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A ciência na cafeicultura marca o segundo dia de SIC
A ciência, grande aliada da sustentabilidade, é tema de palestras e debates no evento
A ciência e seus aportes à cafeicultura deram o tom do segundo dia de palestras e painéis da 12ª Semana Internacional do Café, que termina nesta sexta (22), no Expominas, em Belo Horizonte. Não sem colocar em relevância a necessidade do trabalho conjunto dos agentes da cadeia e da multidisciplinaridade do conhecimento, ambos aspectos fundamentais para vencer os desafios das mudanças climáticas.
“A ciência tem um poder de transformação gigantesco”, provoca Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia e pioneiro nas pesquisas em de qualidade dos cafés Robusta Amazônicos, em depoimento à Espresso depois de mediar o painel “A força da ciência nas questões de clima, solo, variedades e consumo”. “Ela envolve tudo que é importante para a produção de cafés, desde commodities até especiais. Envolve questões de solo, de ambiente e de genética, e o domínio desses conhecimentos é importante para extrair o máximo para ter produtividade, qualidade e segurança alimentar”, explica ele,.
A potencialidade da cafeicultura brasileira em termos de tecnologia e ciência para o campo foram debatidos, de fato, ao longo do dia. O painel “Revolução verde: exemplos da nova economia sustentável”, destacou o sucesso na redução da pegada de carbono na cafeicultura em duas situações: em um estudo da potencialidade das práticas regenerativas (em comparação com a agricultura tradicional) em relação ao sequestro de carbono em conilons do Espírito Santo, e no desenvolvimento de um fertilizante verde pela empresa Yara, em parceria com a cooperativa Cooxupé (em Guaxupé, Sul de Minas), que reduziu em até 90% a pegada de carbono na cafeicultura – parceria, aliás, firmada na SIC, em 2022. “A SIC é como um hub, um laboratório de novos negócios, parcerias, inovação e sustentabilidade”, diz Natália Amoedo, fundadora da Pitah e mediadora do painel.
Sustentabilidade essa cujos preceitos são rastreáveis no tempo, conforme mostra Eduardo Sampaio, consultor sênior da Plataforma Global do Café, que recorre à história da agricultura para abrir sua mediação na palestra “ABC do Regenerativo: fundamentos e retornos econômicos para o produtor”, e cuja conexão com a ciência é intrínseca. “Regenerar significa reconstruir”, ensina ele, que nos lembra que é preciso ter um pensamento “sistêmico” e multidisciplinar para encarar os desafios atuais na cafeicultura. “Não há como mudar as mudanças, mas há como minimizar seus impactos através da agricultura regenerativa, acoplada à ciência”, completa Alessandro Hervaz, vice-presidente da cooperativa mineira Coopervass, que há um ano criou o projeto Greencoffee, de práticas de cultivo responsável e que envolve 32 produtores de café.
As práticas regenerativas são um caminho sem volta, como bem pontuou Adriano Ribeiro, coordenador de sustentabilidade da NKG Stockler, no mesmo painel. E “sua reconexão com a academia é um alicerce maior para as mudanças em vigor”, acredita.
A agricultura regenerativa não é uma moda passageira. Ela está alicerçada na ciência, que produz dados robustos a seu favor – como os que embasam as falas dos palestrantes de que os que a praticam sofrem menos os desafios climáticos do que aqueles que seguem a agricultura convencional –, e suas práticas, separadamente ou em conjunto, foram, por exemplo, adotadas rapidamente no Cerrado.
Apesar disso, ainda sofrem barreiras que precisam ser quebradas, e um dos caminhos é a informação correta, segundo Sampaio. Além disso, a AR ainda não tem uma valoração específica, uma demanda dos produtores que a praticam há quase vinte anos. Isso será compensado em 2025, quando a Rainforest Alliance pretende lançar uma certificação para ela. “Teremos um módulo específico para AR”, promete Yuri Feres, diretor da Rainforest Alliance Brasil. “Não há dúvidas científicas da resiliência dos cafés que têm práticas regenerativas”, reforça Ribeiro.
Genética
Outra ferramenta fundamental para enfrentar os desafios climáticos é a genética. Embora com pouco apoio público financeiro – uma das grandes dificuldades das pesquisas nacionais em geral –, a ciência brasileira na área de cafés consegue avançar. É o que apresentaram os pesquisadores Alan Andrade e Luiz Filipe Pereira, da Embrapa Café, e Douglas Domingues, da Esalq, na palestra “Tecnologias genômicas e a transformação da produção de café”. Desde 2002, explicam os pesquisadores, projetos vêm estudando o genoma das duas espécies de café de valor econômico.
Em 2014, com colaboração internacional, foi desvendado o genoma completo do canéfora. Em 2024, o genoma da espécie arábica foi concluído. A importância disso? Acelerar o trabalho dos melhoristas do café, ajudando a desenvolver novas variedades tolerantes à seca, às doenças e que tenham qualidade sensorial acoplada a partir do uso de marcadores que auxiliam na “construção” de novas variedades.
“A pesquisa científica está sempre antenada, e com muita antecedência”, lembra Pereira. “Temos referências em outros universos, como o do vinho, facilmente implementáveis no café, agora que temos genomas de referência”, completa Domingues.
“Qualquer variedade pode entregar bebidas acima de 90 pontos”, garante o pesquisador de cafés especiais do IAC Gerson Giomo, às qualidades intrínsecas dos cafés. “Elas só precisam estar em ambientes favoráveis para expressarem seu potencial genético”, ensina Giomo, que pesquisa o assunto há anos.
A ciência do solo também está na ordem do dia. Estudos recentes mostram que ele tem características “invisíveis” (referindo-se aos minerais que compõem a argila do solo), identificadas a partir de procedimentos magnéticos e que “impactam na capacidade das plantas em produzir cafés de qualidade”, diz o especialista em solos Diego Siqueira, CEO da Quanticum.
O segundo dia do evento, ainda, trouxe discussões sobre os recentes desdobramentos da EUDR no painel “Brasil e as novas regulamentações da UE: ameaça ou oportunidade?”, o lançamento da plataforma de rastreabilidade das IGs de café pelo Sebrae Nacional e do livro A revolução do café brasileiro – regiões com Indicação Geográfica, patrocinado pelo Sicoob.
Se a plataforma – uma ferramenta de rastreabilidade das fazendas de café com IG a partir de tecnologias como blockchain e geolocalização – é, também, uma ferramenta de gestão, o livro explora, por meio de fotografias e textos em português e inglês, a cultura e o valor das 14 indicações geográficas brasileiras (não houve tempo de incluir a recente IP Chapada Diamantina) ao longo de mais de 250 páginas.
“A obra traz uma abordagem do protagonismo do produtor e das regiões cafeicultoras com IG”, diz o editor Juliano Tarabal, superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, referindo-se aos textos que contam a história das regiões e de produtores e detalham as características de terroir e o perfil sensorial dos cafés. “Nossa expectativa é que esse livro seja uma ferramenta de promoção do café braileiro nas regiões com indicação geográfica”, diz ele. “É impossível vender o Brasil como um país único, sem apresentar essa diversidade de cafés”, acredita.
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