•
Em setembro, plataforma global traz primeiras pesquisas da economia circular do café
A economia circular está em crescimento na cafeicultura como uma resposta sustentável aos desafios associados à produção e ao consumo de café. Uma das dificuldades, porém, é a falta de informação e troca de conhecimento entre os elos da cadeia. É o que constatam os especialistas do recém-criado Center for Circular Economy in Coffee (Centro de Economia Circular para o Café).
Lançado em setembro de 2023 durante a 5ª Conferência Mundial do Café (WCC 2023), organizada pela OIC (Organização Internacional do Café) em Bangalore, na Índia, o Centro de Economia Circular para o Café é a primeira plataforma colaborativa global dedicada a aprimorar e acelerar a transição para a economia circular no setor cafeeiro, ou seja, transformar resíduos de café em energia renovável. O objetivo vislumbrado é que a cadeia reduza sua dependência de combustíveis fósseis e se torne um agente ativo na desaceleração do aquecimento global.
Segundo especialistas do Centro entrevistados pela Espresso, há três desafios principais para o setor: falta de conhecimento das possibilidades concretas da economia circular no café, falta de financiamento e apoio (tanto público quanto privado) e pouca coordenação entre os elos da cadeia, especialmente entre o setor privado e a academia.
O Centro é formado por uma rede global de colaboradores, como Fundação Giuseppe e Pericle Lavazza, Politécnico de Turim, Centro de Comércio Internacional (ITC), Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e Universidade de Ciências Gastronômicas de Pollenzo, além da OIC. A nova plataforma, sediada em Turim, tem como objetivo compartilhar pesquisas com o setor cafeeiro, desenvolvimentos e inovações conduzidas pelas empresas e organizações envolvidas.
Para a enorme tarefa, ele já reuniu mais de 150 pessoas de mais de 25 países por meio da rede colaborativa do Guia do café. Essa rede, por sua vez, é responsável pela publicação da 4ª edição do guia e, também, por fornecer consultorias ao centro.
“É urgente que mais informações sobre economia circular sejam compartilhadas, para ampliar o debate“, alerta Katherine Oglietti, coordenadora de uma rede de especialistas em café do ITC, agência conjunta das Nações Unidas com a Organização Mundial do Comércio.
Esse compartilhamento perpassa a definição de economia circular. Segundo o Guia do café (publicado pelo ITC em 2022 em versão online, gratuita e em português), a economia circular permite que os resíduos do café sejam reutilizados, tanto em termos biológicos quanto técnicos: borras podem virar biocombustíveis, cascas podem se transformar em energia para a seca mecânica do grão, enfim, soluções inteligentes do ponto de vista climático para melhorar a qualidade do produto, a fertilidade do solo e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de CO2. “Ela é um meio de ampliar a sustentabilidade do setor de forma colaborativa”, acrescenta Katherine. “A inspiração na biologia e na natureza é o cerne da economia circular”, completa Dario Toso, gestor de sustentabilidade e economia circular da Lavazza.
Ao mesmo tempo, é preciso tirar a cadeia do que Katherine chama de “isolamento”, pois, segundo ela, acadêmicos, setor produtivo e consumidor ainda não conversam entre si ou não se informam sobre o que acontece nos outros níveis da cafeicultura. Por isso, a discussão sobre economia circular é crucial, já que o princípio que fundamenta o conceito é o uso eficiente de recursos, reduzindo desperdícios. “Com a diversificação da cultura e dos processos de produção do café, estas metas sustentáveis podem ser atingidas”, garante a especialista.
O processo começa pela transformação da percepção do café em si, que deve deixar de ser considerado apenas um produto e tornar-se algo maior, que represente toda a sociedade. “É uma mudança de mentalidade não somente da nossa relação com o café, mas também com o consumo e sobre o nosso lugar na sociedade”, diz Katherine.
Essa mudança de mentalidade reflete-se, por exemplo, na atribuição de valor para o que antes era visto como lixo. No caso do café, significa valorizar os rejeitos resultantes da produção do grão nas fazendas e, também, o que é abandonado pelos consumidores da bebida. Esta iniciativa, a de agregar valor ao “lixo” gerado pelos países que produzem café (e o consomem), pode ser um grande aliado no combate às mudanças climáticas.
Toso projeta que, se houver uma mudança completa para um modelo de economia circular, o conceito de desperdício não estará mais presente na cadeia de valor do café. “A maioria da biomassa que atualmente é descartada para produzir uma xícara da bebida irá se transformar em novos produtos e oportunidades de negócios, capazes de tornar a cadeia de valor mais resiliente e justa”, explica ele. As embalagens, por exemplo, serão reutilizadas e, depois, recicladas, assim como as borras de café irão produzir cosméticos, produtos farmacêuticos, alimentos e materiais inovadores.
Mas, para isso, é preciso informar. “É urgente que mais informações sobre o tema sejam compartilhadas a fim de ampliar o debate”, resume Katherine que, a partir de enquetes, debates e diálogos com mais de 320 pessoas, descobriu que 75% delas admitem ter pouco ou limitado conhecimento sobre a economia circular no setor. Além disso, apenas um terço afirmou fazer algo ou conhecer alguém que esteja agindo para melhorar a sustentabilidade socioambiental na cadeia cafeeira.
É pela falta de integração entre os elos do setor que Alessandro Campanella, mestre em Design de Sistemas no Politécnico de Turim, na Itália, decidiu pesquisar a economia circular do café. Especialista no estudo de sistemas complexos e das relações entre suas partes, Campanella diz que a chave é entender que indivíduos e empresas são parte de um sistema. “Uma solução geral não responde à complexidade do cenário global hoje em dia”, explica ele. “É urgente encontrar soluções e projetos para cada contexto de produção de café, valorizando a diversidade dos envolvidos”, emenda.
Campanella debruça-se sobre as estratégias e a valorização dos subprodutos do café, e sua investigação envolve startups, pesquisa científica e mapeamento do setor privado. Uma de suas atividades, por exemplo, é colaborar com a Lavazza para projetar novos cenários possíveis relacionados a economia circular e sustentabilidade. O descarte de embalagens e a gestão das borras do grão são os dois fatores de maior impacto ambiental na cadeia em um país consumidor. “Há um novo ‘braço’ dessa cadeia de valor ainda incipiente, mas com muitas oportunidades no futuro”, adianta ele, referindo-se ao pós-consumo do grão.
O Centro planeja para setembro a publicação de um documento com as primeiras conclusões do estudo, assim como as de outras pesquisas, juntamente com o relatório de desenvolvimento da cadeia do café da OIC.
Ao considerar o rápido avanço das mudanças climáticas, o apreço pelo café no mundo e sua quantidade produzida a cada ano, Campanella acredita que essas pesquisas e atividades devem ser vistas como um convite. “É preciso incluir todos os ramos da economia que, direta ou indiretamente, permitem que essa roda continue a girar”, diz ele, referindo-se à falta de capilaridade de iniciativas como estas.
Enquanto os resultados dessas iniciativas não são divulgados, o centro oferece programa de treinamentos em sua sede, com webinars dirigidos por especialistas no assunto e reuniões entre representantes dos mais variados setores da cadeia de valor do café.
Deixe seu comentário