Cafezal •
Projeto reúne turismo e cafeicultura no Espírito Santo
Com dezenas de atrativos, Cafés do Espírito Santo divulga as belezas do estado e fomenta o café como destaque turístico
Por Gabriela Kaneto, do Espírito Santo
De praias a montanhas, o Espírito Santo vive um momento promissor no turismo e na cafeicultura. Em 2023, segundo o Ministério do Turismo, o estado recebeu 450 mil viagens e gerou R$ 704 milhões. O movimento foi puxado por visitantes em busca de lazer, natureza, cultura e gastronomia. No quarto trimestre de 2024, a Setur (Secretaria de Turismo) registrou alta de 8,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
A cafeicultura, principal atividade agrícola capixaba, também avança. Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2024, o Espírito Santo – o segundo maior produtor de café do país e líder em conilon – colheu 13,9 milhões de sacas, 9,8 milhões delas de conilon. Para 2025, a previsão é de alta de 18,2%, chegando a 16,4 milhões de sacas.
De olho nesse cenário, o empresário Washington Pereira, fundador da De Olho na Rua, criou o projeto Cafés do Espírito Santo, que une café e turismo em roteiros com mais de 180 atrativos. A inspiração veio após uma cliente voltar da Espanha com uma revista sobre pintxos (petisco típico do País Basco) e turismo de vinho. “Tinha uma foto do pessoal pisando nas folhas das parreiras. Rabiscamos por cima: isso poderia ser café. Aí caiu a ficha”, conta.
Em 2021, Pereira passou a estudar a produção local de café e notou que ela era majoritariamente familiar e artesanal. Percebeu ainda que uma mesma lavoura poderia gerar perfis sensoriais distintos, dependendo de fatores como altitude, sombreamento e pós-colheita. “Olhando um saco de juta, li ‘Cafés do Brasil’. Mas de onde do Brasil? O Brasil é muito grande”, lembra.
Com uma exposição itinerante de mais de 200 embalagens de café, o projeto está em feiras e eventos para mostrar a diversidade da cafeicultura capixaba. Agora, a iniciativa, em estruturação, definiu três roteiros: o Coffee Tour (direcionado às pessoas que querem consumir cafés de qualidade e conhecer sua produção), o Coffee Stay (com hospedagem e vivências em fazendas, incluindo visita às plantações, degustações e oficinas) e o Coffee Tech (voltado ao turismo de negócios).
“O café sempre foi a principal fonte de receita da região, mas muitas pessoas passaram a diversificar suas atividades por causa do turismo”, diz Cleto Venturim, presidente da cooperativa Sicoob Sul-Serrano, que mantém o projeto. “Valorizar o pequeno produtor é um trabalho que exige organização. Estamos colocando luz nesse movimento.”
A convite do Cafés do Espírito Santo, a Espresso saiu de São Paulo com destino à Vitória para três dias de imersão na cafeicultura e no turismo capixabas. Guiado por Pereira, o tour começou na capital e subiu as montanhas do Caparaó, nosso destino final. A seguir, nove atrações dessa viagem.
Grande Buda
Logo pela manhã, a primeira parada foi em Ibiraçu, a cerca de 70 km de Vitória. À beira da BR-101, ergue-se a monumental escultura de 35 metros inaugurada em 2021, que une arte, espiritualidade e paisagem natural. Parte do Mosteiro Zen Morro da Vargem, o espaço abriga ainda o Portal Torii, o Jardim Zen, o Lago da Serenidade e o Bosque da Sabedoria, além de sorveteria, cafeteria e loja de souvenirs. Ao lado da estátua principal, outras 15 esculturas de 2,5 m do Buda em meditação simbolizam serenidade e perseverança. É a maior representação do Buda na América Latina.
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – Centro de pesquisa
No Campus Goiabeiras, em Vitória, um centro de pesquisa se dedica a estudar a química do café, explorando desde a composição do solo até as transformações na torra. Coordenado pela professora Emanuele Oliveira, que também dá aulas no Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo), o laboratório analisa os compostos que influenciam o perfil sensorial da bebida, conectando ciência e sabor.

Emanuele Oliveira, coordenadora do laboratório (à esq.), e estudante do projeto (à dir.) – Fotos: Camila Luz
Criado em 2021, o laboratório faz parte do Coffee Design — grupo de pesquisa do Ifes, em Venda Nova do Imigrante, com 11 anos de atuação e 50 bolsistas, entre alunos da Ufes, Ifes e UFV (Universidade Federal de Viçosa). Cada polo foca em uma área: a Ufes se dedica à química, a UFV à microbiologia e o Ifes ao processamento, torra e análise sensorial. O objetivo é aprimorar as etapas por qual passa o café, até a xícara. “No café, tudo interfere, mas aqui tentamos entender os fatores para poder contornar situações”, explica Emanuele. Além de trabalhar com produtores parceiros no Espírito Santo, o grupo também coleta amostras de cafés de várias regiões do Brasil para pesquisa.
