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A chegada do café ao Brasil
Em 1727, as primeiras mudas do grão são plantadas no norte do país, e o centro-sul nacional dita os rumos da nossa história
Todos os livros sobre a bebida citam Francisco de Mello Palheta, oficial do governo brasileiro que trouxe ao país, em 1727, as primeiras mudas de café, vindas da Guiana Francesa. Embora Palheta seja sempre retratado como um personagem heróico, quase mítico, o militar, de fato, foi enviado pelo governador da capitania do Maranhão e do Grão-Pará para resolver problemas de demarcação de fronteiras com a Guiana. Costuma-se dizer que Palheta envolveu-se numa situação amorosa — provavelmente, outra das muitas lendas sobre o café. Na verdade, sua missão principal foi conseguir mudas de café, que foram, então, cultivadas no Pará.
A primeira exportação de grãos para Lisboa sai do Maranhão em 1731, e o café cultivado em Belém começa a ser plantado nos arredores do Rio de Janeiro na década de 1760. Era, então, uma planta de quintal, para consumo doméstico. Só quando ele chega ao Vale do Paraíba é que nossa história muda de rumo. Relativamente desabitada até 1800, imbricada entre as Serras do Mar e da Mantiqueira e compartilhada entre Rio e São Paulo, a região transformou-se na primeira área cafeicultora brasileira com produção em alta escala. No início, os cafezais tomaram a porção fluminense do território, onde surgiram imensas e belíssimas fazendas.
A chegada da família real à cidade do Rio, em 1808, transformou-a na capital do Império português, e estimulou ainda mais o cultivo do café no Vale. D. João VI mandou, então, buscar sementes da África, e as distribuiu entre os proprietários da região.
Com o ouro já esgotado e o açúcar enfrentando concorrentes antilhanos, o café tornou-se uma opção de riqueza para Portugal. Entre o final do século XVIII e ao longo do XIX, o grão espalhou-se pelas regiões centro-sul do Brasil, alcançando Minas Gerais (pela zona da Mata), Espírito Santo e, aos poucos, São Paulo, descendo pelo Vale do Paraíba.
Em 1822, um ramo de café é incorporado ao escudo de armas do Império — uma aposta em seu potencial econômico. De fato, o café ganhou esse destaque. Entre a Independência (1822) e a Primeira República (1889), as exportações brasileiras do grão aumentaram 75 vezes, para mercados consumidores (EUA e Europa) que cresceram rapidamente. Muita terra disponível, pouca tecnologia necessária, solo fértil e barato e mão de obra escravizada permitiram ao país produzir café a preços baixos e em grande quantidade.
Entre 1830 e 1840, o grão tornou-se nosso produto mais exportado e, na década de 1850, o Brasil virou seu maior produtor mundial. Não sem alterar o mapa de sua produção: em declínio, pelo cansaço das terras ocasionado pela prática da monocultura, o Vale do Paraíba foi dando lugar à produção paulista.
O café chega a São Paulo em 1765, estabelecendo-se na porção paulista do Vale do Paraíba. Foi cultivado em roças e consumido internamente até 1835, quando plantas crescem em Campinas, inaugurando a região produtora conhecida como Oeste Paulista. Ali, o grão avança em duas direções: para o oeste, rumo a Limeira, Rio Claro e Araraquara; ao norte, para cidades como Casa Branca e Mococa. A partir dos anos 1860, São Paulo tornou-se o maior produtor de café do mundo.
Em 1886, Campinas e regiões próximas a ela lideram a produção brasileira (e mundial) do grão. O navio a vapor impulsiona seu comércio, e as ferrovias, construídas a partir de meados do século XIX, aceleram o trânsito entre as fazendas e os portos de escoamento do grão. No final do Oitocentos, São Paulo tinha 3 mil km de trilhos interior adentro. Onde eles surgiam, apareciam novas cidades e mais pessoas.
Santos transformou-se em uma cidade central para esse comércio. Além de ter o maior porto exportador do mundo (o do Rio de Janeiro perdeu importância conforme o café se espalhou por São Paulo), a cidade inaugurou a Bolsa Oficial do Café no início do século XX, que passou a determinar as regras para o negócio do grão e controlou as operações financeiras, entre outras funções.
O Brasil, então, era o café. Até o início do século XX, comércio, indústria e investimentos financeiros giraram em torno do grão. Grandes reformas urbanas foram feitas, surgiram estabelecimentos culturais e foram fundadas as primeiras instituições científicas — como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), de 1887, o curso de Engenharia Agronômica (1897) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901). Esses centros foram criados, principalmente, para salvar cafeicultores das pragas que ameaçavam o café.
Também é a economia cafeeira que estabelece e mantém a hegemonia política e econômica do centro-sul do Brasil, promovendo a “política café com leite”, que predominou na Primeira República (1889-1930) alternando no poder fazendeiros paulistas e mineiros.
Mas nem tudo nessa história é sobre riqueza e prosperidade. Milhares de africanos escravizados serviram como mão de obra no plantio do café, e o país foi o último no mundo a cessar esse tráfico intercontinental (em 1850). Estimativas feitas por historiadores calculam que, entre 1835 e 1850, dos mais de 690 mil escravizados que chegaram ao país, cerca de 80% desembarcaram no sudeste cafeeiro. Depois de 1850, estrutura-se no país outro tipo de tráfico: o comércio interno de escravizados negros, vindos de áreas produtoras decadentes — como as de cana, no nordeste — para trabalhar nos cafezais paulistas. Muitos negros livres, inclusive, voltaram a ser escravizados para a lida nos cafezais paulistas. Além disso, cafeicultores e governo buscaram mão de obra alternativa, trazida da Europa. Mas essa parte da história fica para a próxima coluna. Até lá!
Cristiana Couto é jornalista, historiadora e doutora em história da ciência. É autora, entre outros, de Arte de Cozinha – Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVII-XIX). Coordena o conteúdo da Espresso. Coluna publicada na Espresso #80 (junho, julho e agosto de 2023).
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