Café & Preparos

O rock nacional vive em João Barone

O músico divide seu tempo entre os Paralamas do Sucesso, um projeto sobre o The Police e pesquisas relacionadas à II Guerra Mundial

Uma das três pontas do trio Paralamas do Sucesso, João Barone já era baterista antes de efetivamente sê-lo. Passou a infância na região da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – hoje município de Seropédica -, época marcada por brincadeiras com baquetas imaginárias. 

“Fazia baquetas de bambu e tocava nas almofadas”, revela João, que, quando pequeno, era fã dos Beatles. Reza a lenda que, por volta dos 9 anos, ele invadiu sem ninguém perceber o ensaio do irmão João Guilherme na garagem da sua casa (João tinha uma banda com os amigos do cursinho pré-vestibular).  “Sou o mais novo de quatro irmãos e meio temporão, cheguei muito depois”, explica. “Naquele dia, quando a banda do meu irmão fez uma pausa para o café, dizem que eu sentei na bateria e comecei a tocar Ticket to Ride, do filme Help, dos Beatles, que eu adorava”. 

“Fui criando interesse pela bateria nessa fase. Ela tem uma coisa meio circense e sempre me atraiu. Lembro que, quando o Zimbo Trio ia ao programa do Flávio Cavalcanti, eu parava tudo para vê-lo. E meu ídolo dos Beatles era o Ringo Star”, aponta.

A fama de baterista correu entre os amigos da vizinhança sem que sequer Barone tivesse o instrumento. “Na adolescência, os colegas da rua montavam banda, queriam tocar guitarra e já contavam comigo na bateria”, diverte-se. 

Certo dia, Barone e seus amigos encontraram no almoxarifado da universidade uma bateria estragada. Um professor a emprestou ao jovem Barone, que se comprometeu a restaurá-la. “Eu e uns amigos montamos uma banda e ensaiávamos de sábado à tarde em uma sala vazia da universidade. Quando havia turnê das bandas de baile na nossa cidade, algo comum na época, nós pedíamos para dar uma canja. Subíamos ao palco e tocávamos uma meia dúzia de músicas dos Beatles”. 

Rock brasileiro

Era começo dos anos 1980 quando um amigo em comum apresentou Barone a Herbert Vianna e Bi Ribeiro. A banda deles, Os Paralamas do Sucesso, tocaria em um festival da universidade. O baterista Vital Dias (homenageado na canção Vital e Sua Moto) não pôde comparecer. Barone então assumiu as baquetas, mas o reencontro do trio demoraria um ano para acontecer.

“Os Paralamas conseguiram se apresentar em um bar em Seropédica e eu dividi a bateria com o Vital. Foi uma loucura, a Polícia Militar foi chamada porque o público fechou a rua”, relembra. “Em setembro de 1982, entrei efetivamente para a banda. Ia todo final de semana ao Rio de Janeiro ensaiar na casa da avó do Bi, em Copacabana”, relata. 

No Rio a banda conseguiu tocar músicas do The Police no Western Club, bar decadente voltado, na verdade, para um rock “mais pesado” do que o dos Paralamas. Com o dinheiro das apresentações, eles gravaram uma demo e mandaram para a Rádio Fluminense, que tocava bandas que ainda não tinham gravadora. “Pouco tempo depois, no começo de 1983, já estávamos nos dando ao luxo de escolher a gravadora com que iríamos assinar”, relembra. 

Naquela época, as gravadoras procuravam uma “nova Blitz”, banda de Evandro Mesquita que fazia sucesso por misturar música com performance teatral. Quem incentivava os meninos do Paralamas era o recém-astro Lulu Santos.

“Conversamos em um backstage de um show dele no Morro da Urca e ele foi bastante receptivo. Fomos à sua casa e tocamos a demo, que ele adorou. Até que Lulu nos convidou para abrir um show no Circo Voador”, recorda Barone. “Ainda não tínhamos gravadora e meses antes estávamos no Circo Voador como público, vendo shows de Kid Abelha, Ultraje a Rigor e Barão Vermelho, que, naquela época, já tinham até disco. De repente, nós, que nem gravadora tínhamos ainda, nos vimos tocando naquele lugar para uma multidão”, emociona-se.  

Espírito do tempo

O trio finalmente assinou com a EMI – gravadora da Blitz – e gravou o álbum Cinema Mudo. “Era uma gravadora que não possuía outras bandas novas na época. Ficaríamos sozinhos na raia”, diverte-se. Curiosamente, pelas mãos de Herbert, uma demo da Legião Urbana foi encaminhada à direção da EMI. “Eles não foram bobos e assinaram com a Legião, a maior banda do Brasil”, opina.  

A trupe queria que Lulu fosse o produtor do primeiro disco, mas o amigo recusou. “Ele achava que já estávamos bem encaminhados”, justifica. Uma curiosidade do álbum de estreia ficou por conta, justamente, da gravação de Vital e Sua Moto. “Um dos diretores achava que a música não tinha refrão e o Herbert teve que se virar para pôr aquele ‘Os Paralamas do Sucesso vão tocar na capital’”.

Em 1985, os Paralamas já faziam dois shows por noite, lotavam o Rock in Rio e roubavam o recorde de público de Roberto Carlos no Gigantão, em Porto Alegre, reunindo 120 mil pessoas no estádio. “Tudo aconteceu muito rápido e de um jeito romântico. A gente estava naquele Zeitgeist (espírito do tempo), com o rock brasileiro começando a pipocar”, relembra. 

Barone e seu jipe

Paralelo aos Paralamas, Barone integra o projeto Call the Police, que reúne Rodrigo Santos (ex-baixista do Barão Vermelho) e Andy Summers (guitarrista do The Police) para tocar o repertório da banda inglesa. Desde 2016 já foram três turnês pela América Latina. 

“É um verdadeiro sonho tocar o repertório do The Police e justamente com o Summers, o cara que deixou sua marca com uma guitarra mutitextura”, entrega. “Trios de música dizem muito sobre o trabalho coletivo, cada um põe um pouco de si para criar algo novo”, descreve.

O baterista também é hoje reconhecido nacionalmente como um estudioso da II Guerra Mundial. Tudo começou sem pretensão, quando, em 1999, adquiriu um jipe que fora usado no conflito para restaurar. Barone passou a frequentar clubes de veículos militares e a conversar com ex-pracinhas – soldados brasileiros que lutaram na guerra. 

“Meu pai foi pracinha na Itália. Sempre que deparo com um ex-combatente, vejo a minha figura paterna. Não pude conversar muito sobre isso com meu pai. Ele falava pouco e nunca glamourizou a guerra. Era um cara normal, que precisou deixar o violão para pegar o fusível”, aponta. 

Com seu jipe, Barone percorreu os lugares onde os pracinhas estiveram na França e na Itália, e isso deu origem ao documentário Um Brasileiro no Dia D e ao livro Minha Segunda Guerra. Em 2013 lançou seu segundo livro 1942 – O Brasil e Sua Guerra Quase Desconhecida, que está na sexta edição e vendeu 40 mil exemplares.

“O objetivo não é enaltecer a guerra, apenas reconhecer a história das pessoas que precisaram ir até lá. Falar sobre a guerra é querer que algo assim não aconteça novamente, é antibélico”, justifica. 

Com poucos combatentes vivos, as pesquisas de Barone se transformaram em um importante registro. Hoje, além dos fãs dos Paralamas, ele conquistou um diferente público, os interessados nesse momento da História. 

TEXTO Leonardo Valle • FOTO Bispo

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