Terrafé
Nossa próxima parada foi na unidade conceito da Terrafé, na capital capixaba. Recebidos por Raul Guizeline, fundador da rede, e por Francisco Siqueira, barista, instrutor e responsável pelo marketing, conhecemos o espaço inaugurado há pouco mais de um ano. A marca atua desde 2014 e soma 14 unidades no Espírito Santo — com outras três previstas para abrir neste segundo semestre.
“Entendemos que o consumidor de cafés especiais não quer repetir sempre o mesmo café”, afirma Guizeline, ao explicar a carta de microlotes, que varia de 15 a 20 opções rotativas. Torrados pela própria Terrafé, os grãos vêm de regiões como Montanhas do Espírito Santo, Sul de Minas, Matas de Minas e Caparaó. “Nossa proposta é propagar o café capixaba, trazendo os melhores grãos e criando diversidade na prateleira”, completa Siqueira.
Entre os destaques recentes está a caixa do campeão do Coffee of the Year: um arábica catuaí 785, lavado, cultivado por Paulo Roberto Alves, em Divino de São Lourenço (ES). Além da cafeteria, a loja conceito abriga um coffee bar para drinques, sala de cursos e workshops, espaço para reuniões e lounge para eventos sob reserva.
Khas Café
O segundo dia começou cedo. Pela Rota do Lagarto — trajeto turístico repleto de pousadas e que contorna a icônica Pedra Azul — chegamos à Khas Café. Há oito anos, a fazenda pertence a Roberta e Júlio Aguilar, que trocaram a vida na cidade para cultivar café nas montanhas. “Sou de Vitória e o Júlio é do norte do estado. Ele estudava agronomia na UFV e passava sempre por aqui para chegar à faculdade. Foi assim que se apaixonou pelo lugar”, conta a publicitária. Depois de adquirir a propriedade, o casal se especializou em cafés especiais e turismo de experiências. “Comecei a estudar o fruto e fiz curso de barista. O Júlio ficou com a produção, enquanto eu e a Dani [Daniela Aguilar, cunhada de Roberta] cuidamos da cafeteria e do turismo”, explica.

Roberta explicando sobre os processamentos de pós-colheita (à esq.) e degustação de cafés com quitutes regionais (à dir.) – Fotos: Camila Luz
Além da plantação de arábica, a Khás Café tem uma lavoura experimental com 25 clones (distribuídos em 500 pés) de conilon de altitude (1.100 m) – a variedade é, tradicionalmente, cultivada em baixa altitude – ideia do amigo e engenheiro agrônomo Fábio Partelli, da Ufes. “A partir desses clones será lançada uma nova cultivar, para ajudar os produtores a produzir um café bom tanto em produtividade quanto em bebida”, comemora Roberta. “Muitos já produzem conilon de altitude, mas o fazem empiricamente”, ressalta. “Quando lançamos uma cultivar, garantimos que o café vai ter qualidade. É bom para a ciência”.
Na parte mais alta da fazenda, a cafeteria chama atenção pelo visual excêntrico e pela estrutura construída com materiais reaproveitados (upcycling). É o ponto final do roteiro Alquimia do Café, que atrai visitantes de todo o país para conhecer lavouras, etapas do pós-colheita e participar de harmonizações entre os dois tipos de café e comidas locais, de forma lúdica e pedagógica. “O objetivo é ensinar as pessoas a tomarem um bom café e mostrar as diferenças entre a produção de um especial e de um tradicional”, diz Roberta. “Queremos transformar o estado em um polo de experiência, pois produzimos de norte a sul”, afirma.
Fazenda Camocim
Reconhecida mundialmente pelos cafés especiais, a Fazenda Camocim, com mais de 150 hectares em Pedra Azul, distrito de Domingos Martins (ES), está ativa desde meados dos anos 1990, quando o empresário Olivar Araújo, superintendente do Grupo Sloper, iniciou o cultivo de cafés orgânicos na região. Hoje, a propriedade é administrada por seu neto, Henrique Sloper. “Vimos que o orgânico era o futuro da agricultura — e do café também”, diz.
A busca pela preservação ambiental fez da propriedade um refúgio para mais de 40 espécies de pássaros, entre elas o jacu, que prefere matas preservadas para se alimentar, fazer ninho e repousar. “Sem querer, viramos uma área de reprodução do jacu”, brinca o empresário. Inspirada no café kopi luwak da Indonésia, a Camocim adotou o jacu como parceiro e lançou o Jacu Bird Coffee, que ganhou fama no Brasil e no mundo.
Desde 2023, a fazenda oferece turismo de experiência com visitas guiadas que acompanham todo o ciclo do café — do plantio ao envase —, culminando em degustação na Casa do Café, cafeteria moderna da propriedade. “Além de clima, altitude, conhecimento, tecnologia e pesquisa, aqui tem uma infinidade de ingredientes. Tem muita agricultura”, destaca Sloper sobre a região. “O Espírito Santo ainda está aprendendo a se vender. Juntando tudo isso, há uma solução para o turismo”, acrescenta.
