainda não foram validados por estudos científicos revisados por pares”. Por outro lado, eles sugerem que pesquisas futuras investiguem o perfil nutricional e a aceitabilidade dessas alternativas pelos consumidores.
Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.






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