Fazenda Carnielli
“O Espírito Santo ainda é relativamente pouco conhecido”, avalia Lorenzo Carnielli, quinta geração à frente da Fazenda Carnielli. Com mais de 100 anos no cultivo do café, a propriedade aprimorou sua produção a partir dos anos 1990. “Foi quando chegou a tecnologia, principalmente para o cereja descascado. Em 2001, ganhamos o primeiro concurso de cafés especiais do estado”, relembra.
Hoje, a fazenda cultiva seis variedades, entre elas catucaí, catuaí, mundo novo, arara e 785SL. “Fomos os primeiros malucos a colocar cafés especiais na prateleira do supermercado”, brinca ele. Desde 1987 recebe turistas, mas só em 2021 passou a agendar experiências. “Aqui o visitante conhece todo o processo: do pé de café ao descascamento, secagem, estoque, torra, degustação e produtos da fazenda — queijos, doce de leite, fubá e embutidos, como o socol, famoso na região”, conta. “O café está no centro da experiência. Tem coisa melhor que um queijinho com café?”.
Pousada Vovô Nininho
Após pegar a estrada rumo ao Caparaó, chegamos ao destino e passamos a noite em um dos charmosos chalés da Pousada Vovô Nininho. Situados no meio do cafezal, os dormitórios, inaugurados em 2021, combinam aconchego e design moderno, com café especial disponível para preparo no quarto e uma linda vista da plantação.
“Meu pai sempre foi apaixonado por café. Produzia um bom produto, mas vendia como commodity”, conta Roberta Medeiros. Após a morte do pai, ela e o marido, Nilton Martins, deixaram a vida de escritório para continuar a produção, criando a marca Vovô Nininho em homenagem ao patriarca.
Com estudos e aprimoramentos, passaram a cultivar café especial em 2017. “Decidimos que seria o melhor caminho. Fizemos cursos e unimos teoria e prática”, diz a produtora. Hoje são 10 mil plantas das variedades catucaí 2SL amarelo e catuaí 44 amarelo e vermelho, em uma lavoura a 1.350 metros de altitude. Todo o café produzido é comercializado na própria cafeteria da pousada e vendido para o Brasil pelo Instagram.
Associação de Produtores de Cafés Especiais do Caparaó (Apec)
O Caparaó tem ganhado destaque nos últimos anos. Berço de produtores premiados em concursos de qualidade — como Afonso Lacerda, Deneval Miranda Vieira e o mais recente campeão do Coffee of the Year, Paulo Roberto Alves —, a região, com produção majoritariamente familiar, é denominação de origem para cafés especiais desde 2021.
Localizada entre Espírito Santo e Minas Gerais, abrange 16 municípios — dez capixabas e seis mineiros — e produz cerca de 2,4 milhões de sacas de café, das quais apenas 10% são especiais. Criada em 2016, a Apec tem entre seus objetivos a gestão dessa Indicação Geográfica (IG). “A função da associação é a proteção da marca não só no Brasil, mas no exterior também”, diz a cafeicultora Cecília Nakao, presidente da Apec. “Viramos referência em indicações geográficas. Muita gente quer vir conhecer nossa experiência. Somos muito criteriosos. Claro que ainda existem coisas amadoras, mas levamos a sério o que fazemos”.
Com cerca de 160 associados, há expectativa de crescimento. “Estamos fortalecendo a associação, entregando valor aos produtores para que eles estejam mais perto de nós, até para termos mais controle da qualidade do que estamos produzindo”, destaca a cafeicultora Ana Carolina Malta, da equipe administrativa da Apec. “A grande importância da IG é conscientizar e capacitar o produtor quanto ao produto, o mercado e mostrar a evolução dele a quem comercializa seu café”, salienta Gustavo Vilas Boas, também produtor e integrante da equipe.
Parque Nacional do Caparaó
A última parada da jornada foi o Parque Nacional do Caparaó, uma das principais unidades de conservação do país. Criado em 1961, o parque abriga o Pico da Bandeira, com 2.891 metros, o terceiro ponto mais alto do Brasil.
Além das cachoeiras, mirantes e trilhas, o local oferece estrutura para camping e um centro de visitantes. A biodiversidade e a vista da cordilheira, com destaque para a famosa Pedra Menina, completam o cenário.
Entre a metrópole e as montanhas, o Espírito Santo se destaca como produtor de café de qualidade e destino turístico em ascensão. “Aqui está a maior variedade sensorial em um só território. Nosso objetivo é promover o café como atrativo turístico”, diz Pereira. Afinal, em cada xícara e paisagem capixaba, uma história é contada.




















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